Ultimamente, ante a iminente pris�o de Lula, esse � o assunto que praticamente domina o notici�rio, as redes sociais, os encontros de fam�lia e as mais diversas conversas travadas pelos brasileiros.
As opini�es dos r�bulas de plant�o est�o, contudo, impregnadas com paix�es pol�ticas e ideol�gicas e trilham caminhos tortuosos, que, na verdade, passam ao largo de um debate jur�dico t�cnico e s�rio.
A quest�o � realmente complexa, pois envolve princ�pios jur�dicos de ordem constitucional e penal, bem como o senso comum da popula��o, perplexa diante da clara sensa��o de inseguran�a e de impunidade, indefesa diante dos estratosf�ricos �ndices de corru��o, viol�ncia e criminalidade em geral.
N�o se olvida da exist�ncia de entendimentos abalizados, da lavra de juristas de escol, que defendem a impossibilidade da pris�o antes do tr�nsito em julgado.
Baseiam-se, com fervor, no inciso LVII do artigo 5º da Carta Magna que disp�e: “ningu�m ser� considerado culpado at� o tr�nsito em julgado de senten�a penal condenat�ria”.
No entanto, d.m.v., ousamos discordar de tal posicionamento.
� que o dispositivo acima transcrito n�o trata de pris�o e sim da declara��o judicial acerca da culpa, essa sim s� poss�vel ser reconhecida, de forma definitiva, ap�s o “tr�nsito em julgado”, ou seja ap�s esgotados todos os prazos dos recursos poss�veis.
Contra tal argumento, objetam no sentido de que s� se poderia prender algu�m que for considerado culpado, ap�s o tr�nsito em julgado.
Entretanto, ap�s vasculhar todo o texto constitucional nota-se que isso n�o est� previsto em lugar algum da Carta, sendo, d.v., interpreta��o extensiva e subjetiva da norma.
Quisesse a Constitui��o prever tal situa��o, diria: ningu�m ser� preso at� o transito em julgado de senten�a penal condenat�ria.
Ali�s, quando a Carta Magna quis tratar da pris�o e da priva��o da liberdade o fez sem rodeios, de forma direta, clara e espec�fica, como se v� dos incisos LIV, LXI a LXVII, do mesmo artigo 5º.
Assim, n�o se podem tomar as express�es “culpa” e “pris�o” como sin�nimas.
Tal interpreta��o distorcida conduziria, por simples l�gica, � conclus�o de que toda e qualquer pris�o s� seria poss�vel ap�s o tr�nsito em julgado, o que inviabilizaria, por exemplo, a pris�o preventiva e a provis�ria ou tempor�ria, todas de natureza cautelar, que, por �bvio, ocorrem antes do tr�nsito em julgado.
� que nem a pris�o em segunda inst�ncia, nem a preventiva ou provis�ria s�o excepcionadas no inciso LVII, o que, por si s�, mostra ser descabido tomar como absoluto o princ�pio de se exigir o tr�nsito em julgado como condi��o sine qua non (indispens�vel) para a decreta��o de pris�o .
Tal exegese colide, inclusive, com o senso comum.
N�o se pode imaginar ser indispens�vel aguardar o tr�nsito em julgado, por “anos a fio”, para s� ent�o prender algu�m que a prova contundente dos autos revelou ser um man�aco, o chef�o do tr�fico, um serial killer, um terrorista, ou algu�m que adentra a uma escola, shopping ou cinema e mata sem piedade dezenas de pessoas.
Ao contr�rio, longe de exigir tr�nsito em julgado, a Carta Magna, quando trata especificamente de pris�o (inciso LXI do mesmo art. 5º), apenas prev� que ela deve decorrer de “flagrante delito” ou de “ordem escrita e fundamentada de autoridade judici�ria competente” , n�o limitando sequer o grau de jurisdi��o.
N�o se trata, ademais, como muitas vezes se prega, de direito universal ou intang�vel.
Ao contr�rio, nas principais democracias do mundo a pris�o pode ocorrer em primeiro ou segundo grau, como por exemplo na Inglaterra, Estados Unidos, Canad�, Alemanha, Fran�a e Espanha.
Nesse mesmo sentido, h� longas d�cadas, nosso Judici�rio e o Supremo Tribunal Federal v�m entendendo ser poss�vel a pris�o ap�s o 2º grau, antes, portanto, do tr�nsito em julgado, como se v� do ac�rd�o prolatado � unanimidade no Habeas Corpus nº 68.726/DF (DJ de 20/11/1992).
Ali�s, sob o prisma hist�rico, somente em curt�ssimo per�odo, entre 2010 a 2016, cogitou-se do contr�rio, retornando, no entanto a Suprema Corte, em 2016, ao entendimento anterior proclamado pelo Pleno do STF, nas ADC nº 43 e 44, em decis�o de repercuss�o geral, que vincula todos os ju�zes e tribunais inferiores, tal como, na semana passada , decidiu o STJ � unanimidade (5 x 0), no julgamento do habeas corpus impetrado por Lula.
Nesse exato sentido, o ministro Edson Fachin, em um dos emblem�ticos julgamentos sobre o tema, asseverou: “em 21 anos dos 28 que hoje completa a Constitui��o, vigorou essa compreens�o”.
E se analisarmos o per�odo anterior � Constitui��o em vigor chegaremos a id�ntico resultado, pois vigia, � �poca, o princ�pio insculpido no art. 594, do C�digo de Processo Penal, que, desde 13/10/1941 determinava o recolhimento do r�u � pris�o como condi��o para interposi��o de recurso.
A l�gica da pris�o ap�s o 2º grau � simples, pois, como o exame dos fatos e das provas esgota-se nessa inst�ncia, � bastante improv�vel a absolvi��o do r�u.
Pesquisa realizada h� poucos meses, pela Coordenadoria de Gest�o da Informa��o do STJ, revela que em apenas 0,62% dos recursos interpostos houve reforma da decis�o de segunda inst�ncia para absolver o r�u.
Assim, sopesando-se os princ�pios de direito, a balan�a, que no in�cio do feito pende em prol do acusado, ante o princ�pio in dubio pro reo, passa a pesar em prol da sociedade, evitando-se a eterniza��o dos processos, dos recursos e a certeza da impunidade, que retroalimenta a criminalidade avassaladora, que assola nosso combalido Brasil.
Pode-se objetar com o argumento de que, ainda assim, h� risco de pris�o de um inocente.
Realmente ele existe j� que a Justi�a � imperfeita e fal�vel.
Contudo, novamente a l�gica volta-se contra o pr�prio argumento ao lembrarmos que tal risco decorre de todo e qualquer tipo de pris�o, seja ela preventiva, provis�ria, ou mesmo a definitiva ap�s o tr�nsito em julgado.
A m�dia noticia, contudo, a press�o que vem sofrendo a Suprema Corte no sentido rever seu entendimento, agora para somente permitir a pris�o ap�s decis�o do STJ.
Se isso realmente ocorrer, mais uma vez a l�gica ser� sacrificada, d.m.v. .
Ora, contra decis�o do STJ tamb�m � poss�vel interpor recurso para o STF (art. 102, III da CF/88) e, com isso, continuaria a ser admitida pelo Supremo a pris�o antes do tr�nsito em julgado.
De tal fato resulta, inexoravelmente, a conclus�o l�gica de que o inciso LVII do artigo 5º da CF/88 n�o possui a exegese que pretendem lhe emprestar, j� que igualmente permitiria a pris�o antes do tr�nsito em julgado.
Ent�o, se a pris�o em 2º grau n�o fere inciso LVII do artigo 5º da CF/88, por que “cargas d’�gua” estaria o Supremo a decidir sobre a quaestio se, pelo mesmo art. 102 da pr�pria Carta Magna, s� lhe � poss�vel decidir acerca de quest�o que ofenda diretamente a Constitui��o Federal?
Com a palavra a Suprema Corte.
* Jo�o Batista Pacheco Antunes de Carvalho � advogado e professor de Direito
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OPINI�O
A pris�o antes do fim do processo e a constitui��o
N�o se pode imaginar ser indispens�vel aguardar o tr�nsito em julgado, por "anos a fio", para s� ent�o prender algu�m que a prova contundente dos autos revelou ser um man�aco, o chef�o do tr�fico, um serial killer (...)
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