
S�o Paulo — Na parede, o rel�gio da marca centen�ria alem� Junghans indica, com som alto e grave, o in�cio da conversa. �s 16h, conforme o combinado, Fernando Henrique Cardoso, de 85 anos, come�a a responder �s perguntas da reportagem do Estado de Minas. A pontualidade do ex-presidente combina com a organiza��o da ampla sala, onde nada parece estar fora do lugar, dos pap�is �s balinhas cuidadosamente colocadas no pequeno pote de vidro. A arruma��o da sala e do personagem contrasta com a entrevista que se seguiu sobre o turbilh�o da atual pol�tica nacional. “O Brasil passa por uma tremenda crise fiscal. Olha que eu peguei pepinos grandes, mas desse tamanho nunca vi. E o governo Temer j� tem definido o seu caminho, mas as pessoas n�o sabem. Tem de explicar, falar”, disse Fernando Henrique na ter�a-feira, num dos escrit�rios de um edif�cio de 110m de altura no Vale do Anhangaba�, no decadente centro da capital paulista. Ao longo de 90 minutos, ali, na sede do instituto que leva o seu nome e ocupa dois dos 30 andares do pr�dio modernista dos anos 1940, o soci�logo falou sobre temas como a situa��o econ�mica do pa�s, o governo Temer e o impacto do resultado das urnas no primeiro turno sobre o futuro do PT e do PSDB.
Qual a rela��o da queda do PT e o primeiro turno?
Quem poderia imaginar h� oito meses a cat�strofe que houve aqui em S�o Paulo para o PT? Sempre fui cauteloso com o impeachment, at� mesmo com o Collor. Naquela �poca, t�nhamos medo da volta ao passado. No in�cio, tira uma pessoa que foi votada e coloca outra que tamb�m foi votada, mas com quem a popula��o n�o tem tanta liga��o. N�o � t�o simples. O que aconteceu foi que o governo Dilma parou de governar, assim como o do Collor. Dilma perdeu maioria no Congresso, apoio da popula��o. O impeachment � o resultado, n�o o ponto de partida, o melhor � que n�o haja tal resultado. Mas fazer o qu�? O governo parou, virou a p�gina e eles n�o perceberam. Nunca vi uma paralisia econ�mica por tanto tempo no Brasil, uma falta de esperan�a t�o grande. E isso obviamente produz efeitos, juntando isso com a paralisa��o das institui��es, com a crise moral. Isso quer dizer que voc� vai ter garantia do que vai acontecer depois? N�o. Defino o governo atual como uma pinguela, que � algo prec�rio e pequeno, mas, se ela quebrar, voc� cai no rio e � melhor ir para o outro lado. O outro lado � a elei��o de 2018. Para chegar l�, � necess�rio que esse governo avance.
Como?
A popula��o n�o tem expectativa, s� quer que melhorem as coisas. O governo tem condi��o? Tem. Porque ele � fruto do Congresso. A experi�ncia do Temer � muito grande, ele foi presidente da C�mara tr�s vezes e presidente do PMDB. A minha preocupa��o maior �: ser� que o governo vai ter capacidade de definir o caminho da economia? E acredito que eles est�o come�ando a definir caminhos.
O governo Temer come�ou?
Acho que sim. O que o Brasil tem de imediato? Uma tremenda crise fiscal, como nunca se viu. Olha que eu peguei pepinos grandes, mas deste tamanho eu nunca vi. E o governo Temer j� tem definido o seu caminho, mas as pessoas n�o sabem. Tem de explicar, falar. O endividamento interno � muito grande, mais ou menos R$ 4,5 trilh�es, est� bem isso � 70% do PIB. Outros pa�ses t�m muito mais alto, mas a taxa de juros aqui � de 14%. Segundo, como a economia parou de crescer, n�o tem arrecada��o, tem despesas fixas, pessoal, compromissos e isso tudo cria um problema terr�vel. Mas acho que o governo est� dando algum sinal, mas temos que tomar medidas dr�sticas e impopulares.
Estamos na situa��o do pr�-Real?
Temos uma diferen�a do Plano Real. Temos que dar flexibilidade ao gasto p�blico, por isso teve que parar a obrigatoriedade de certos gastos. Naquela �poca, o que afligia de forma mais dram�tica a popula��o era o custo de vida, a infla��o. Colocando em ordem o mecanismo fiscal e tendo capacidade de conduzir o processo econ�mico, barra a infla��o. Foi o que fizemos, o b�nus � imediato. Agora n�o, agora voc� ter� de reconstruir penosamente um mecanismo fiscal, n�o � a infla��o que est� atormentando as pessoas, � o desemprego. N�o bastar� segurar o gasto p�blico, que � a PEC do Teto. Vai precisar de investimento. Mas eu acho que vai haver alguma possibilidade para o governo, porque ele percebeu que ter� de dar sinais fortes nessas dire��es, ent�o vai ter que preparar duas ou tr�s medidas que tenham essa virtude. Primeiro, a PEC do Teto, nem discutirei se � bom ou mal, se tem um sinal mostra que tem um governo e que ele controla o Congresso. Segundo, v�o ter que mexer na Previd�ncia, porque o d�ficit � gigantesco.
Mas j� h� a volta da confian�a?
Esse � o ponto. Tem que retomar a confian�a, qual � a nossa base? Primeiro, agricultura e min�rio. Nossa agricultura � boa, competente, de alta produtividade, com capacidade empresarial e tem mercado. Min�rio tamb�m tem mercado. Se tivermos sorte e os pre�os das commodities n�o afundarem, incluindo o petr�leo e a cana, teremos al�vio. Segundo, voc� tem uma extrema car�ncia na parte de infraestrutura e o governo est� desenhando um programa de infraestrutura em parcerias. O que eu acho que precisa mais, falar com as pessoas, mostrar a cada um o que vai ser feito, qual � o horizonte.
Mas a imagem do governo � de recuos, n�o?
Por isso � importante observar o que vai acontecer agora com as vota��es dessas quest�es. Se passar, a PEC do Teto vai dar um sinal de que o governo est� corrigindo. Mas precisa explicar. Quando fui ministro da Fazenda, eu falava o tempo todo. Todo dia eu dava entrevistas: televis�o, r�dio e jornal. Ia para o Congresso, falava com as bancadas e sindicatos.
Regredimos economicamente?
Estamos em um momento que d� para engatar de novo. Voc� tem que defender os interesses do Brasil neste plano. O Lula, em um primeiro momento, fez isso tamb�m. O que arrebentou tudo? Foi a nova matriz econ�mica, porque eles acharam que aqui o Estado pode fazer tudo: aumenta o consumo aumentando cr�dito. E a� estourou. N�o entenderam que, no mundo de hoje, n�o � gerar infla��o, voc� desorganiza tudo.
Mas ele vai ter legitimidade em rela��o a isso?
Vai precisar de resultado. O Itamar tamb�m tinha esse problema da legitimidade. Naquele tempo que viemos para S�o Paulo era complicado, muita greve, muito protesto, n�o era f�cil, n�o. Voc� vai ter que ter resultados, tem que ter sinais e o resultado, em parte, voc� antecipa com a palavra. � isso.
A vit�ria de Jo�o Doria e o fortalecimento de Geraldo Alckmin em S�o Paulo antecipam a divis�o do PSDB para 2018?
Os pol�ticos sempre antecipam o tempo. O PSDB teve uma vit�ria ampla e forte. N�o s� em S�o Paulo, mas em S�o Paulo foi a mais marcante.
Em S�o Paulo, a vit�ria para parte do PSDB foi constrangida...
Mas houve uma vit�ria ampla. � natural que as pessoas comecem a pensar que j� ganharam. Mas eu acho que a rela��o entre elei��o municipal e presidencial � relativa. Ela fortalece politicamente alguns l�deres, mas voc� tem muito tempo. As elei��es municipais servem de fundamento para elei��o no Congresso. Prefeitos s�o grandes eleitores, ent�o quando voc� vai bem na elei��o municipal provavelmente voc� ter� uma boa vota��o no Congresso. No que diz respeito �s elei��es presidenciais, isso � uma conversa mais direta entre o candidato e o eleitorado.
O senhor acha que tem sa�da para o PT?
Dos nossos partidos, o que era mais partido era o PT, mais organizado e tal. Mas de lideran�a, o problema do PT � que ele sofreu um baque. O PT volta a ser o que era o PT no come�o, quando o Lula n�o tinha tanta for�a.
O senhor acha que Lula tem chance de voltar � Presid�ncia?
N�o, n�o creio.
O PT acabou?
N�o. Nem acho bom que acabe. O PT tem um certo enraizamento nos movimentos sociais, mas principalmente na burocracia e no professorado. Vai encolher, mas eu n�o acho bom que acabe. O certo � o partido fazer uma revis�o. O maior problema do PT � a ideia de hegemonia, pois torna o partido n�o democr�tico. Eles acomodavam os partidos que eram seus aliados ao seu interesse principal, que era mandar. Vejo o que tem acontecido na pol�tica brasileira, da d�cada de 1990 em diante. Tivemos s� dois partidos que foram capazes de expressar uma vis�o de Brasil, simbolicamente, o PT e o PSDB.
A pris�o do Lula seria ruim para o pa�s?
N�o quero falar disso. Acho que o Lula fez tanta coisa contra ele mesmo, n�o sei o que ele fez, espero que n�o chegue a tal ponto, mas eu n�o sou juiz. O juiz tem limite, o fato. N�o conhe�o os fatos e nem quero conhecer, prefiro n�o saber. � claro que � ruim para o pa�s, voc� ter algu�m que � um l�der ter um momento de tanta ang�stia. N�o sou desse est�mulo, n�o gosto de espezinhar.