O ministro Luis Felipe Salom�o, do Superior Tribunal de Justi�a (STJ), disse em entrevista ao Estado que os ju�zes n�o podem ignorar, em suas senten�as, decis�es consolidadas pelos tribunais superiores em jurisprud�ncia, s�mulas e precedentes vinculantes. "� ruim que isso esteja acontecendo", afirmou. "S� serve para aumentar o enxame de processos que j� se acumula."
Quem informa que a pr�tica est� acontecendo � a pesquisa mais abrangente j� feita sobre ju�zes brasileiros - 3.851 deles responderam a detalhadas 200 quest�es -, coordenada pelo pr�prio Luis Felipe Salom�o. Em um dos quesitos, 52% dos ju�zes da primeira inst�ncia afirmaram que n�o levam a jurisprud�ncia em conta na hora de decidir, e 55% do segundo grau disseram que n�o seguem necessariamente s�mulas e precedentes que podem se usadas para vincular decis�es.
"Est� errado o juiz n�o seguir precedente", disse o ministro na entrevista feita na tarde do �ltimo dia 19, em seu gabinete. "A partir do novo C�digo de Processo Civil, n�s passamos a ter uma nova realidade, que � a cultura dos precedentes, porque confere rapidez".
A pesquisa em que Salom�o atuou como coordenador chama-se "Quem somos - A magistratura que queremos", dos soci�logos Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho e Marcelo Baumann Burgos, patrocinada pela Associa��o dos Magistrados Brasileiros (AMB), com o apoio da Pontif�cia Universidade Cat�lica do Rio de Janeiro.
Recentemente divulgada, � o mais abrangente levantamento sobre os ju�zes brasileiros. Quase quatro mil deles responderam a detalhadas duas centenas de perguntas sobre si pr�prios, o direito e o sistema de justi�a. A �ntegra (392 p�ginas) est� no site da AMB.
"Em 1988 o Brasil tinha 350 mil novos processos por ano e hoje tem 30 milh�es", disse o ministro do STJ. "S�o 30 milh�es de novos processos por ano. Ou n�s agora tra�amos pol�ticas p�blicas efetivas para o Judici�rio, ou vamos cair num atoleiro de onde o Judici�rio n�o se levanta mais."
O "agora", que estimula a renovada esperan�a do ministro - 56 anos, h� quase 11 no STJ -, � o resultado da pesquisa. Comparado com outra, da mesma equipe, h� 20 anos, cresce ainda mais de import�ncia pelo par�metro da compara��o. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Para que servem, efetivamente, pesquisas como essa que o sr. coordenou?
A judicializa��o da vida, que � um fato, representa hoje quase 80 milh�es de processos em tramita��o. D� um processo para quase dois habitantes, uma das maiores m�dias de judicializa��o do mundo. S�o 30 milh�es de novos processos por ano. Ou n�s agora tra�amos pol�ticas p�blicas efetivas para o Judici�rio, ou n�s vamos cair num atoleiro de onde o Judici�rio n�o se levanta mais. O juiz est� na linha de frente do contencioso judicial. Entender um pouco melhor essa corpora��o � relevante para tra�ar pol�ticas p�blicas.
De que pol�ticas p�blicas o sr. est� falando?
Quanto � seguran�a do juiz, por exemplo, a grande maioria entendeu que, quando ele atua na �rea penal, principalmente se ele atua enfrentando poderosos, o melhor, para maior seguran�a, � fazer julgamentos colegiados, mesmo no primeiro grau, porque a� dispersa, n�o � um s� juiz que assina a senten�a, � um colegiado. Como as for�as-tarefa do Minist�rio P�blico, por exemplo.
O que disseram sobre a utiliza��o da videoconfer�ncia?
A ampla maioria, quase 80%, diz que funciona, e que pode ser espalhada para outras atividades, e n�o s� no interrogat�rio do preso.
Qual � a maior preocupa��o dos ju�zes?
A efetividade, tornar a decis�o eficaz. Aquela hist�ria de "ganha mas n�o leva" incomoda muito a magistratura. Outra grande preocupa��o � com a celeridade. Eles prop�em algumas medidas processuais que podem ser adotadas, como, por exemplo, n�o dar efeito suspensivo aos recursos.
Essas e muitas outras sugest�es de melhorias v�m sendo dadas ao longo dos anos, mas n�o t�m avan�ado no ritmo necess�rio.
Esbarram no processo legislativo. Tem interesses corporativos, profissionais, que s�o fortes para poder impedir a tramita��o disso. Em in�meras situa��es tentou-se diminuir a quantidade de recursos. J� tem proposta de emenda constitucional em andamento. E n�o votam.
Quais s�o as maiores reclama��es dos ju�zes?
A pesquisa constata que h� excesso de trabalho. E que eles querem uma melhor distribui��o de recursos dentro do Judici�rio. Os recursos t�m de ser melhor divididos entre a primeira e a segunda inst�ncia. Ent�o, h� uma reclama��o constante para que o CNJ (Conselho Nacional de Justi�a) atue, equilibrando essa distribui��o.
Qual � a preocupa��o com esse crescimento acentuado de processos?
Em primeiro lugar, a dissemina��o do que eles chamam de uma cultura do lit�gio. Segundo, a inefici�ncia das ag�ncias reguladoras.
Quais delas?
Todas. Nos outros pa�ses onde existe ag�ncia reguladora, no nosso modelo, elas funcionam na preven��o de lit�gios, exatamente para n�o judicializar. No Brasil, elas n�o funcionam. Da�, existe o que n�s chamamos de uso predat�rio do Judici�rio.
O que mostra a pesquisa sobre os pr�prios ju�zes?
Que o Judici�rio est� ficando mais maduro, em termos da idade. Esse amadurecimento � que leva a responder que a dimens�o institucional da magistratura � a de resguardar a democracia como valor fundamental. Isso � a cara de uma corpora��o. E, ao mesmo tempo, voc� v� que tem uma magistratura nova querendo entrar pela porta.
Onde a pesquisa identifica essa quest�o?
Quando o juiz diz que quer simplificar a linguagem, que a linguagem tem de ser compreens�vel, que o cidad�o tem de sair da audi�ncia sabendo se ganhou ou perdeu. Outra constata��o de que o novo quer entrar � que 80% dos ju�zes est�o na rede social. � um dado relevante.
O que dizem eles sobre a rela��o com a imprensa?
S�o dois par�metros. 75% acham que a divulga��o pela m�dia � fundamental para a transpar�ncia. Mas 58,2% entendem como dificuldade a forma negativa com que as imprensa trata, em geral, a atividade dos magistrados.
Qual � a diferen�a expressiva com a pesquisa realizada 20 anos atr�s?
A grande discuss�o, h� 20 anos, era que o Poder Judici�rio era opaco, era uma caixa preta, n�o se tinha acesso a nada. Hoje, � exatamente o oposto. Se fala em autoconten��o do Judici�rio, que o juiz est� ultrapassando os limites, falando demais, e ao mesmo tempo est� decidindo quest�es que ele n�o deveria decidir, que � mat�ria afeta a outros poderes.
Tem havido abuso desse ativismo judicial?
A pr�pria pesquisa revela que sim. O magistrado reconhece que o Judici�rio est� indo al�m do que deveria ir. Uma resposta com 69% diz que o Poder Judici�rio n�o � neutro, e que o magistrado deve considerar as consequ�ncias da decis�o que vai tomar, com o cuidado de n�o ultrapassar sua �rea de atua��o. Quase 70% no primeiro grau, e quase 80% no segundo, assinalaram a import�ncia da preserva��o da dimens�o institucional do Judici�rio.
O que eles contam sobre a rotina, o dia a dia da atividade?
Dizem, fundamentalmente, que despacham os processos e atendem os advogados. Dedicam pouco tempo para pesquisa, e praticamente tempo nenhum para precedentes judiciais. A maioria responde que acha que n�o deve seguir precedente judicial. Isso � um dado ruim, porque, ao mesmo tempo em que ele prioriza a celeridade, e simplesmente n�o d� bola aos precedentes, � um equ�voco, porque a decis�o dele vai subir e o tribunal vai reformar.
E que pol�tica p�blica se pode aplicar a�?
O CNJ tem de conscientizar, fazer o precedente chegar nesta ponta. Esse � um ponto, na forma��o do juiz, que n�s temos que cuidar. � important�ssimo seguir os precedentes. Ainda mais agora, que n�s temos regra expressa. Fala-se hoje num direito dos precedentes - que s�o os artigos 926 e 927 do C�digo de Processo Civil.
Como o CNJ pode ajudar a resolver isso?
N�o atrav�s de disciplina, porque o juiz tem autonomia para decidir. Mas � um processo de mudan�a cultural, que n�o vem da noite para o dia. Voc� tem de ir provando para o juiz que, se ele der uma senten�a contr�ria ao precedente, vai atrasar mais ainda, vai ter que voltar.
O que diz a pesquisa sobre o preparo intelectual dos ju�zes?
70% dos ju�zes fizeram especializa��o, mestrado ou doutorado. Se comparar com o n�mero anterior, cresceu. Ou seja: os ju�zes est�o ficando mais especializados, � uma burocracia tecnicamente mais preparada.
Melhorou, ent�o?
Pela leitura desses indicativos, a magistratura brasileira vem melhorando. H� um choque cultural entre o novo e as pr�ticas conservadoras. Nesse choque, a tend�ncia � o novo ir ganhando, com pr�ticas que priorizem a celeridade, a rapidez, a resolu��o, a efetividade.
O que ela apontou como ruim?
A pesquisa apontou um certo desgaste na sa�de do magistrado. A maioria, 97%, reconhece que os ju�zes est�o muito mais estressados do que no passado. E que casos de depress�o, s�ndrome do p�nico, crise de ansiedade e at� suic�dio s�o mais frequentes do que h� dez anos. � assustador. Outra coisa muito ruim � o ingresso muito pequeno de negros. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
Publicidade
POL�TICA
'Sem pol�ticas efetivas, vamos cair num atoleiro', diz Luis Felipe Salom�o
Publicidade
