
H� um ditado nos gabinetes de Bras�lia de que o caf� servido pelos gar�ons aos presidentes nos �ltimos dias de mandato vem frio. � como se a desimport�ncia dos pol�ticos ficasse evidente para todos os funcion�rios do Pal�cio do Planalto. “O meu caf� continua quente”, afirma, em tom de brincadeira, Michel Temer. Em seguida, s�rio, ele emenda: “H� um reconhecimento em �reas”. E passa a citar algumas homenagens que recebeu nos �ltimos tempos, citando inclusive o “Fica Temer”, uma brincadeira que viralizou depois das elei��es. “Mesmo sabendo do tom, foi algo positivo, simp�tico.”
Ao fazer a avalia��o dos dois anos e meio de governo, Temer acredita que a rela��o aberta com o Parlamento est� entre os principais legados. “Ningu�m consegue milagre sem o Congresso”, diz ele, que acredita que o pr�prio presidente eleito, Jair Bolsonaro, apesar do discurso contra negocia��es com partidos e parlamentares, est� mudando a posi��o. “Ele j� chamou bancadas partid�rias para conversar. E o depoimento de todos que v�m aqui � de que ele fala que precisa do Congresso.”
Ainda sobre o substituto, Temer parece esperan�oso. “Ele tem uma grande vantagem, interessante e muitas vezes criticada, que � a hist�ria do recuo. O recuo � algo democr�tico”, diz Temer, que conversou com Bolsonaro, sendo capaz de elogiar a equipe ministerial e os projetos propostos. Confira os principais trechos da entrevista de quase 90 minutos feita na manh� de ontem no gabinete presidencial. A bebida servida, cappuccino com chocolate, estava quente.
Como a hist�ria vai tratar o senhor?
Sem ser otimista, mas realista, acho que vai ser de maneira muito positiva. At� positivo por indicativo do presente momento. Percebo que o n�mero de homenagens que tenho recebido de 15 dias para c� — at� tenho procurado evitar muitas delas porque n�o h� espa�o —, vejo que as pessoas est�o com um reconhecimento muito acentuado. E eu at� brinco. “Olha, quando voc� chega no �ltimo m�s, o caf� esfria. E o meu caf� est� quente ainda.” Na verdade, as pessoas me homenageiam muito, pessoal da ind�stria... H� um reconhecimento em �reas. Agora, se me perguntar a popularidade, at� podia dizer que aumentou 100%: de 4% para 8%. Mas, evidentemente no grande p�blico, ainda n�o h� popularidade. O reconhecimento est� come�ando agora e vai prosseguir. Tive uma homenagem da Abert (Associa��o Brasileira de Emissoras de R�dio e Televis�o) em que eles falaram maravilhas. Eu disse: “At� agrade�o muito, fiz as coisas que fiz em nome da liberdade de imprensa, que faz parte de outro direito, a liberdade de informa��o”. E n�o � em nome do empres�rio, mas em favor do povo. Na Constitui��o, voc� tem o poder da resposta, para completar a informa��o. Hoje, at� os jornais colocam “o outro lado” para dar a informa��o completa. Ent�o, eu disse: “Isso realmente aconteceu em homenagem � Constitui��o. Eu trabalho por essas institui��es, porque n�s passamos e as institui��es ficam. Agora, com muita franqueza, alguns setores tentaram me derrubar durante um ano e pouco e n�o conseguiram.
Quais os setores?
Voc�s sabem quais s�o.

Na economia, eu serei at� repetitivo se disser o que aconteceu. Peguei um PIB negativo, em maio, de menos 5,9%. Pegamos em meados de maio de 2016 e, quando chegou em dezembro, o PIB era negativo em 3,6%. Quando chegou em dezembro de 2017, era positivo em 1%. Portanto, caminhamos 6,9 pontos percentuais no PIB brasileiro. Segundo ponto: basta pegar a infla��o, o que fizemos com os juros, com as empresas estatais. H� quatro anos, a Petrobras perdeu muito a credibilidade nacional e internacional, hoje recuperada. O Banco do Brasil, quando entramos aqui, a a��o valia R$ 15. Hoje, vale R$ 45. Isso foi h� quatro meses. Ou seja, o patrim�nio p�blico aumentou tr�s vezes. Se valia R$ 35 bilh�es, passou a valer cento e tantos bilh�es. Correios, s� dava preju�zo. Quando houve balan�o positivo? No primeiro semestre deste ano. Eletrobras, todas as empresas. Ent�o, sob o enfoque econ�mico, tudo isso melhorou muito. � parte, a hist�ria das concess�es e das privatiza��es, que est�o dando um resultado extraordin�rio. N�o exatamente para o meu governo, mas vai se projetar para o futuro. Nas rela��es internacionais, progredimos muito, porque universalizamos as nossas rela��es, ou seja, n�o nos pautamos por crit�rios ideol�gicos. Pode at� se tomar o caso da Venezuela. Temos rela��es com o governo? Temos. Mas com o Estado venezuelano. N�o temos a melhor impress�o do regime venezuelano, que � outra coisa. Tempos atr�s, tive uma reuni�o em Lima, na C�pula das Am�ricas. E eu disse l� para o Pe�a Neto, presidente do M�xico, para o Macri (da Argentina), para o presidente Pi�era (Chile), que no Brasil temos uma regra constitucional que determina que toda pol�tica p�blica deve visar a uma comunidade latino-americana de na��es. Temos o Mercosul. Precisa criar a Alian�a do Pac�fico. Acho que n�s devemos fazer um entrosamento desses dois setores. O presidente Pe�a Neto marcou uma reuni�o no M�xico e chamou o Mercosul. Foi fruto dessa conversa. Fizemos uma declara��o conjunta e recentemente fizemos um grande acordo com o Chile. Estamos ampliando essas rela��es. Na �rea do meio ambiente, n�s duplicamos a �rea de preserva��o ambiental do Brasil.
"N�o basta voc� falar com l�der hoje. Antes, voc� falava com o l�der, ele transmitia para a bancada e as coisas caminhavam. Hoje, � preciso muito contato individual"
Como o senhor avalia, ent�o, os movimentos do futuro governo na pol�tica internacional?
O presidente Bolsonaro tem uma grande vantagem, interessante e muitas vezes criticada, que � a hist�ria do recuo. Eu, muitas vezes, fui criticado: “Ah, o Temer recuou disso ou daquilo”. O recuo � algo democr�tico. Quando voc� vai tomar um caminho e percebe que n�o � o melhor, voc� muda de dire��o. Primeiro, que ele est� formando uma equipe econ�mica da melhor qualidade. Segundo, ele est� acertando na escolha dos ministros. E, aqui, eu puxo um pouco para o meu lado. Vejam quantos ministros nossos est�o sendo aproveitados.
Especialmente S�o Paulo.
L� foram seis ministros, aqui (no Distrito Federal), foram tr�s ou quatro. Mais secret�rios executivos. O presidente Bolsonaro, tendo essas quest�es, vai modificando sua forma de ver o mundo em termos internacionais. Eu tive oportunidade, quando conversei com ele aqui. Como ele � muito lit�rgico, ele disse: “Presidente, que conselho o senhor me d�?” Eu disse a ele que n�o dou conselho para presidente eleito, mas, se quiser, palpite eu dou. A�, tive a ocasi�o, como fiz uma �tima rela��o com a China, com o presidente Xi Jinping, disse que aquele pa�s � nosso principal parceiro comercial e que se a China fechar as portas para n�s, imagina o que acontecer� com min�rio, carne, soja... Eu sempre universalizei as nossas rela��es, mesmo com os pa�ses �rabes. S�o 54 pa�ses que importam 40% da nossa carne e carne de frango tamb�m. N�o podemos fechar nossos mercados. Nossa rela��o � pol�tico-comercial.
"Para o povo, n�o interessa essa hist�ria de esquerda ou de direita. Interessa para n�s que achamos gracioso esse neg�cio. O povo quer saber de resultado"
E ele (Bolsonaro) falou o qu�?
Disse que realmente estava revendo todas essas coisas. O fato de dizer que poderia rever essas quest�es, como de resto tem falado nos �ltimos dias, eu acho que ele vai primeiro fazer uma coisa interessante: dar sequ�ncia ao que n�s fizemos. Porque a campanha do outro candidato do segundo turno (Fernando Haddad) dizia que ia destruir tudo: a reforma trabalhista, o teto dos gastos. Ao contr�rio: o Paulo Guedes, que esteve comigo tamb�m, � adepto do teto dos gastos. Acho, ent�o, que o governo Bolsonaro vai dar sequ�ncia ao nosso governo, especialmente no tocante �s reformas. Eu falava sempre que a reforma da Previd�ncia, num determinado momento, saiu da pauta legislativa, mas n�o saiu da pauta pol�tica do pa�s. Eu acho que se far� logo no primeiro semestre do ano que vem. A reforma � fundamental, no pa�s, para reduzir o deficit p�blico. E veja que n�o � improv�vel que eles acabem utilizando, sen�o a nossa reforma, a maior parte.
Os princ�pios do texto?
Sim. No geral, as pessoas n�o t�m projeto. Porque o nosso projeto � de uma suavidade extraordin�ria. Para o sujeito chegar a 65 anos, leva 20 anos. A cada dois anos, aumenta um ano. E de igual maneira no caso da mulher. Para chegar a 62 ou 63, leva 20 anos. A cada 2 anos, um ano. O outro ponto da reforma � a aboli��o dos privil�gios, at� pautados pelo princ�pio da igualdade, que � uma determinante constitucional. Ent�o, n�o tem cabimento o trabalhador do setor privado ganhar aposentadoria m�xima de R$ 5.645 e quem est� no setor p�blico poder se aposentar com R$ 33 mil. A pessoa pode se aposentar com R$ 33 mil? Pode. Mas vai ter que dar uma colabora��o maior. Se ele paga R$ 1 mil de Previd�ncia, talvez vai ter que pagar R$ 2 mil, R$ 2,5 mil. Uma esp�cie de capitaliza��o. Voc� acaba igualando os sistemas. Voc� pega idade de um lado e queda dos privil�gios de outro lado. Segundo ponto: n�o se atinge a pobreza. N�o pegamos os trabalhadores rurais, n�o pegamos o benef�cio de presta��o continuada. Isso est� tudo liberado. No geral, aqueles que n�o querem a reforma dizem: “Ah, vai acabar com os pobres, idosos, coitados, v�o perecer.” N�o � nada disso.
� o discurso das corpora��es.
Claro. Mas foi um discurso equivocado. Para n�o dizer falso.
Mas a reforma de Bolsonaro tamb�m vai poupar os militares, como a do senhor poupou. Isso torna a mudan�a incremental, n�o?
N�o. N�s articulamos muito bem isso e, na oportunidade que n�s providenciamos a reforma da Previd�ncia, os setores militares, juntamente � Casa Civil, estavam providenciando uma lei especial para os militares, que tamb�m os colocava no sistema previdenci�rio. Tem na Constitui��o o princ�pio da igualdade, que n�o � apenas tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Toda vez que se vai fazer uma discrimina��o, voc� precisa ter uma esp�cie de correla��o l�gica entre a raz�o que leva a discriminar e a pr�pria discrimina��o. Um exemplo muito concreto: n�o tem cabimento colocar carcereira mulher na penitenci�ria masculina. Isso n�o � violar o princ�pio da igualdade. Como de resto, os militares t�m todo um tratamento especial e uma conduta especial de natureza funcional. Ent�o, � razo�vel que haja uma discrimina��o nessa base da correla��o l�gica. Eu acho que, promovida a reforma da Previd�ncia, j� com o estudos que foram feitos, pode conduzir o novo governo tamb�m a fazer uma reforma (para os militares) fora do projeto principal.
Quem participou desses estudos entre os militares?
O general Etchegoyen, do GSI (Gabinete de Seguran�a Institucional), (Eliseu) Padilha e os comandantes.
Qual � a grande frustra��o que o senhor tem em rela��o a esse per�odo em que exerceu o cargo mais importante do pa�s?
Foram os ataques de natureza moral, porque os ataques pol�ticos n�o me preocupam minimamente. Ao longo do tempo, convenhamos, n�o foram poucas as tentativas at� de inviabilizar o governo. E veja que n�s n�o nos inviabilizamos. Voc�s se lembram do tal “Abril vermelho”, que tinha todo ano? Sabe por que n�o houve abril vermelho? Porque distribu�mos mais de 250 mil t�tulos de regulariza��o fundi�ria que n�o eram entregues, porque havia um interesse ideol�gico em manter o estoque. N�s tivemos greves, movimentos de rua que paralisaram o pa�s, fora a dos caminhoneiros? N�o. Porque agimos corretamente aqui no governo. Ent�o, volto a dizer que uma das minhas frustra��es foi ataque de natureza moral, porque vou precisar sair daqui e vou precisar trabalhar para sobreviver. Hoje, mais do que nunca, verifica-se que os meus detratores foram presos. Em face de uma grava��o equivocada, acabaram sendo presos. Um procurador que trabalhava, enquanto procurador, para uma empresa, n�o quero nominar ningu�m, acabou sendo denunciado pelo pr�prio Minist�rio P�blico Federal. Havia uma trama para derrubar o presidente da Rep�blica. O tempo ajuda a resolver essas quest�es. Os dados s�o extremamente positivos. A �nica frustra��o � essa.
Como isso afetou a fam�lia?
� um horror. A gente tem uma longa trajet�ria. E eu tive, gra�as a Deus, uma trajet�ria advocat�cia, na Procuradoria do Estado, na advocacia privada, na universidade, livros publicados — um que vendeu mais de 400 mil exemplares. Quando cheguei � Presid�ncia, eu falei: “Poxa vida, se n�o tivesse chegado aqui, n�o teria esses problemas”. Alguns desses, at� de natureza processual. A fam�lia ficou muito abalada, o tempo todo. As minhas filhas diziam que eu tinha que resistir, porque n�o foram poucos que naquela ocasi�o falavam para renunciar. Ren�ncia seria me autodeclarar culpado. A Marcela ficou abalada, mas muito corajosa, gra�as a Deus. Ent�o, ela sempre me deu muita for�a, muito apoio, mas � claro que � desagrad�vel. As not�cias (que) aparecem na televis�o: parece que eu sou um bandido, um corrupto.
Quais os erros o senhor cometeu nesse per�odo?
Talvez, eu n�o tivesse que trazer para c� um h�bito que me acompanhou a vida toda, um h�bito pr�prio que tamb�m deriva um pouco da educa��o, que � atender as pessoas com muita aten��o e o h�bito parlamentar de atender as pessoas fora de agenda. At� hoje � assim. Eu recebo as pessoas, e isso me criou problemas. Mas, se de um lado me criou problemas, de outro, solucionou problemas. Por exemplo, como eu cheguei at� aqui? Por causa do apoio do Congresso. E n�o foi s� por lideran�as. Eu tinha um apoio pessoal. Eu crio contatos pessoais com deputados, senadores. Convenhamos, fui v�tima de dois pedidos de impeachment. E, com maior tranquilidade, foram recusados.
O presidente Bolsonaro est� querendo mudar esse tipo de rela��o com o Congresso. Ele quer fazer o contato via bancadas tem�ticas. Isso funciona?
Eu acho que ele est� mudando um pouco. Ele j� chamou bancadas partid�rias para conversar. E o depoimento de todos que v�m aqui � de que ele fala que precisa do Congresso. Isso de bancada tem�tica, talvez, tenha nascido muito em fun��o da escolha da deputada Tereza Cristina para a Agricultura. Mas a Tereza, eu sou testemunha disso, tem uma atua��o na �rea da agricultura muito intensa. Ent�o, � muito natural que isso aconte�a. Agora, eu reconhe�o os h�bitos parlamentares. N�o basta voc� falar com l�der hoje. Antes, voc� falava com o l�der, ele transmitia para a bancada, e as coisas caminhavam. Hoje, � preciso muito contato individual. Recebia sempre 20 deputados, 10 senadores. Eles querem um contato pessoal. Para a surpresa minha, eles diziam que nunca entraram nesta sala. E eu acho que recebi, pelo menos da base parlamentar, todos.

Eu exerci um governo, at� vocalizei isso, pr�ximo do semipresidencialismo, porque fui tr�s vezes presidente na C�mara dos Deputados, e eu me recordo que o Congresso sempre foi um ap�ndice do Poder Executivo. Porque n�s temos uma cultura pol�tica muito centralizadora. Eu trouxe um Congresso para participar do governo. Eu sempre digo, o Congresso governou comigo e eu acho que esta rela��o com o Congresso � uma rela��o importante para a democracia, n�o s� para o governo. � pra voc� mostrar que ningu�m consegue chegar aqui, sentar aqui nesta cadeira e fazer milagre no pa�s, se n�o tiver apoio do Congresso e tamb�m apoio da sociedade, n�o basta ter um dos apoios. Por exemplo, na moderniza��o trabalhista, eu tinha apoio do Congresso, mas n�s fomos buscar apoio da sociedade, porque o ministro do Trabalho, na ocasi�o, visitou centrais sindicais e federa��es de ind�stria e com�rcios, passou oito ou nove meses para formatar a reforma trabalhista. Quando lan�amos, n�s tivemos aqui discursos de seis, sete centrais sindicais e seis ou sete federa��es trabalhistas. Ent�o, acho que este di�logo � fundamental.
O apoio popular n�o basta, ent�o?
Eu acho que ele n�o supre a necessidade legislativa. O que pode ocorrer com as redes sociais � que elas influenciam o Legislativo, � isso que vai acontecer. Dizer que voc� vai substituir o Congresso pela vontade popular, eu acho at� um pouco problem�tico.
O que seria uma democracia direta…
Eu acho que ainda n�o � poss�vel. Pelo seguinte: a vontade popular � fundamental, mas h� momentos em que ela se manifesta. O momento correto para a manifesta��o popular � quando h� as elei��es. Na elei��o, ele vai l� e escolhe quem acha que deva governar. Agora, que ela possa superar a vontade do Congresso n�o � bom, porque o Congresso, queiramos ou n�o, � a representa��o de v�rios setores da sociedade. O Congresso � uma coisa importante para a democracia. O povo absolveu Barrab�s e condenou Cristo, estou dizendo o �bvio. Ent�o, essa hist�ria � muito perigosa para voc� contar as coisas na m�o do povo, voc� tem que ter o povo para influenciar aqueles que legislam.
O que o senhor pretende fazer a partir de 1º de janeiro?
Devo viver comigo mesmo. Nunca tive tempo at� hoje, e vou voltar para o meu escrit�rio em S�o Paulo.
N�o pretende viajar, passar um per�odo no exterior?
N�o vai dar, vai ser dif�cil fazer.
A hist�ria de embaixada � conversa?
� conversa, eu nunca falei nisso e nem ningu�m me falou nisso.
Por que essa elei��o quebrou tantos paradigmas, foi t�o diferente?
Isso n�o me surpreende e n�o deve nos surpreender. Pelo seguinte: h� um momento em que o povo quer mudar tudo, e o que houve nesta elei��o foi isso. Este � um fen�meno in�dito. Mas foi a primeira vez? N�o � verdade: no tempo do Lula, a coisa funcionou do mesmo jeito e, por isso, elegeram o PT e o Lula… Ent�o, s�o momentos da democracia e n�s temos que compreender isso, porque se n�s formos fixar apenas em par�metros nossos, n�s vamos sempre usar o “n�o, isso aqui deu tudo errado”. Vem uma nova concep��o. Ela ser� testada e ser� aprovada ou n�o aprovada.

� uma comprova��o da exist�ncia do sistema democr�tico. J� houve um governo mais de centro, mais de esquerda, agora pode vir um mais conservador. Eu sou um pouco contra essa hist�ria de r�tulos. Para o povo, n�o interessa. Interessa para n�s que achamos gracioso esse neg�cio de direita e esquerda. O povo quer saber de resultado. Por exemplo, se o governo Bolsonaro mantiver a economia num ritmo adequado, ningu�m vai perguntar se � de direita ou de esquerda. Se algum dia vier um chamado de esquerda, tamb�m voc� com dinheiro no bolso e sobrevivendo… Mais do que um teste para a democracia � a revela��o da democracia…
N�o tem muito general nesse governo?
Voc� sabe que eu n�o tenho nenhuma obje��o. Precisa acabar com essa separa��o entre militares e civis. Porque os militares s�o brasileiros e brasileiros muito bem preparados. Eu reconhe�o que, aqui, eu tive muito apoio de setores militares. Claro, isso � fruto da nossa hist�ria. Tivemos, recentemente, aquela quest�o de 1964 que traumatizou muito o pa�s. Nos Estados Unidos, as pessoas t�m militares � vontade nos governos e ningu�m faz essa separa��o .
Essa quest�o na avalia��o do senhor est� superada?
Est� superad�ssima. At� porque, se chegaram ao poder, chegaram pela via da elei��o.
"O Paulo Guedes, que esteve comigo tamb�m, � adepto do teto dos gastos. Acho, ent�o, que o governo Bolsonaro vai dar sequ�ncia ao nosso governo, especialmente no tocante �s reformas"
O senhor foi mudando a posi��o sobre o impeachment ao longo do tempo. Alguns o acusam de falta de lealdade.
Em primeiro lugar, ela (Dilma Rousseff) n�o me inclu�a em nada. E quando eu digo que n�o me inclu�a em nada, eu n�o estou me conduzindo pela minha pr�pria vis�o, pela vis�o que at� a pr�pria imprensa tinha. N�o era sem raz�o que, muitas vezes, se publicava: presidente fez reuni�o com o seu n�cleo duro. No meu governo, n�o teve n�cleo duro, n�o �? Porque eu universalizei tudo. Porque ela fazia isso e n�o me dava a m�nima, nunca deu. Ali�s, uma �nica vez ela me chamou para fazer articula��o pol�tica. E eu disse: “Olha, presidente, eu n�o posso fazer isso, porque eu sou vice-presidente. S� se a senhora transferir as compet�ncias de rela��es institucionais para a vice-presid�ncia”. Ela disse: “Fa�o isso hoje”. E da� fez. Realmente, eu comecei a exercitar e foi quando, convenhamos, n�s conseguimos aprovar algumas medidas importantes, que havia grande dificuldade no relacionamento com o Congresso, mas eu fiquei tr�s meses.
Quais as medidas?
As medidas provis�rias em rela��o ao abono salarial. Eram quest�es relativas � Previd�ncia e uma relativa � desonera��o tribut�ria, eram duas ou tr�s, tr�s medidas, eu acho. Mas, evidentemente, eu assumi compromissos de participa��o com esse pessoal no governo, e paguei com meu cart�o de cr�dito pol�tico. Quando vieram me cobrar, eu disse a ela: “Olha, presidente, eu tenho encaminhado uns pleitos l� dos minist�rios e os minist�rios n�o fazem. Eu posso ligar e falar com os ministros? Eu tenho que fazer isso, porque isso � compromisso”. Da�, ela disse: “N�o fa�a isso, n�o. Isso � muito ruim”. E eu falei: “Opa, est� meio complicado. Eu n�o posso ficar nessa situa��o.” E, a�, eu percebi a dispensa que ela fez quando disse: “N�o, est� bom, ent�o, voc� fica na macropol�tica”. Como a macropol�tica n�o � nada, eu percebi e, de fato, da� o distanciamento dela foi muito grande em rela��o a mim. Agora, meu trato com ela sempre foi muito cerimonioso, n�o era um trato de presidente e vice-presidente. Eu me lembro at� de uma fotografia muito expressiva do (Barack) Obama, quando houve aquela opera��o contra o Bin Laden. Quem � que estava naquela saleta l� era o Obama, o John Biden (vice-presidente) e a secret�ria de Estado, que era a Hillary Clinton. Aqui, eu n�o tinha fun��o nenhuma.
Esse distanciamento foi criando uma situa��o ainda mais desagrad�vel?
O distanciamento foi natural. Agora, quando surgiu o problema do impeachment, sabe o que eu fiz? Eu fui para S�o Paulo, porque o vice � sempre o primeiro suspeito, n�o �? S� voltei nos �ltimos quatro dias que antecediam a vota��o.
E aquela carta?
A carta foi bem antes. Eu at� usei a express�o: “A senhora me trata como vice decorativo”.
E por que o senhor n�o saiu entre o primeiro e o segundo mandato?
S�o circunst�ncias pol�ticas. Quando eu fui para a vice-presid�ncia na primeira elei��o e levei o PMDB comigo, eu fui porque eu n�o poderia mais ser candidato a deputado federal. Eu tinha sido seis vezes deputado federal e tr�s vezes presidente da C�mara. E aconteceu o seguinte: quando eu ia na regi�o do estado de S�o Paulo, algu�m dizia: “Aqui � a regi�o do deputado fulano”. E eu come�ava a ficar constrangido. Tanto que, na �ltima elei��o, eu quase n�o visitei o estado. Ent�o, quando surgiu a oportunidade de ser vice, eu falei: “Bom, vou l�!”. Depois veio a segunda campanha. Na primeira alian�a PMDB/PT, a vota��o que n�s tivemos no PMDB foi de 80%. Na segunda, foi pouco mais de 50%. E s� houve alian�a porque, convenhamos, eu era candidato a vice. Ent�o, fui para o segundo mandato nessas condi��es.
A classe pol�tica est� muito desacreditada ainda. Como se recupera essa credibilidade?
Eu acho que o descr�dito pode gerar cr�dito, porque chega um determinado momento em que o descr�dito � t�o grande que as pessoas se apercebem disso. Eu acho que o Congresso vai se aprimorar cada vez mais. Eu at� n�o fa�o cr�ticas ao Congresso, eu acho que houve uma campanha de desvaloriza��o da classe pol�tica. E como todo corpo institucional, voc� tem gente boa e gente que n�o se comporta adequadamente.
A irrever�ncia das redes falava em #FicaTemer. Como � que o senhor analisa essa situa��o de um momento cr�tico, doloroso, para outro um pouco mais agrad�vel?
� um certo reconhecimento, n�o �? Embora em tom de brincadeira, n�s tivemos milhares de pessoas falando isso. Ent�o, � uma certa brincadeira que gera um certo reconhecimento.
O senhor vai continuar na luta pol�tica?
Eu acho que n�o.
Conversando com as pessoas, recebendo…
� natural. Eu j� estou me preparando psicologicamente para o dia 2 de janeiro, pois ser� um corte. Trabalho aqui das 8h � meia-noite, diariamente. Ent�o, n�o � brincadeira isso. � uma coisa que, aqui, no Jaburu, no Alvorada, onde quer que seja e, de repente, n�o vai ter. O que fazer, n�o �?
"Dilma n�o me inclu�a em nada. E quando eu digo que n�o me inclu�a em nada, eu n�o estou me conduzindo pela minha pr�pria vis�o, pela vis�o que at� a pr�pria imprensa tinha"
O senhor pretende escrever um livro?
Ah, isso eu vou fazer.
E sobre esses processos que continuam contra o senhor no Supremo?
V�o para o primeiro grau.
Ent�o, o senhor vai ter de separar um per�odo do dia para cuidar disso.
Eu vou contratar um advogado. Eu vou voltar a ler tudo. Claro, agora, eu n�o tenho muito tempo. Agora, � o advogado que cuida.
O senhor mesmo vai cuidar dos seus processos?
N�o, eu vou acompanhar.
Passa pela cabe�a do senhor uma situa��o mais extremada?
Eu n�o creio, porque a coisa sair� do foco pol�tico para o foco jur�dico. E, no foco jur�dico, estou tranquilo. No foco pol�tico, � muito bom falar mal do presidente, percebe? Eu n�o acho que ningu�m vai querer, tipo assim, exibir um trof�u. Colocar a cabe�a do presidente na parede.
E a rua?
Voc� sabe que eu vou a restaurante em S�o Paulo? Voc� vai e as pessoas v�m te cumprimentar. Eu posso andar, n�o tenho nenhuma dificuldade.
O S�rgio Moro acertou ao aceitar o cargo de ministro?
Acho que cada um tem as suas concep��es. Acho que ele achou que era bom para ele. A�, entra muito a quest�o individual. Vou dar o meu exemplo. Eu quando fui nomeado secret�rio de Seguran�a, eu at� resisti, mas o (Franco) Montoro insistiu, ent�o, eu fui. Na primeira semana, pensei: “Meu Deus do c�u, o que eu vim fazer aqui, eu n�o entendo nada disso e eu vou me dar mal aqui.” Eu estava assistindo a um programa de televis�o, e Gianfrancesco Guarnieri tinha sido nomeado secret�rio da Cultura. E o entrevistador perguntou para ele: “Como � que vai ser agora de terno e gravata?” Ele respondeu: “A vida tamb�m � uma interpreta��o. Voc� tem de interpretar bem aquilo que a vida te entrega”. Voc� sabe que eu ouvi aquilo e falei comigo mesmo: “Poxa vida, a vida me entregou essa fun��o de secret�rio. Fui na segunda-feira l� no gabinete, chamei o delegado-geral, o comandante da PM e exerci o papel que a vida me entregou. Ent�o, no caso do Moro, a vida entregou para ele esse papel, e ele acolheu.
Integrantes do seu governo est�o compondo a equipe do Ibaneis. Ele tamb�m j� fala em candidatura do MDB. J� est� na hora para isso?
Eu acho que cada um age como acha que deve agir. Acho que Ibaneis vai fazer, pelo entusiasmo que ele mostrou. Eu acho que ele ser� um bom governante e todo bom governante pode aspirar � Presid�ncia da Rep�blica, n�o tenho d�vida disso. Basta ser um bom governante para naturalmente (se candidatar)... Fizemos junta comercial, regi�o metropolitana (do Entorno).