
Alvo de ataques incessantes do PT por mais de duas d�cadas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse, em entrevista ao Estado, que n�o aceita "coa��o moral" dos que agora buscam seu apoio. "Quando voc� v� o que foi dito a respeito do meu governo, nada � bom. Tudo que fizeram � bom. Quem inventou o n�s e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda." Segundo ele, "agora o PT cobra... diz que tem de (apoiar Haddad). Por que tem de apoiar automaticamente? Quando automaticamente o PT apoiou algu�m? S� na vice-versa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou � de direita? Cres�am e apare�am. A hist�ria j� est� dada, a minha." E desabafou: "Agora � o momento de coa��o moral... Ah, v� para o inferno. N�o preciso ser coagido moralmente por ningu�m. N�o estou vendendo a alma ao diabo". Apesar disso, ele diz que "h� uma porta" com Fernando Haddad (PT), mas com o "outro (Jair Bolsonaro, PSL)", n�o.
Como sr. v� o futuro do PSDB e avalia essa onda conservadora?
O PSDB, se quiser ter futuro, precisa se repensar. Depois de um terremoto, precisa reconstruir a casa. A onda conservadora � mundial.
O PSDB tem mais identidade com quem neste segundo turno?
Pelo que eu vi das pesquisas, � quase meio a meio do ponto de vista do eleitorado. Em seis Estados, o PSDB ainda disputa elei��o para governador. Os candidatos ficam olhando o eleitorado. Do meu ponto de vista pessoal, o Bolsonaro representa tudo que n�o gosto. S� ouvi a voz do Bolsonaro agora. Nunca tinha ouvido. N�o creio que seja por influ�ncia do que ele diz ou pensa que votam nele. O voto � anti-PT. O eleitorado parece estar contra o PT. No olhar de uma boa parte dele, o PT � respons�vel pelo que aconteceu no Brasil, na economia, cumplicidade com a corrup��o e etc. � poss�vel que a maioria dos l�deres do PSDB seja pr�-Bolsonaro, mas n�o � o meu caso.
O sr. tem mais identidade com o Haddad?
N�o posso dizer isso. Como pessoa � uma coisa, como partido � outra. A proposta que o PT representa n�o mudou nada. Quando fala em economia, � a nova matriz econ�mica. Incentivar o consumo? Tudo bem, mas como se faz isso sem investimento? Como se faz sem enfrentar a quest�o fiscal? O PT no poder sempre teve uma deteriora��o da vis�o do (Antonio) Gramsci da hegemonia. Aqui n�o � cultural, � hegemonia do comando efetivo. Quando voc� v� o que foi dito a respeito do meu governo, nada � bom. Tudo que fizeram � bom. Quem inventou o n�s e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda. Agora o PT cobra... diz que tem de (apoiar). Por que tem de automaticamente apoiar? � discut�vel. (O PT) N�o faz autocr�tica nenhuma. As coisas que eles dizem a respeito do meu governo n�o correspondem �s coisas que acho que fiz. Por que tenho que, para evitar o mal maior, apoiar o PT? Acho que temos de evitar o mal maior defendendo democracia, direitos humanos, liberdade, contra o racismo o tempo todo.
Nas encruzilhadas hist�ricas, PSDB e PT se uniram. No caso de 2018 � diferente?
N�o fa�o parte da dire��o do PSDB, que decidiu pela neutralidade. Cada um pode fazer o que quiser. Pol�tica n�o � boa inten��o. Uma coisa � a minha aprecia��o como pessoa sobre outra pessoa. Isso n�o � pol�tica. Se vamos estar juntos, tem que discutir completamente. Nunca houve isso.
O PT n�o est� colaborando para essa aproxima��o?
De forma alguma. O PT tem uma vis�o hegem�nica e prepotente. Isso n�o � democracia. Democracia implica em abrir o jogo e aceitar a diversidade.
J� houve algum di�logo do PT com o senhor?
N�o. Tenho rela��es pessoais e cordiais com o candidato Haddad, mas o que est� em jogo � o que ser� feito com o Brasil. Minha preocupa��o n�o � comigo ou o PSDB, mas com o Brasil. Qual � a linha? Est�o pensando que estamos nos anos 60 e 70 ou ter� uma linha contempor�nea? A� n�o d�...
Se o PT fizesse autocr�tica, seria poss�vel apoiar Haddad?
Seria bom, mas o PT est� propondo coisas invi�veis.
O sr. vai declarar seu voto?
Quero ouvir primeiro. N�o sei o que v�o fazer com o Brasil. O Bolsonaro pelas raz�es pol�ticas est� exclu�do. O outro eu quero ver o que vai dizer.
H� porta aberta para Haddad?
Eu n�o diria aberta, mas h� uma porta. O outro n�o tem porta. Um tem um muro, o outro uma porta. Figura por figura, eu me dou com Haddad. Nunca vi o Bolsonaro.
Haddad � diferente do PT?
N�o adianta ser diferente. Haddad � a express�o do Lula. Ele usou uma m�scara do Lula. Agora tirou e colocou uma bandeira verde e amarela.
Marconi Perillo foi preso. Antes foi o Beto Richa. O PSDB caiu na vala comum?
Voc� nunca ouviu de mim acusa��o contra o PT. O papel de acusar � da pol�cia; de julgar � da Justi�a. � importante que as investiga��es prossigam. Voc� nunca ouviu uma palavra minha de defesa s� porque � do PSDB. Quero que tenha direito de defesa.
O sr. conversou com Luciano Huck, que desistiu de concorrer. Se o PSDB tivesse lan�ado outro nome, talvez um outsider, a hist�ria seria diferente?
� dif�cil avaliar o que aconteceria com um candidato outsider. Sou amigo do Luciano Huck. � pessoa interessante, mas n�o sei o quanto tem habilidade para manejar os problemas do Estado. Espero que n�o desista. Nas circunst�ncias atuais, dificilmente um candidato do PSDB, fosse quem fosse, estaria isento de sofrer as consequ�ncias do terremoto. Estamos assistindo a um terremoto. N�o creio que seja o caso de culpar A, B ou C. Na situa��o que vivemos, voc� vai precisar de lideran�a forte, o que n�o significa autorit�ria. O governador de S�o Paulo tinha experi�ncia e � uma pessoa correta, mas n�o teve apoio. Tentei juntar o centro antes. Ningu�m quis. N�o adianta ter ideia. Ideia � bom na universidade. Tem que ter capacidade de convencer. Agora, est�o me cobrando: tem que fazer isso, aquilo. Tem carta, intelectual da Europa, dos EUA, amigos meus me pedem isso... Eles n�o conhecem o processo hist�rico. Nessas horas, a palavra de algu�m some no ar. Cobram de mim para tomar posi��es. Mas eu digo: Por qu�? Qual � a consequ�ncia?
Para a hist�ria, talvez?
Eu j� fiz a minha hist�ria. Todo mundo sabe o que eu penso. N�o preciso provar que sou democr�tico. Eu sou! O PSDB sabe o que eu penso. Todo mundo sabe. Algu�m pode imaginar que eu vou sair por a� apoiando o Bolsonaro? Nunca.
Mas isso n�o significa que o sr. apoia Haddad?
Quando automaticamente o PT apoiou algu�m? S� na vice-versa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou � de direita? Cres�am e apare�am. A hist�ria j� est� dada, a minha. N�o vou no embalo. N�o me venham pedir posi��o abstratamente moral. Pol�tica n�o � uma quest�o de boa vontade, � uma quest�o de poder. E poder depende de instrumentos e compromissos efetivos. Agora � o momento de coa��o moral... Ah, v� para o inferno. N�o preciso ser coagido moralmente por ningu�m. N�o estou vendendo a alma ao diabo.
A esquerda diz que o Bolsonaro representa o fascismo.
O autoritarismo, concordo, o fascismo, n�o, porque � um movimento espec�fico de apoio popular e com ideias espec�ficas de Estado corporativo, tinha uma filosofia por tr�s. N�o sei se ele (Bolsonaro) tem alguma filosofia por tr�s. Ele tem uma vontade de mandar. N�o sei o que ele �. O que prop�s como parlamentar foi corporativismo. Agora vai ser liberal? Pode ser. As pessoas mudam. Mas n�o mostrou nada.
O PSDB amargou o pior desempenho eleitoral de sua hist�ria. O que houve com o partido?
Houve um terremoto. Nele, h� escombros de muitos partidos. O que ganhou na C�mara em maior n�mero � o PSL. As pessoas n�o sabem o que significa PSL. Elegeram 52 deputados, 11% da C�mara. � a fragmenta��o, um problema estrutural. Como levar adiante isso? Querendo ou n�o, vai ser preciso agrupar for�as. Mas ao redor do qu�? Qual a proposta para o Brasil? Os candidatos n�o falam.
O senador Tasso Jereissati criticou a decis�o do PSDB de contestar o resultado da elei��o de 2014 e de entrar no governo Temer. O que o sr. acha?
Em geral, concordo. Mas o caso da entrada no governo Temer � uma quest�o mais complicada. Fomos a favor do impeachment. Fui dos mais reticentes - e a todos os impeachments, mesmo do Collor. � traum�tico. � um processo que abala. Mas n�o acho que o PSDB tenha sido incoerente nisso. Quanto ao resto, ele tem raz�o.
Jo�o Doria e Alckmin tiveram um momento tenso. Alckmin disse n�o ser traidor, em refer�ncia a Doria. Como o sr. avalia?
Tenho certeza que Geraldo n�o � traidor. N�o � do estilo dele. A elei��o n�o est� resolvida. O Doria ainda tem de disputar para saber qual ser� o grau de proje��o dele. N�o estou de acordo em apoiar o Bolsonaro. N�o corresponde � minha hist�ria e ao meu sentimento. N�o s�o os militares voltando ao poder, mas o povo abrindo espa�o para a possibilidade de uma presen�a militar mais ativa. Os militares entenderam a fun��o deles na Constitui��o. Neste momento � muito importante defender o que est� na Constitui��o. N�o estamos mais na Guerra Fria. As pessoas olham para o que est� acontecendo no Brasil como se fosse 1964 e 1968. Havia Guerra Fria e capitalismo contra comunismo. N�o � essa a situa��o que vivemos. Temos de resistir a qualquer tentativa de ferir os direitos fundamentais assegurados na Constitui��o. O PSDB n�o deve abrir m�o da defesa da democracia.
E sobre a guinada liberal no PSDB que Doria defende?
Essa � uma quest�o do s�culo 18. Estamos no s�culo 21. Hoje voc� n�o tem mais a possibilidade de imaginar mercado sem regulamenta��o. Fake news? Tem que regulamentar. Voc� n�o pode pensar que o Estado vai substituir a iniciativa privada. Ningu�m prop�e controle social dos meios de produ��o. No passado, era isso que definia esquerda e direita. Liberal quer dizer o qu�? � um falso problema.
O sr. disse quando era senador que a extin��o do PSDB podia ser parte da solu��o para mudar o sistema partid�rio.
O sistema partid�rio e eleitoral que montamos a partir da Constitui��o de 1988 se exauriu. A prova � a fragmenta��o partid�ria. N�s temos mais de 20 partidos no Congresso, mas n�o h� 20 posi��es ideol�gicas. Os partidos viraram quase corpora��es. S�o grupos de parlamentares que se organizam e obt�m o Fundo Partid�rio e tempo de TV. Estamos assistindo � explos�o desse sistema. Portanto, acredito que sim, ser� preciso repensar essa estrutura.
Pode-se deduzir que do PSDB poder� nascer um novo partido?
Eu n�o diria o PSDB, mas � preciso mudar as regras partid�rias. Voc� n�o faz partido porque gosta. Quais ser�o as ideia-for�a capazes de reagrupar partidos? N�o � quest�o puramente legal, mas de existirem ideias e l�deres que debatam essas ideias. Os partidos perderam o sentido origin�rio.