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Estado de Minas

'Assistimos ao renascimento da fam�lia imperial', diz FHC

Questionado diretamente sobre o comportamento de Bolsonaro e de seus filhos nas rede sociais, ex-presidente se disse preocupado com o envolvimento da fam�lia no 'jogo do poder' porque 'leva o sentimento demasiado longe'


postado em 17/03/2019 13:00 / atualizado em 17/03/2019 17:04

(foto: Andrew Burton/Getty Images/AFP)
(foto: Andrew Burton/Getty Images/AFP)


De sapat�nis marrom e meia verde-abacate, Fernando Henrique Cardoso recebeu O Estado de S. Paulo na segunda-feira passada, no centro de S�o Paulo, para falar do tema de seu mais recente livro: a juventude. Contou entusiasmado que tem ido caminhar na Avenida Paulista aos domingos, quando a via � fechada para os carros, e disse que tem procurado se adaptar ao modo de pensar das redes sociais, nas quais procura sempre se manter presente. "Eu tenho 87 anos. Quando nasci, a vida era diferente. E da�? Bom n�o � o passado, � o futuro", disse o soci�logo e presidente do Brasil por dois mandatos (1995-1998 e 1999-2002).

FHC queria deixar a pol�tica partid�ria de lado na conversa e se concentrar apenas no lan�amento de Legado para a Juventude Brasileira, uma coautoria com a educadora Daniela de Rogatis. Por�m, ao abordar as redes sociais, acabou analisando o uso do Twitter pelo presidente Jair Bolsonaro: "� muito dif�cil pensar 'tuitonicamente', voc� pode, no m�ximo, emitir um sinal". Para o ex-presidente, a democracia exige racioc�nio e a rede social � operada por impulso.

Questionado diretamente sobre o comportamento de Bolsonaro e de seus filhos (Fl�vio, Eduardo e Carlos) nas rede sociais, FHC se disse preocupado com o envolvimento da fam�lia no "jogo do poder" porque "leva o sentimento demasiado longe" e disparou: "Eu acho perigoso. � abusivo, polariza (...) N�s estamos assistindo ao renascimento de uma fam�lia imperial de origem plebeia. � curioso isso. Geralmente, na Rep�blica, as fam�lias n�o t�m esse peso". Segundo ele, "Bolsonaro est� indo mal por conta pr�pria". Leia a entrevista:

Como surgiu a ideia deste seu mais recente livro?

A ideia foi da Daniela de Rogatis, de fazer um livro que resumisse um pouco o que eu tento passar para as novas gera��es. � uma coautoria. Tamb�m foram acrescentadas aulas que eu dei, uma coisa � falar, outra � escrever.

Qual � o legado que se pode deixar para a juventude brasileira neste momento?

Procuro transmitir um sentimento de amor ao Pa�s, respeito ao povo e valorar a democracia. Fui ministro da Fazenda, conhe�o um pouco de economia, acho que o crescimento econ�mico � importante, mas a mensagem principal est� nos valores e na cren�a de se ter organiza��es abertas em que todos possam participar. Tenho em minha funda��o atividades com os jovens. Uma � essa, que se deve basicamente a Dani Rogatis, que tem como alvo jovens de fam�lias empresariais. H� um outro grupo de pessoas, estudantes de curso secund�rio, escolas p�blicas e privadas, escolas profissionalizantes. Eles me perguntam qualquer coisa e eu s� n�o gosto de responder a quest�es de pol�tica partid�ria, n�o � o meu objeto fazer prega��o. O curioso � que as perguntas dos dois grupos, que s�o diferentes quanto � renda, n�o s�o muito diferentes.

O senhor se atualiza com esses encontros?

Claro, � bom manter contato com as gera��es mais jovens, participar das inquieta��es deles tamb�m. Eu tenho 87 anos. Quando nasci a vida era diferente. E da�? Bom n�o � o passado, � o futuro. Sem desprezar o que j� aconteceu.

O livro expressa uma grande preocupa��o com a aus�ncia de l�deres de peso. Por qu�?

A sociedade contempor�nea, paradoxalmente, na medida em que as estruturas e os partidos deixaram de ser t�o significativos, porque o contato direto � mais f�cil, requer refer�ncias. Essas refer�ncias s� existem quando existem pessoas que as simbolizam. Isso significa que pode estar faltando rumo, algu�m para dizer para onde n�s vamos. O (Nelson) Mandela na �frica era isso. Certa vez fui com ele a uma reuni�o em uma �rea quase florestal da �frica do Sul. Quando ele chegou, mesmo sem falar, ele transmitia uma emo��o. O que ele estava dizendo n�o era t�o surpreendente. Ele era surpreendente, ele transmitia, ele significa. O mundo precisa disso, de pessoas que apontem rumos mesmo sem falar. Aqui no Brasil, infelizmente, tem muita gente falando e muito pouca gente simbolizando qualquer coisa. Eu posso n�o estar de acordo com o Lula, mas ele simbolizou em certo momento. Eu vi, em greves, ele simbolizava, por exemplo.

E na transi��o de seus mandatos para o dele ambos simbolizaram alguma coisa, n�o?

Bastante. Eu vou publicar o �ltimo volume dos meus Di�rios da Presid�ncia e voc� ver� como trabalhamos com muito afinco para ter uma transi��o civilizada. Sabe por qu�? Pelo meu amor � democracia. � preciso entender que na democracia mudam os ventos, mas certas regras permanecem e precisam ser valorizadas. No caso do Lula � vis�vel. Ele vinha contra mim, contra o PSDB, mas ele ganhou a elei��o. Eu digo a mesma coisa com rela��o ao Jair Bolsonaro. Ele ganhou a elei��o e eu n�o tor�o para que ele v� mal. Ele est� indo mal por conta pr�pria.

De que maneira o senhor acha que essa comunica��o via redes sociais impacta a pol�tica?

Primeiro, � dif�cil o Twitter. Voc� dizer alguma coisa naquele pouco espa�o dispon�vel n�o � f�cil. Em geral as pessoas n�o dizem quase nada, apenas manifestam o que est�o fazendo. Isso passou a ser o modo com que as pessoas acham que pensam. � muito dif�cil pensar "tuitonicamente". Voc� pode, no m�ximo, emitir um sinal. N�s estamos vivendo uma transforma��o de uma sociedade na qual as elites eram reflexivas para uma sociedade na qual todos s�o impulsivos. Isso tem efeito. � bom? � mau? Eu n�o quero julgar. Como a democracia vai se ajeitar com isso � a grande quest�o. A democracia requer reflex�o, escolhas. O Twitter leva mais ao impulso do que a uma escolha racional, e democracia necessita de algo um pouco racional.

Como o senhor v� a maneira como o presidente Bolsonaro e os filhos dele, que s�o jovens, usam as redes sociais?

Eu acho perigoso. � abusivo, polariza. O Twitter facilita isso, o n�s contra eles. Isso para a democracia n�o � bom. Os l�deres de v�rias tend�ncias n�o deveriam entrar nesse choque direto. N�s estamos assistindo ao renascimento de uma fam�lia imperial de origem plebeia. � curioso isso. Geralmente, na Rep�blica, as fam�lias n�o t�m esse peso. Quando t�m, � complicado, porque a institui��o pol�tica n�o � a institui��o familiar, s�o coisas diferentes. Quando voc� tem a institui��o familiar assumindo parcelas do jogo de poder, voc� leva o sentimento demasiado longe. O jogo de poder requer um equil�brio estrat�gico, de objetivos e meios para se chegar l�. Quando a pura emo��o domina � um perigo, porque voc� leva ao n�s e eles: est� do meu lado ou est� contra mim?

A preocupa��o do senhor com a radicaliza��o tem sido grande.

Radicalizar no sentido de ir � raiz da quest�o, n�o como oposi��o. O que � central para um sujeito que n�o seja do Centr�o fisiol�gico? Para mim, s�o duas coisas basicamente, a cren�a na democracia e o sentimento de que � preciso maior igualdade social, isso � o miolo do que � radicalmente centro. Nesse livro, isso reaparece, porque faz parte de treinar a pensar no Brasil. Eu tenho uma preocupa��o com a concentra��o de renda e poder, me preocupa tamb�m que a diferen�a entre Nordeste e S�o Paulo seja muito grande. Voc� n�o deve deixar que uma na��o se divida. A fun��o do Estado � ter maneira de induzir o crescimento e equalizar as oportunidades. Est� muito desigual o Brasil.

O senhor diria que este livro � mais pessimista ou otimista?

A despeito de tudo, � mensagem de otimismo. Eu n�o posso ser pessimista. Vim para S�o Paulo em 1940, vi esta cidade crescer e continua crescendo. Tem 18 milh�es de habitantes e todos os dias de manh� tem p�o, �nibus, luz el�trica. Ainda � prec�rio? Pode at� ser, mas o Brasil mudou para melhor, n�o foi para pior. Para a classe m�dia alta, talvez a vida seja mais dura. Mas quem pertencia a essa classe h� 50 anos? Um grupo pequeno. De vez em quando eu vou passear a p� na Avenida Paulista aos domingos, quando ela est� fechada para carros. Voc� v� o pessoal usufruindo a cidade, n�o tem briga, � s� voc� n�o ter medo dos outros. Est�o desfrutando a vida. Isso n�o havia. � uma experi�ncia interessante. � gente que mora na periferia e vem para a Paulista, para a Augusta, para o Minhoc�o aos domingos usufruir democraticamente da cidade.

O conceito de democracia est� em risco no Brasil?

Isso me preocupa. A juventude atual � mais bem-nascida do que a anterior. Desfruta de algumas coisas como se elas fossem dadas. N�o sei se isso vai gerar solidariedade. Com quem as pessoas se preocupam na Europa? Com os de fora, com os imigrantes. Aqui, n�o. S�o os de dentro que n�o t�m. � preciso despertar nos jovens desse grupo a consci�ncia disso, sem fazer demagogia.

Por que a juventude chegou a um momento de descr�dito com os partidos e as institui��es?

A forma de organiza��o da produ��o e da vida na sociedade, com a liga��o direta na internet, mudou as coisas. Os partidos n�o se adaptaram. Os candidatos, alguns, sim. As institui��es ficaram aqu�m das pessoas no mundo todo e isso criou a ilus�o de que voc� pode ter a democracia direta.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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