
Bras�lia – Manancial do poder por uma d�cada, o Ato Institucional nº 5, conhecido como AI-5, deu ao presidente da Rep�blica o direito de tocar os rumos do pa�s como quisesse, sem ser questionado, inclusive judicialmente. O decreto completa, na quinta-feira, 50 anos. Assinado em uma sexta-feira, 13, o documento de oito p�ginas iniciou e validou o per�odo mais antidemocr�tico da hist�ria pol�tica do Brasil. Para antrop�logos e historiadores, a possibilidade da repeti��o de um per�odo igual n�o encontra converg�ncia.
Empregado contra qualquer forma de oposi��o, o AI-5 funcionava como mecanismo de intimida��o pelo medo, com arcabou�o jur�dico. A ferramenta recrudesceu a censura e atingiu filmes, pe�as, livros, jornais e can��es. Em nome da seguran�a nacional, o Congresso Nacional e as assembleias legislativas foram colocados em recesso. Os 12 artigos, 10 par�grafos e sete itens do documento davam ao presidente, � �poca o general Costa e Silva, poderes para cassar mandatos eletivos, suspender direitos pol�ticos, demitir ou aposentar ju�zes e outros funcion�rios p�blicos, suspender habeas corpus em crimes contra a seguran�a nacional, legislar por decreto e julgar crimes pol�ticos em tribunais militares.
�s 22h de 13 de dezembro de 1968, o ent�o ministro da Justi�a Lu�s Ant�nio da Gama e Silva fez pronunciamento de menos de cinco minutos em rede nacional no Pal�cio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Ap�s sua fala, todo o texto do decreto foi lido pelo locutor oficial do governo, Alberto Curi. Anos depois, ele revelou o peso daquela participa��o. “Quando terminei de ler, tive a sensa��o de que o teto desabou na minha cabe�a”, contou, durante a redemocratiza��o do Brasil, em 1985.
Observadores do per�odo analisam que as consequ�ncias do AI-5 foram piores do que estava descrito no documento. Tortura, assassinatos e sequestros centralizam as cr�ticas. Al�m disso, o cerceamento das oposi��es, com persegui��o a lideran�as pol�ticas, sindicais e de movimentos sociais, como os estudantis. Na capital federal, professores e alunos da Universidade de Bras�lia foram perseguidos, demitidos e presos.
“Coisas pavorosas, cenas indescrit�veis”, conta quem vivenciou o per�odo. Em depoimento � Comiss�o da Verdade da UnB, o ex-estudante de administra��o p�blica Paulo Speller, de 69 anos, lembrou os 14 meses do c�rcere. Ele sentiu o agravamento do regime militar. “Na madrugada da edi��o do AI-5, come�aram a chegar os primeiros prisioneiros. A pris�o se transformou em centro de tortura. Ouv�amos as sess�es de viol�ncia. V�amos as v�timas sendo colocadas de volta nas celas”, detalhou, em julho de 2013. Hoje, ele � professor universit�rio e secret�rio-geral da Organiza��o dos Estados Ibero-Americanos para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura.
Na avalia��o do fil�sofo Roberto Romano, professor de �tica e pol�tica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o AI-5 veio como chancela de seguran�a ao governo. “A censura n�o estava funcionando como eles queriam, por exemplo. O Estado se achava no direito de definir os limites de liberdade. As pessoas deveriam provar ao Estado que n�o eram culpadas. � uma invers�o dos valores do Estado democr�tico de direito”, acrescenta. “Temos uma mem�ria jur�dica autorit�ria no Brasil que teve seu �pice na d�cada 1930”, observa.
O passado como alerta
Bras�lia – As mem�rias do professor Paulo Speller, preso na ditadura, servem como alerta para evitar a repeti��o de equ�vocos, explica o historiador Paulo Parucker, pesquisador da Comiss�o da Verdade da Universidade de Bras�lia (UnB). “Embora estejamos falando de futuro, olhar o passado ajuda a fazer algum tipo de previs�o. Temos que pensar como chegou a acontecer esse ato t�o brutal. Com ele, a barb�rie foi instalada com um arcabou�o jur�dico que beneficiou �reas repressivas do governo”, avalia.
Para ele, a sociedade ainda respira o decreto. “Temos uma tradi��o de governo autorit�rio. O legado � essa cultura autorit�ria de persegui��o � oposi��o que foi naturalizada. Naquela �poca, as pessoas eram presas e isso n�o era comunicado � Justi�a. Elas simplesmente desapareciam. O AI-5 usou a for�a imposta pelas armas. Mandatos foram cassados, pessoas presas, sequestradas e servidores p�blicos demitidos”, lamenta.
O contexto hist�rico, avalia o antrop�logo L�nin Pires, especialista em administra��o de conflitos e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), era de extrema dificuldade entre as institui��es. “At� o pr�prio Ex�rcito tinha fac��es e muitas d�vidas de que rumo pol�tico o pa�s tomaria. Uma das fun��es do AI-5 foi acabar com essa sensa��o com o uso do medo”, pondera.
Apesar do “autoritarismo estatal muito enraizado” no pa�s, ele descarta uma nova guinada desse tipo. “O mundo hoje � diferente. Temos que aprender com os erros. N�o acredito que possamos ter uma guinada desse tipo. O risco sempre existe, mas n�o como aconteceu de forma deliberada e instituindo uma pr�tica estatal legitimada. Sobretudo pelas institui��es, que apesar de certa fragilidade, se mostram reativas”, conclui Pires. (OA)
