Bras�lia – Nas elei��es municipais de 2016, quando o financiamento privado de campanha j� estava proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), R$ 184 milh�es em doa��es eleitorais apresentaram ind�cios de irregularidades. � o que mostra levantamento da reportagem a partir de relat�rios do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal de Contas da Uni�o (TCU). As principais suspeitas s�o de que o dinheiro doado tenha origem em desvios do setor p�blico. Os dados revelam ainda que os artif�cios para burlar a fiscaliza��o sofreram transforma��o. As doa��es individuais, repassadas oficialmente, est�o no centro das den�ncias de fraude.
As novas regras eleitorais criadas pela reforma pol�tica entraram em vigor em outubro deste ano na esteira da Lava-Jato. No entanto, o financiamento de campanhas por empresas est� proibido desde 2015, quando o STF entendeu que “os limites fixados pela legisla��o para doa��o de empresas s�o insuficientes para coibir a captura do pol�tico pelo poder econ�mico”. As fraudes encontradas no pleito de 2016 acendem o alerta sobre o que as autoridades podem enfrentar numa elei��o mais abrangente, com cargos que valem at� R$ 70 milh�es. Nas investiga��es em curso, o que mais chama a aten��o � o caso de pessoas de baixa renda que doam altas quantias para pol�ticos. Entre os investigados, h� o caso de um homem que est� inclu�do no Cadastro �nico (Cad�nico), do governo federal. Ele declarou ter renda mensal de R$ 200, mas doou R$ 67 mil para um candidato a prefeito.
Outra manobra identificada foi a de pessoas que receberam recursos p�blicos e doaram quantias relevantes. Geralmente, s�o s�cios de empresas que receberam algum tipo de aporte do governo ou participaram de licita��es com o setor p�blico. Especialistas alertam que os candidatos podem usar a autodoa��o de campanha ou doa��es de pessoas f�sicas para disfar�ar o recebimento de caixa 2.
Por meio de um grande esquema de corrup��o, empres�rios, pol�ticos e funcion�rios p�blicos desviaram cerca de R$ 38 bilh�es dos cofres p�blicos, sendo que a Petrobras foi a principal prejudicada. As investiga��es do Minist�rio P�blico Federal (MPF) apontam que pelo menos R$ 6,4 bilh�es podem ter sido repassados aos pol�ticos por meio de doa��es oficiais nos pleitos de 2010 e 2014. Nas pr�ximas elei��es ser� permitido que um candidato financie at� 100% dos custos de sua pr�pria campanha. Al�m disso, a nova legisla��o permite que pessoas f�sicas fa�am doa��es aos candidatos e partidos.
Um dos maiores desafios para combater a corrup��o � a quantidade de candidatos frente ao prec�rio sistema de fiscaliza��o. O TSE e a Receita Federal ter�o a dif�cil tarefa de fiscalizar mais de 20 mil candidatos, m�dia de cada elei��o, que devem envolver milh�es de pessoas na capta��o de recursos. O cientista pol�tico Lucas de Arag�o, mestre em campanhas eleitorais e governo pela Fordham University, de Nova York, afirma que � preciso investir mais em fiscaliza��o. “Os crimes se reinventam de acordo com as normas. Restringir as doa��es das empresas � importante por causa do momento pol�tico que o Brasil vive. Mas quando se trata de dinheiro, elei��o e pol�tica, sempre vai ter uma porta para fazer caixa 2. Os candidatos podem usar essa possibilidade do autofinanciamento para receber dinheiro ilegal e injetar em suas campanhas, com o disfarce da legalidade. O problema n�o � o sistema pol�tico, mas sim a fiscaliza��o”, afirma.
Al�m da possibilidade de bancar suas pr�prias campanhas, os pol�ticos devem contar ainda com um fundo p�blico bilion�rio, que j� est� aprovado, mas, no entanto, segue sem um valor definido. Em mar�o, o STF aceitou den�ncia contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), acusado de corrup��o passiva e lavagem de dinheiro. O pol�tico teria recebido propina por meio de doa��es oficiais. Essa foi a primeira vez que o STF tornou um parlamentar r�u por suspeita de receber “propina oficial”.
O ministro da Justi�a, Torquato Jardim, anunciou uma s�rie de medidas para combater a corrup��o no pr�ximo ano e disse que a a��o n�o deve ficar apenas nas m�os do Estado: “Nosso direito � do s�culo 19, nossas institui��es de repress�o e preven��o ao crime s�o do s�culo 19. Estamos ainda at� hoje discutindo como e quando o setor privado pode participar das entidades de preven��o e repress�o ao crime”.
MANOBRAS O emaranhado de estrat�gias e a��es para desviar dinheiro dos cofres p�blicos, injetar nas pr�prias campanhas e repassar para os demais associados no crime surpreende at� os especialistas. No �mbito da Lava-Jato, j� foram denunciadas 282 pessoas sem foro privilegiado, entre elas candidatos a cargo p�blicos, pol�ticos que j� cumpriram os mandatos e empres�rios. Al�m disso, 92 pessoas com foro em decorr�ncia do cargo, como ministros, deputados e senadores, foram denunciadas por envolvimento no esquema.
A autoriza��o para que os candidatos financiem a campanha com recursos pr�prios tamb�m pode eliminar da vida pol�tica novos candidatos, que n�o s�o afortunados e concorrem de forma desigual com os demais. Por causa disso, a nova regra � alvo de uma A��o Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que � um dos autores da a��o, critica a nova regra: “O autofinanciamento desequilibra as elei��es por completo. Foi uma brecha na legisla��o que cria o autofinanciamento sem limites. Essa medida ferem o princ�pio de armas.”
“Nem se deveria falar em outros tipos de financiamento. O que est� sendo discutido na verdade � o financiamento dos partidos pol�ticos, que deveriam ser financiados pelos seus militantes”
. Gil Castelo Branco, presidente da ONG Contas Abertas
“Nosso direito � do s�culo 19.
Estamos ainda at� hoje discutindo
se, como e quando o setor privado pode participar das entidades
de preven��o e repress�o ao
crime”
. Torquato Jardim, ministro da Justi�a