(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas Entrevista Dom Walmor Oliveira de Azevedo

"A polariza��o � um desservi�o � sociedade", diz novo presidente da CNBB

Rec�m-eleito para a CNBB, o arcebispo de BH afirma que caminho para o pa�s � o di�logo


03/06/2019 06:00 - atualizado 03/06/2019 07:45

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Dom Walmor Oliveira de Azevedo (foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Bras�lia – A voz pausada, o discurso calmo e o direcionamento de qualquer palavra para falar de Deus mostram bem a conduta de dom Walmor Oliveira de Azevedo na sua fun��o: a de um pastor que leva ovelhas em um caminho tortuoso e com o clima extremamente inst�vel.

A met�fora aponta para a responsabilidade que ele assumiu h� algumas semanas, ao ser escolhido como novo presidente da Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), organiza��o antes conduzida por dom S�rgio da Rocha, arcebispo de Bras�lia. Dom Walmor tem a consci�ncia da polariza��o que toma conta da Igreja Cat�lica, do Brasil e do mundo. Mesmo assim, n�o perde o controle.

Como n�o se enraiveceu com cr�ticas, que o colocam �s vezes como conservador, �s vezes como liberal, Dom Walmor, arcebispo de Belo Horizonte, nem se d� ao trabalho de se definir. Mas moderado seria um conceito bem servido. “Os irm�os bispos me escolheram por confiarem em mim, por valorizarem minha experi�ncia e meu conhecimento”, diz, sem vaidade aparente.

Ele esteve em Bras�lia na semana passada para participar do Conselho Episcopal Pastoral, �rg�o que re�ne comiss�es respons�veis por colocar em pr�tica as diretrizes decididas na 57ª Assembleia Geral da CNBB (que ocorreu em maio, em Aparecida-SP, e elegeu Dom Walmor).

Aproveitou para se reunir, ao lado da diretoria, com o presidente Jair Bolsonaro. E, claro, o assunto das reformas – principalmente a previdenci�ria – surgiu na conversa.

“A CNBB, como Igreja, n�o se coloca contra reformas. As reformas precisam existir: previdenci�ria, tribut�ria, fiscal, no �mbito do governo, no pr�prio Judici�rio”, definiu dom Walmor.

O que ele e os outros membros da CNBB deixaram claro para Bolsonaro � que nenhuma das reformas deve sacrificar os mais pobres. Como conseguir isso? “O �nico caminho � o di�logo”, ensina o baiano de 65 anos, doutor em teologia b�blica e mestre em ci�ncias b�blicas, e que tem como lema episcopal uma mensagem forte: “Para cuidar os feridos no cora��o”. “Eu escolhi esse lema por compreender o meu minist�rio, como padre, que a humanidade tem muito sofrimento, muita dor, e todo o mundo procura sua cura. E a cura est� em Cristo”. Confira os principais trechos da entrevista com o religioso.

 

O senhor declarou que orou para n�o ter o desejo de se eleger presidente da CNBB, durante a escolha. Agora, tem um trabalho �rduo at� 2023. Com essa ora��o em mente e muitas outras que o senhor fez desde ent�o, por que o senhor acha que foi escolhido para a fun��o?
Com muita simplicidade de cora��o, sem nenhum sentido de vaidade, considere que os irm�os bispos me escolheram por confiarem em mim, por conhecerem a minha seriedade no trabalho mission�rio de igreja, por valorizarem minha experi�ncia e meu conhecimento, e o modo como, naturalmente, eu conduzo, como primeiro servidor, a Arquidiocese de Belo Horizonte. Ao considerarem esse conjunto e este momento que n�s estamos vivendo, eu estou convencido que, por essas raz�es, eles escolheram me colocar nessa enorme responsabilidade. Eu n�o a desenvolvo sozinho, mas colegialmente, com todos os bispos do Brasil, a partir do trabalho que certamente � o mais importante: aquele que se faz em cada diocese, em cada par�quia, em cada comunidade e, por conseguinte, que n�s precisamos a partir daqui da CNBB.

''Se algu�m disser - e a palavra de Deus � muito clara nisso- que cr� , mas n�o faz nada por aquele que precisa, ent�o, a sua f� n�o � aut�ntica''



O senhor participou agora do Conselho Episcopal Pastoral, a primeira reuni�o com a nova dire��o. J� h� algo de concreto de planos da CNBB?
N�s trabalhamos aqui, sobretudo, ouvindo e abrindo pistas e caminhos para as 12 comiss�es episcopais e pastoral. O horizonte para esse trabalho, no sentido de fazer um plano quadrienal de nossas atividades, est� nas diretrizes gerais da a��o evangelizadora para Igreja no Brasil. Foi exatamente o tema central e mais importante l� na 57ª Assembleia Geral, que realizamos de 1º a 10 de maio, em Aparecida, no Santu�rio Nacional. Agora, tudo o que discutimos, tudo o que indicamos e tudo o que foi j� visto pelas comiss�es, tudo dever� encaminhar para cada comiss�o realizar o seu projeto. O que vamos dar mais um passo, em junho, � quando teremos a reuni�o de mais um �rg�o, depois da Assembleia Geral, o mais importante, que � o Conselho Permanente, trazendo aqui os bispos presidentes das 12 comiss�es episcopais, comiss�es especiais e, sobretudo, a importante presen�a dos presidentes dos 18 regionais e seus representantes, para delinearmos concretamente o que vamos fazer no horizonte, no grande objetivo geral, que � evangelizar o Brasil, cada vez mais, para formar disc�pulos � luz da palavra de Deus, anunciando o Evangelho, � luz da op��o preferencial pelos pobres, formando disc�pulos e cuidando da casa do Senhor. Esse � o grande horizonte do nosso trabalho.

O senhor falou da op��o preferencial pelos pobres, algo muito trabalhado pela teologia da liberta��o, que � um movimento relacionado � esquerda. Mas sua fala n�o � ideol�gica, �?
Quando n�s falamos da op��o preferencial pelos pobres, n�o estamos falando como soci�logos, nem como aqueles que, nos segmentos da sociedade, por exemplo, governamentais, em tarefas espec�ficas. N�s estamos falando de algo que � intr�nseco � f�: o amor aos mais pobres, a defesa daqueles que s�o mais fr�geis, a luta e o trabalho para que a sociedade seja mais justa, fraterna e solid�ria. Se algu�m disser – e a palavra de Deus � muito clara nisso – que cr�, mas n�o faz nada por aquele que precisa, ent�o, a sua f� n�o � aut�ntica.

O senhor assume a presid�ncia da CNBB em uma �poca muito dif�cil no Brasil, seja na religi�o, seja na pol�tica, seja na sociedade, de dicotomias: esquerda/direita, liberal/conservador, progressista/tradicionalista. Como o senhor v� isso, essa divis�o tanto na sociedade como dentro da pr�pria Igreja Cat�lica?
O nosso mundo � um mundo de grandes e velozes mudan�as culturais. Por isso mesmo, n�o estamos conseguindo como mundo e tamb�m como sociedade brasileira dar conta de administrar, na velocidade e na complexidade, todas essas mudan�as. Entendo que � da� que v�m as polariza��es. N�o se d� conta de ver o que mudou, o que � preciso dar como nova resposta, o que � preciso, de fato, resgatar dos valores que �s vezes foram negociados, perdidos ou deles distanciados. E isso afeta internamente a Igreja tamb�m, que est� no cora��o do mundo, como afeta institui��es governamentais e da sociedade, afeta a fam�lia, afeta cada cidad�o. O caminho, pensando na sociedade plural, � o caminho do di�logo. O caminho, portanto, de qualquer tipo de polariza��o, � um desservi�o � sociedade, � um distanciamento da verdade e � uma impossibilidade de constru��o daquilo que � preciso. Por isso, � importante o di�logo. E o di�logo para n�s, crist�os, tem sua fonte e seu embasamento no Evangelho de Jesus Cristo. Por isso, gosto sempre de me referir que n�s temos que pautar a nossa vida em sentimentos, em escolhas, em modos de ser e nos relacionar no horizonte do Evangelho de Mateus, cap�tulo 5 a 7: o Serm�o da Montanha. A�, o di�logo n�o � um di�logo demag�gico, n�o � um di�logo interesseiro, mas � um di�logo marcado pela for�a do amor. Esse � o caminho. E eu compreendo que a Igreja est� no mundo para isso. Agora, de modo muito mais especial. E como Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil, essa � a nossa grande tarefa, sobretudo fecundando e fomentando entre n�s, os bispos, a colegialidade afetiva, que � um cora��o da CNBB. As nossas diferen�as se enriquecendo para ser uma grande for�a e nessa for�a mission�ria ajudarmos a proclamar a palavra de Deus, a anunciar o Reino de Deus. E, assim, tamb�m ajudar a sociedade por nosso testemunho a encontrar esse caminho. Por isso, somos chamados fortemente ao di�logo. Qualquer institui��o, qualquer grupo, qualquer segmento, qualquer pessoa, se quiser contribuir para uma sociedade mais justa e solid�ria, tem que dialogar. Como n�s, na nossa experi�ncia de f� crist�, temos essa compreens�o porque Deus dialoga conosco. Ele � Deus, mas dialoga com a humanidade. E dialoga de uma maneira t�o profunda que envia o seu pr�prio filho, Jesus Cristo. Ele assume nossa condi��o, igual a n�s em tudo, exceto no pecado, para exatamente estabelecer o di�logo entre Deus e a humanidade. Portanto, o caminho � o di�logo. N�s podemos, com a for�a do di�logo, fazer um novo momento na hist�ria no Brasil, um novo momento na nossa cultura brasileira. Inclusive valorizando princ�pios e refer�ncias muito fortes na nossa cultura brasileira, que com o tempo perdemos o contato.

''Evangelizar o Brasil, cada vez mais, (...) anunciando o Evangelho, � luz da op��o preferencial pelo pobres, formando disc�pulos e cuidando da casa do Senhor. Esse � o grande horizonte do no9sso trabalho''



Por falar em di�logo, havia tamb�m a expectativa de uma conversa com o presidente Jair Bolsonaro. Como ser� essa conversa?
Exatamente hoje (essa entrevista foi realizada na �ltima quarta-feira, 29 de maio), os quatro membros da presid�ncia (da CNBB) — o presidente, os dois vices (dom Jaime Spengler e dom M�rio Ant�nio da Silva) e tamb�m o secret�rio-geral (dom Joel Portella Amado), tivemos uma visita muito cordial com o presidente Bolsonaro, na qual fomos muito bem recebidos e dialogamos de maneira muito sincera, honesta. Um di�logo cordial, compreendendo que a Igreja est� no cora��o do mundo, como Igreja servidora do Evangelho, para ajudar a defender os princ�pios que s�o irrenunci�veis e fundamentais para a sociedade avan�ar. Com as nossas muitas preocupa��es, sobretudo com aqueles que sofrem mais, aqueles que t�m menos condi��es. Convencidos de que precisamos de muitas reformas e, sobretudo, uma compreens�o l�cida para que as reformas possam ser justas, possam, de fato, empurrar o Brasil na dire��o que ele precisa ir e, de modo especial, levando em conta aqueles que precisam mais de n�s.

Voc�s falaram especificamente sobre a reforma da Previd�ncia?
Na verdade, n�s falamos, sobretudo, da rela��o igreja/governo, como � importante falar da rela��o entre a igreja e outros segmentos importantes da sociedade, nesse di�logo, no qual a igreja tem, pode e deve trazer a sua grande contribui��o na for�a moral do Evangelho, na defesa de valores, na proposta de valores que possam reordenar o caminho da vida. N�s estamos abertos. O presidente se colocou, com alegria, aberto para o di�logo. N�s queremos dialogar em uma sociedade que � complexa, que � muito exigente. Mas, como disse h� pouco, o �nico caminho � o di�logo, para que pela for�a do di�logo, � luz de valores que professamos, consigamos a lucidez necess�ria para encontrar o caminho para dizer o sim, para dizer o n�o, para escolher adequadamente.

Mas pouco antes da elei��o do senhor, a CNBB, de certa forma, se colocou contra a reforma da Previd�ncia, por afetar os mais pobres. A CNBB tem uma posi��o oficial agora, depois dessa conversa?
A CNBB, como Igreja, n�o se coloca contra reformas. As reformas precisam existir: previdenci�ria, tribut�ria, fiscal, no �mbito do governo, no pr�prio Judici�rio. Muitas reformas precisam acontecer. Ali�s, a nossa vida s� vai adiante quando n�s nos dispomos a fazer reformas para dar as respostas aos novos tempos. O que compartilhamos com grande preocupa��o � exatamente essa (de afetar os mais pobres) e tem que ser um conceito na sociedade: fazer reformas para que a sociedade seja justa, fraterna e solid�ria, e nunca se penalize aqueles que s�o mais pobres. As reformas s�o necess�rias, por isso, precisamos de muito di�logo, de muita luz do Esp�rito Santo de Deus, para que o passo dado seja um passo para o bem do conjunto da sociedade, de uma sociedade assentada sobre valores como s�o os valores crist�os e que s�o fundamentais e determinantes para um mundo novo.

Mas algumas reformas dentro da pr�pria Igreja Cat�lica s�o mais delicadas como a quest�o do aborto ou da homossexualidade. Claro, h� conceitos dentro da institui��o que n�o ser�o mudadas, como a defesa da vida...
As reformas s�o necess�rias e elas t�m um caminho para serem feitas, por�m, elas n�o podem sacrificar valores que s�o inegoci�veis. A Igreja tem que avan�ar. Ela se reforma internamente, por isso, a gente diz que a Igreja est� sempre se reformando. Mas ela n�o pode ser reformar, assim como sociedade n�o pode ser reformar, como as inst�ncias n�o podem ser reformadas abrindo m�o de princ�pios que s�o inegoci�veis. Por exemplo, a vida. N�s temos que defender em todas as suas etapas, desde a concep��o at� o momento �ltimo da morte natural. Portanto, algu�m poderia dizer – e estaria na nossa contram�o: ‘Vamos reformar, abrindo m�o de valores que s�o inegoci�veis’. N�o. At� porque, na medida em que n�s n�o abrimos m�o de valores inegoci�veis, � que n�s encontraremos a luz e o caminho para a reforma que se precisa, com as respostas adequadas e que s�o exigidas.

Por outro lado, o papa Francisco fala muito de um novo tipo de Igreja, com os bra�os abertos. Isso mexe com a situa��o, por exemplo, dos homossexuais, que querem fazer parte da Igreja Cat�lica. Como isso � visto dentro da CNBB?
A Igreja � uma casa de portas abertas para todos os seus filhos e filhas, desde aquele que est� fortalecido, aquele que tem condi��es de uma resposta mais pr�xima do que o Evangelho nos pede, at� aqueles que est�o ca�dos. Por isso, o papa Francisco usa uma express�o muito bonita: a Igreja � um hospital de campanha. Ela tem que se debru�ar sobre todas as pessoas. Ao debru�ar-se sobre as pessoas, � como ele mesmo diz: ‘Prefiro uma Igreja enlameada do que limpa e distante das pessoas’. A �nica coisa importante que nunca vai acontecer � a gente abrir m�o dos valores, do ideal de santidade, de uma vida adequada, justa, na moralidade. Portanto, n�o se descrimina absolutamente a ningu�m, mas n�s estamos tamb�m nos debru�ando sobre n�s mesmos, sobre os outros, sobre aqueles que est�o ca�dos pelo caminho. Mas n�s n�o abrimos m�o dos nossos valores, at� porque � na for�a desses valores que n�s nos resgatamos e encontramos a sabedoria para o caminho. Por isso, abrir m�o de valores inegoci�veis, de princ�pios morais fundamentais, n�o significa outra coisa sen�o o verdadeiro fracasso.

Sobre a quest�o dos abusos por parte de padres e bispos, o papa Francisco est� sendo cada vez mais duro. A CNBB vai seguir o mesmo caminho?
Quando se trata de abuso de menores – embora, ao se considerar a porcentagem na sociedade em rela��o aos consagrados, ela � bem menor, quase insignificante diante de tudo o que tem acontecido, lamentavelmente, e � um cuidado que o conjunto da sociedade precisa tomar e olhar –, para n�s, na Igreja, em sintonia profunda com o papa Francisco, � toler�ncia zero. Por isso, n�s estamos em um caminho muito importante, com trabalho acelerado de uma comiss�o para tratar da tutela de menores, exatamente para orientar procedimentos jur�dicos e can�nicos, de como fazer em cada diocese, o passo a passo. E, ao mesmo tempo, tratando, ouvindo e apoiando v�timas, para que a Justi�a seja feita e a recupera��o e o alento �s pessoas que sofreram – e que, para n�s, � lament�vel – possam ter, de nossa parte, uma presen�a solid�ria. � uma aposta de recomp�r vidas e cora��es, que � uma tarefa muito importante, porque para a Igreja nada � mais importante, na sua miss�o, do que cada pessoa, cada homem, cada mulher, a humanidade como um todo. Por isso, toler�ncia zero. E n�s estamos trabalhando. Esperamos concluir um trabalho acelerado, da mais alta import�ncia, para que n�s possamos agir em um horizonte das orienta��es e das determina��es que nos v�m do papa Francisco.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)