
Amigo pr�ximo do ex-ministro das Rela��es Exteriores Jos� Serra, o economista e diplomata de carreira Rubens Ricupero se surpreendeu com a sa�da repentina do Itamaraty, mas, em conversa com o Estado de Minas, fez quest�o de ressaltar que o problema de coluna � real e causa muito sofrimento ao colega. Para ocupar o lugar de Serra, Ricupero n�o consegue imaginar pessoa melhor que o embaixador do Brasil em Washington (EUA), S�rgio Amaral, um dos nomes cotados pelo presidente Michel Temer. Entretanto, com o argumento de unificar a base, a possibilidade de Temer fazer uma escolha pol�tica � maior, e, quanto a isso, o atual diretor da Faculdade de Economia da Funda��o Armando Alvares Penteado (FAAP-SP) � bem cr�tico. “O Itamaraty n�o pesa nada no jogo interno. N�o tem cargos, n�o tem obras, n�o tem verbas e essas coisas � que s�o a moeda para pesar na composi��o interna do governo”, afirma. “O problema n�o � voc� ser pol�tico ou diplomata de carreira, o problema � a qualidade pessoal. Onde voc� vai encontrar um pol�tico militante que fale l�nguas e conhe�a a vida internacional?”, acrescenta. Aos quase 80 anos, que ser�o completados na quarta-feira, e com a experi�ncia de ter sido ministro de Estado por duas vezes, al�m de ex-secret�rio geral da Confer�ncia das Na��es Unidas para o Com�rcio e Desenvolvimento (Unctad), Ricupero n�o se mostra otimista com o futuro. Na opini�o do embaixador, as reformas econ�micas que est�o sendo postas s�o importantes, mas a verdadeira e essencial reforma � a pol�tica, para que se mude todo o sistema. “� uma crise que n�o � mais aguda, � cr�nica. � como aqueles doentes que a medicina consegue evitar que morram, mas nem consegue curar nem dar uma qualidade de vida razo�vel. Essa � a nossa situa��o.”
Como foi a sa�da de Jos� Serra do Itamaraty?
N�o sabia que ele ia sair t�o cedo, mas eu o conhe�o bem. Estive com ele antes e depois da opera��o. O problema de sa�de na coluna � verdadeiro e ele sente muita dor. Para ele, essas viagens longas s�o muito sacrificantes.
Mas o que � exatamente?
N�o sei detalhes, mas estive com ele depois que foi operado e sei que ele sofre bastante. Talvez a sa�da do cargo tenha a ver com um conselho m�dico. Esse tipo de posi��o exige pessoas que estejam com muito boa sa�de e condi��es de viajar. � muito pesado. Quando as pessoas pensam em viagem, pensam como turista, mas essas viagens n�o t�m nada de agrad�vel. O sujeito tem de ter condi��es de suportar.
Um dos nomes cotados � o do embaixador S�rgio Amaral, que est� com 72 anos. Ele tem essa condi��o?
O S�rgio, no passado, foi operado, mas est� bem. Estive com ele h� umas tr�s semanas, quando ele esteve de f�rias no Brasil. O S�rgio tem uma vantagem muito grande que, al�m de ser um diplomata de carreira, tem experi�ncia pol�tica. Foi ministro duas vezes com o Fernando Henrique. E comigo foi meu segundo no Minist�rio do Meio Ambiente e na Fazenda. Ele tem experi�ncia e uma vantagem muito grande: conhece os problemas econ�micos. � muito forte nessa �rea econ�mica e comercial.
Fala-se em colocar um pol�tico puro, que ajude na composi��o da base do governo. Como v� essa possibilidade?
Primeiro, ajudando a base do governo, eu nunca vi na hist�ria das rela��es internacionais. O Brasil teve muitos pol�ticos no Minist�rio das Rela��es Exteriores, mas que se dedicaram integralmente � pol�tica externa. Eu fui oficial de gabinete do Afonso Arinos e do Santiago Dantas, ambos deputados, mas eram homens que se dedicavam plenamente � diplomacia. Essa � uma balela sem nenhum fundamento. O Itamaraty n�o pesa nada no jogo interno. N�o tem cargos, n�o tem obras, n�o tem verbas e essas coisas � que s�o a moeda para pesar na composi��o interna do governo. Voc� pode ter muitos motivos para querer um pol�tico no Itamaraty, menos esse.
Mas h� pol�ticos que foram bons ministros.
Claro, por exemplo, � dif�cil encontrar na hist�ria da diplomacia um ministro que tenha chegado perto da qualidade do Santiago Dantas. Era um grande intelectual, um homem que tinha conhecimento do mundo, da hist�ria, das rela��es internacionais. Se voc� olhar a vida p�blica brasileira, � muito dif�cil encontrar um pol�tico que preencha essas condi��es. A maioria dos pol�ticos brasileiros s� fala portugu�s, n�o fala nem espanhol. Um chanceler que n�o fala ingl�s, n�o vou dizer que n�o pode ser ministro, mas � um inconveniente enorme porque tem que usar int�rprete o tempo todo. Existem alguns pol�ticos que t�m conhecimento das rela��es internacionais, mas n�o s�o muitos. Em geral, � uma vergonha, a maioria n�o tem nem ideia. O problema n�o � voc� ser pol�tico ou diplomata de carreira, o problema � a qualidade pessoal. Onde voc� vai encontrar um pol�tico militante que fale l�nguas e que conhe�a a vida internacional? Que conhe�a os problemas internacionais de hoje? Porque, se n�o tiver isso, vai dar vexame.
E houve pol�ticos maus ministros?
O Juracy Magalh�es, que foi o segundo ministro do Castelo Branco, tem aquela famosa frase “O que � bom para os Estados Unidos � bom para o Brasil”. Ele fez essa frase porque, como pol�tico, deixava-se levar pelo eleitorado, que era o pessoal militar. Ele dizia as coisas por inclina��o ideol�gica. Um diplomata profissional jamais faria isso. A maioria desses pol�ticos que passaram, por exemplo, o Magalh�es Pinto ou o Abreu Sodr�, foram personalidades que voc� n�o � capaz de dizer uma coisa que eles tenham feito porque n�o deixaram nenhum tipo de heran�a. Justamente por isso: se um pol�tico n�o tem um conhecimento da realidade internacional, ele tem que comer na m�o dos outros. � uma pessoa que est� l�, mas n�o acrescenta nada. Em um momento cr�tico das rela��es internacionais como hoje, com esse problema do (Donald) Trump sobre a Am�rica Latina, � preciso ter algu�m que tenha um conhecimento bem agudo desses problemas. Essa � uma das vantagens do S�rgio Amaral. Ele est� l�, em Washington, acompanhando de perto.
E como o novo ministro ter� de lidar com Trump?
� prudente aguardar os acontecimentos e procurar construir pontes com o novo secret�rio de Estado, Rex Tillerson. Ele tem uma vantagem, conhece bem o Brasil porque era o principal executivo da ExxonMobil e esteve aqui v�rias vezes. Embora a ExxonMobil tenha decidido n�o investir no pr�-sal, eles conhecem bem a situa��o do petr�leo. O Brasil faria muito bem em trabalhar junto ao Departamento de Estado. E l� tem uma segunda vantagem. Como o secret�rio de Estado n�o conseguiu emplacar o Elliot Abrams, que foi vetado porque tinha criticado o Trump, quem est� respondendo pelo departamento � um excelente conhecido e amigo nosso, Thomas Shannon, que foi embaixador em Bras�lia.
E a economia? Estamos na rota certa?
H� alguns sinais que s�o alentadores. Tenho a impress�o de que a tend�ncia � de que esses sinais, pouco a pouco, v�o se firmando. No plano pol�tico, n�o h� d�vidas de que o presidente tem uma maioria muito grande. Mas h� duas grandes incertezas que s� o tempo vai esclarecer. Uma � o que ainda vem pela frente na Lava-Jato, que � imposs�vel especular. E a segunda incerteza � que as coisas aprovadas no Congresso foram importantes, mas n�o foram as mais dif�ceis. Ainda n�o se aprovou a reforma da Previd�ncia e nem parece que o panorama seja muito f�cil no caso das compensa��es nos estados. � preciso ainda ver se isso vai se consolidar. Nessa altura do mandato, ele parece ter estabilizado um pouco a situa��o. H� poucos dias, houve o problema do Moreira Franco, mas ele superou porque houve uma decis�o favor�vel do Supremo. Epis�dios como esse mostram que a estabilidade � prec�ria. Uma estabilidade quase de cada 24 horas.
O senhor acha que o foro privilegiado tem de acabar?
N�o tenho d�vida. Eu sou muito mais radical que isso. Se n�o houver uma reforma profunda no sistema pol�tico, legisla��o rigorosa que impe�a a prolifera��o de partidos, que impe�a alian�as em elei��es proporcionais para evitar fen�menos como o do Tiririca, legisla��o rigorosa sobre financiamento de campanha, limitando as campanhas no tempo, no tipo de propaganda, limitando o uso da televis�o pelos partidos, do fundo partid�rio, o sistema de vota��o misto do distrito... H� um n�mero enorme de reformas que, se n�o forem feitas, e infelizmente n�o vejo sinal de que elas ser�o, esse sistema vai se arrastar. Vai melhorar um pouco porque ningu�m vive sempre em depress�o econ�mica. Vai haver momentos melhores e piores, mas ser� uma constante montanha-russa. Em algum momento vai haver uma ruptura. S� h� dois ou tr�s cen�rios a longo prazo e digo a longo prazo porque n�o tenho o menor interesse em 2018. A elei��o em 2018 n�o vai resolver nada, seja l� quem for que seja eleito.
Nenhum dos nomes postos?
Seja quem for e, em alguns casos, pode ser muito pior. Pode haver um aventureiro, um demagogo e outras hip�teses piores. Ou o Congresso e as institui��es fazem a autorreforma ou o destino desse sistema ser� o mesmo da Primeira Rep�blica. L�, tivemos uma decad�ncia que durou de 1910 a 1930 e acabou com a Revolu��o de 30 em um momento em que as divis�es da pr�pria classe dirigente dentro do sistema foram t�o graves que abriram oportunidade para algu�m como Get�lio Vargas.
Se a decad�ncia for prolongada, economicamente o preju�zo pode ser muito grande, n�o?
Sim, j� tivemos esses dois anos terr�veis. Estamos perdendo de novo uma nova d�cada e vai haver um empobrecimento crescente. H� pa�ses que est�o assim h� muito tempo. A It�lia e a Argentina est�o assim. De vez em quando voc� tem uma apar�ncia de recupera��o, mas � aquilo que chamo de espasmos de recupera��o entre momentos cr�ticos. � uma crise que n�o � mais aguda, � cr�nica. � como aqueles doentes que a medicina consegue evitar que morram, mas nem consegue curar nem dar uma qualidade de vida razo�vel. Essa � a nossa situa��o. Um sistema que consegue evitar a morte, mas n�o consegue curar a doen�a e nem dar uma qualidade de vida e um dia morre mesmo. Vai demorar e quanto mais tempo demorar, maior ser� a agonia. Esse � o futuro que temos pela frente porque com esse Congresso e essa falta de consci�ncia sobre necessidade de reformas profundas, infelizmente s� h� um caminho. Os pol�ticos pensam que isso � apenas uma ventania e est�o segurando o chap�u pensando que vai passar. Eles v�o perder a cabe�a.
A posi��o de ministro da Fazenda � capaz de mudar alguma coisa?
N�s conseguimos. N�o fui eu, a equipe era estupenda. Trabalhavam comigo o Pedro Malan, Edmar Bacha, o Gustavo Franco, uma grande sele��o. Eu n�o comecei o Plano Real, j� tinha sido iniciado, eu herdei. Mas foi no meu per�odo que lan�amos a moeda e conseguimos acabar com uma hiperinfla��o que durava 30 anos. Claro que n�o fizemos outras coisas, mas t�nhamos que apagar o inc�ndio. Por isso que n�o se pode subestimar a capacidade do governo quando ele tem uma vis�o mais clara de prioridades e, naquela �poca, havia uma vis�o clara. E o Congresso ajudou bastante. O que n�o vejo neste momento � uma vis�o clara.
A sua sa�da do Executivo foi um epis�dio traum�tico. O senhor guarda m�goa?
N�o, eu guardo no sentido de que foi um dia em que eu estava muito empenhado em dar entrevistas para mostrar que a infla��o estava caindo porque, no primeiro m�s, n�o caiu tanto. Lan�amos a moeda em 1º de julho de 1994. A infla��o de julho acabou sendo o dobro do que a equipe imaginava e muita gente achava que o plano tinha fracassado. Quando dei a entrevista era 1º de setembro e j� tinha os dados que mostravam que a infla��o estava caindo muito em agosto. Quando o Carlos Monforte me perguntou se eu n�o achava que a infla��o de julho mostrava que o plano tinha fracassado, eu disse: ‘Sei que n�o porque tenho aqui os dados’. A� ele me disse: ‘Ent�o, por que n�s n�o vamos dar um furo?’ Eu estava esperando o sinal para a �ltima entrevista. Ele disse de novo: ‘Por que n�o damos um furo?’ Eu disse: ‘N�o posso porque existe um compromisso nosso. N�s s� divulgamos um n�mero depois de fechar o m�s e ainda faltam tr�s dias.’ Coisa assim, faltavam n�meros e contas. N�o alteraria nada, mas, enfim, foi quando disse a ele aquela frase infeliz que ‘n�o teria escr�pulos, mas o bom a gente fatura; e o ruim, esconde’. E ningu�m reparou, na verdade, que eu estava escondendo o bom. Quer dizer, as pessoas se fixaram no que eu disse e n�o no que fiz.
Era uma ironia?
Aquela famosa frase de que temos que nos fixar no que eles fazem e n�o no que eles dizem. E, na verdade, foi um erro. Nunca escondi. Pedi desculpas, n�o acusei ningu�m e n�o inventei uma desculpa qualquer. Fui � televis�o, pedi desculpa � Na��o e dentro da hist�ria brasileira voc� n�o encontra muitos exemplos de quem tenha feito isso. N�o s� assumi as responsabilidades como sa� inteiramente da vida p�blica. Seria bom se eles fizessem a mesma coisa, admitissem os pr�prios erros e as responsabilidades. O que melhoraria um pouco a quest�o da vida p�blica no pa�s.
