Bras�lia, 08 - Em reuni�es que entram madrugada adentro, regadas a �gua, caf� e vinho branco, o empres�rio Em�lio Odebrecht, patriarca do grupo Odebrecht, d� ordens e debate com os advogados que participam das negocia��es daquela que pode se tornar a mais explosiva dela��o premiada da Opera��o Lava Jato. O detalhe � que, da sala de reuni�es onde estavam, na cobertura do Windsor Plaza Bras�lia, � poss�vel avistar o lugar onde tudo come�ou, dois anos e sete meses atr�s: o Posto da Torre, que deu nome � opera��o e levou a Pol�cia Federal at� a contabilidade secreta do doleiro Alberto Youssef.
No Windsor, Em�lio permanecia o tempo todo com a filha M�nica e o marido dela, Maur�cio Ferro - respons�vel pela �rea jur�dica do conglomerado -, e Newton de Souza, atual presidente do grupo. S�o eles que ditam os rumos da tentativa de acordo com a Procuradoria-Geral da Rep�blica, para que Marcelo, filho de Em�lio, e cerca de 50 executivos confessem seus crimes em troca de puni��es menores.
A cena se repetiu v�rias vezes ao longo da semana e foi acompanhada pela equipe do Estado, hospedada no Windsor. A Odebrecht alugou espa�os para reuni�es e quartos para as cerca de 20 pessoas que participaram das negocia��es na sede da PGR. Al�m do local para as conversas internas, o grupo ocupava um lounge anexo, onde permaneciam duas secret�rias prontas para resolver qualquer problema de log�stica dos presentes, e um refeit�rio com TV e buffet variado. O acesso ao buffet est� dispon�vel a qualquer h�spede mediante o pagamento de uma taxa extra.
O Windsor Plaza transformou-se em um �bunker� da empreiteira n�mero 1 da Am�rica Latina, que tenta fechar um dos maiores acordos judiciais j� assinado no mundo - o Minist�rio P�blico quer impor uma multa de ao menos R$ 6 bilh�es. Marcelo, que era presidente do grupo at� sua pris�o, um ano e quatro meses atr�s, e os executivos est�o dispostos a contar os bastidores da distribui��o de milh�es de reais em propina para �conquistar� obras e apoio pol�tico nos governos federal, estaduais e municipais e outros il�citos cometidos em diversos outros pa�ses.
Em contrapartida, al�m de terem as penas de seus executivos diminu�das, a empresa tenta virar a p�gina dessa hist�ria que a arrastou para um dos maiores esc�ndalos de corrup��o do mundo. Os advogados s�o orientados a manter sigilo sobre a negocia��o e, principalmente, o conte�do dos depoimentos.
Sele��o
As negocia��es n�o t�m sido f�ceis e o clima de tens�o domina a cobertura do hotel. Descontra��o apenas em alguns momentos, como o da quinta-feira � noite, quando os advogados e Em�lio esqueceram o trabalho por minutos para acompanhar a goleada da sele��o brasileira sobre a Bol�via pelas Eliminat�rias da Copa do Mundo de 2018.
�Nunca na minha vida achei que ia ter que negociar assim�, comentava uma advogada com os colegas, enquanto o Brasil marcava seu segundo gol e iniciava a primeira goleada da era Tite. Nesse mesmo dia, Em�lio ficou das 18 horas at� perto de meia-noite entre uma conversa e outra. Parou s� para pedir uma salada caprese - sem folhas, mas com refor�o na mu�arela de b�fala - e conferir o placar do jogo do Brasil.
O Estado apurou que uma das negocia��es mais duras envolve Marcelo Odebrecht. Investigadores consideram que o caso do mais poderoso e rico dos executivos presos na Lava Jato deve servir de exemplo contra a impunidade. Exigem mais quatro anos de regime fechado para o ex-presidente da empresa, � frente da companhia entre 2009 e 2015, e respons�vel pela cria��o do setor de opera��es estruturadas - popularmente conhecido como departamento da propina. A meta dos advogados coordenados pelo criminalista Theodomiro Dias Neto, o Theo Dias, � convencer os investigadores de que o executivo j� passou muito tempo na pris�o e tentar reduzir a pena de reclus�o para dois anos e meio - j� descontado o ano e quatro meses cumprido na carceragem da PF de Curitiba.
A dela��o de Marcelo, mais do que qualquer outra, provoca terror no meio pol�tico com potencial para derrubar l�deres que ainda se sustentam ap�s dois anos e sete meses de investiga��o ininterrupta. Enquanto bebia um vinho, um dos advogados previa muitas opera��es ap�s o acordo. Os executivos t�m sido divididos em faixas pela PGR, por caracter�sticas comuns dos crimes. Marcelo tem uma faixa �nica. E seu pai concentra todos os esfor�os em Bras�lia para diminuir o tempo do filho atr�s das grades. �Minha m�e pediu para n�s dois, eu e meu pai, n�o viajarmos no mesmo avi�o. Mas meu pai n�o vai embora antes, ele n�o vai embora deixando a gente aqui�, dizia M�nica aos advogados, na manh� de ontem, quando todos fizeram as malas para deixar Bras�lia, ainda sem conseguir assinar o acordo de Marcelo.
�Na manh� foi ruim. Mas � tarde, dado o contexto, foi bom�, comentava um advogado rec�m-chegado das conversas com procuradores aos colegas, no in�cio da noite de anteontem. Nem todos sentam � mesa de negocia��o com o grupo de trabalho do procurador-geral da Rep�blica, Rodrigo Janot. Um dos que encararam negocia��es de madrugada chegou faminto para o caf� da manh� do hotel. �Eu n�o jantei.� Depois explicou: �Se voc� negocia s� um � f�cil. Se voc� negocia 50, cada um tem um caso. �Olha, minha m�e est� doente�, �meu filho � menor de idade�...�, disse ao dar as justificativas dos executivos aos investigadores para terem suas penas reduzidas.
No total, 53 executivos negociam a colabora��o. Anteontem, pelo menos 15 casos teriam sido fechados segundo as conversas dos presentes no �ltimo andar do hotel. Entre eles, o do ex-diretor financeiro da empresa C�sar Ramos Rocha. Com seu acordo fechado e com um envelope pardo com logo oficial em m�os, o executivo se preparava para chegar a um acordo com uma pena de oito meses.
Tempo
Embora estivesse prevista para ontem, a assinatura de todos os acordos ainda deve levar ao menos mais uma semana. H� casos considerados mais simples, como o de Benedicto Barbosa J�nior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, e outros, emperrados. Uma das negocia��es travadas � a de Alexandrino Alencar. Ele foi diretor de Rela��es Institucionais da empresa e vice-presidente da Braskem. Alencar tinha contato direto com l�deres pol�ticos, como o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva, com quem foi flagrado em conversas interceptadas pela Pol�cia Federal. Por isso, � pressionado a entregar mais informa��es.
As conversas refletem a quantidade de advogados atuantes na negocia��o, vindos de bancas criminalistas de S�o Paulo, Rio, Paran�, Bras�lia e do corpo jur�dico da pr�pria empreiteira, que tem sede na Bahia. Apesar da diversidade de advogados, o objetivo � um s� e transparece na frase mais ouvida nas conversas travadas na cobertura do Windsor Plaza: �Virar a p�gina da empresa�. Para isso, Em�lio negocia, advogados estendem reuni�es na Procuradoria-Geral da Rep�blica e a irm� de Marcelo pede a uma das integrantes da equipe: �N�o vamos desistir agora�