
Bras�lia – O debate sobre o acesso � posse de arma de fogo, que por 15 anos provocou acaloradas discuss�es na sociedade, levou apenas alguns dias para ter um desfecho, numa canetada do presidente Jair Bolsonaro. A velocidade com que ele tomou a decis�o de flexibilizar as regras de acesso a armamento come�a a refletir no com�rcio. Mesmo diante do pre�o considerado elevado do equipamento e das regras para obter autoriza��o de posse, o movimento em lojas de armas tem aumentado no Distrito Federal. A procura pode ser ainda maior, caso o chefe do Executivo decida facilitar tamb�m o porte de arma de fogo, que � a autoriza��o para circular pelas ruas, locais p�blicos e privados portando o equipamento.
Uma pesquisa do Instituto Ideia Big Data revela que 8% dos brasileiros pretendem comprar uma arma neste ano. No levantamento, divulgado no �ltimo dia 4, foram entrevistadas 2.300 pessoas por telefone, em 121 cidades, entre 17 e 20 de dezembro. A margem de erro � de 2,05 pontos percentuais para mais ou para menos. Na Galeria dos Estados, regi�o de forte movimento no Centro de Bras�lia, uma loja especializada na venda de armas de press�o, armas de fogo e artigos de seguran�a funciona h� 35 anos atraindo aficionados por tiro esportivo, colecionadores e pessoas interessadas em fazer a pr�pria defesa. A empresa, de uma fam�lia de chilenos, foi fundada antes da cria��o do Estatuto do Desarmamento, que entrou em vigor em 2005.
Mesmo com a mudan�a na legisla��o � �poca, que endureceu as regras para a venda de armas de fogo, a loja foi mantida. Atualmente, o estabelecimento est� sob a responsabilidade de Juan Gallardo, de 26 anos, que conduz os neg�cios dos pais. A m�e dele foi a primeira dona de loja de armas em Bras�lia. “Antigamente, a venda de armas era feita por RG e CPF e se levava de duas semanas a um m�s para obter a autoriza��o. Logo em seguida, foi definido o tipo de calibre que seria permitido, em uma mudan�a legal realizada � �poca”, conta Juan. Com o Desarmamento (estatuto), cresceu a burocracia, e o governo passou a ter funcion�rios respons�veis por ver toda a documenta��o.”
O impacto na procura por armas foi imediato. “Depois do Desarmamento, as vendas ca�ram aqui na loja, por conta da burocracia. Mas teve gente comprando no mercado ilegal. A arma pode at� ser mais barata l�, mas o custo ser� maior”, ressalta. “Al�m de ser preso e ter de pagar advogado, quem anda com arma ilegal tem de pagar fian�a de, no m�nimo, R$ 5 mil para sair.” Apesar de conduzir os neg�cios da fam�lia e destacar que a loja j� registra um aumento de 40% de frequentadores desde a publica��o do decreto que facilita a posse, Juan afirma ser necess�rio aprimorar os meios de registro de circula��o do armamento. “O governo n�o tem controle das armas. Tem de saber o endere�o de quem adquire. Saber onde as armas est�o no setor p�blico. H� equipamentos que circulam no Brasil que s�o de modelos que nem s�o fabricados pela ind�stria nacional. Muitas s�o desviadas at� mesmo das for�as de seguran�a”, frisa.
O PORTE NA MIRA
Bolsonaro promete fazer uma mudan�a mais profunda na legisla��o sobre o tema. Ele pretende facilitar a emiss�o de autoriza��es para o porte. A medida ser� discutida ainda neste m�s, com ministros. Existe a possibilidade de as altera��es serem feitas por meio de decreto, sem precisar passar pelo debate e os tr�mites do Poder Legislativo.
O advogado Adib Abdouni, com p�s-doutorado em direito constitucional pela Universidade de Sorbonne (Fran�a), afirma que n�o ser� necess�ria a autoriza��o do Congresso para facilitar o acesso ao porte de armas. “Se as mudan�as forem para reduzir a burocracia, assim como foi feito com a posse, � poss�vel que se fa�a via decreto presidencial. � poss�vel mexer na discricionariedade das autoridades para autorizar ou n�o o porte. Acabar com a subjetividade, que � o entendimento do agente p�blico sobre quem deve ou n�o ter acesso a arma e circular com ela. Para isso seria necess�rio a revis�o de portarias em vigor, como a R-105, do Ex�rcito Brasileiro”, destaca.
Especialistas temem aumento da viol�ncia
Bras�lia – Entidades e pesquisadores ligados � seguran�a p�blica temem que as taxas de homic�dio voltem a crescer com a libera��o da posse de arma. Alertam para a aus�ncia de crit�rios cient�ficos sobre a efic�cia do aumento de circula��o de armamento no combate � viol�ncia. Estudos nacionais e internacionais mostram que a decis�o do governo contraria as evid�ncias: armar a popula��o � a��o paliativa para um problema estrutural, que demanda pol�ticas p�blicas e investimento em intelig�ncia das pol�cias em todas as esferas.
O Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea) j� fez tr�s grandes pesquisas sobre o tema. Publicado em 2013, o Mapa das Armas de Fogo nas Microrregi�es Brasileiras mostra que as 20 microrregi�es com maior n�mero de armas de fogo t�m taxa de homic�dios, em m�dia, 7,4 vezes mais alta que as 20 em que a presen�a de armamentos � mais baixa. O economista Daniel Cerqueira, conselheiro do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica e pesquisador do Ipea, diz que as taxas de homic�dio at� 2003, quando o Estatuto do Desarmamento foi aprovado, cresciam progressivamente. Desde ent�o, o pa�s conseguiu manter os �ndices. Baseando-se nas evid�ncias, o que � visto no Brasil, segundo o especialista, � que, se n�o houvesse o estatuto, a taxa de viol�ncia seria 12% maior que a observada atualmente. Ele acredita que as consequ�ncias do decreto ser�o imediatas: as taxas de homic�dio e de suic�dio aumentar�o.
Para entender o fen�meno, h� quatro pilares de an�lise. O primeiro � que � um elemento de inseguran�a para o lar. Estudos mostram que o equipamento dentro de casa aumenta em cinco vezes as chances de algu�m ser v�tima de homic�dio ou se matar. Isso sem contar acidentes dom�sticos. “Embora n�o saiba ainda de casos em que crian�as morreram com liquidificador, nos Estados Unidos, s�o registradas, por ano, mais de 3 mil mortes por causa de arma de fogo. A arma � a objetifica��o da inseguran�a para o lar, para os familiares, para os jovens e para as mulheres. Casos de feminic�dio aumentar�o”, diz Cerqueira.
O segundo ponto � a premissa de que quem comete homic�dio � somente criminoso e n�o o “cidad�o de bem”. Cerqueira aponta a tese como errada. “N�o h� essa distin��o, isso porque pessoas vivem em conflito na reuni�o de condom�nio, no bar, em conversas sobre pol�tica”, pondera.
A terceira evid�ncia � de que, ao contr�rio do que indica o decreto, a arma de fogo n�o � um instrumento de defesa, mas de ataque, conforme avalia Cerqueira. O especialista cita um estudo do IDP-SP mostrando que, quando o sujeito � assaltado e est� armado, as chances de ele ser assassinado aumentam 56%. O quarto motivo � que quanto mais armas circularem no mercado legal, mais migrar�o para o mercado ilegal. Assim, o pre�o diminui e facilita a obten��o para o criminoso.