
“O que vamos usar s�o os outros poderes, a indigna��o p�blica e a quest�o das perdas econ�micas para tentar neutralizar as a��es, porque enquanto o governo se diverte em destruir o meio ambiente, as consequ�ncias econ�micas ser�o terr�veis e as ambientais podem ser n�o apenas terr�veis, como eternas”, disse sobre as condi��es da governan�a ambiental neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, institu�do pela Assembleia Geral das Na��es Unidas, em 1972. Humano.
Para ele, o Congresso se tornou o Poder mais importante, j� que grande parte das modifica��es que o governo pretende fazer precisam de aprova��o dos parlamentares.
Como o Brasil chega ao 5 de junho este ano?
Chegamos com uma quantidade t�o grande de problemas e amea�as para o Meio Ambiente, entre atos do Executivo e do Legislativo ou amea�as por declara��es. Chegamos em uma situa��o de risco in�dita. Pela primeira vez na hist�ria, desde a redemocratiza��o, temos um presidente da Rep�blica e um ministro do Meio Ambiente que tem uma agenda anti ambiental, de destrui��o do Meio Ambiente e dos �rg�os que operam a pol�tica ambiental no Brasil. Tudo � in�dito. Seja pela quantidade, pelo retrocesso ou pela viol�ncia.
As institui��es brasileiras est�o preparadas para lidar com essa situa��o ou para responder � resist�ncia da sociedade e do movimento ambiental?
Isso n�o vamos ter que testar daqui para frente. E n�o vai acontecer apenas na �rea ambiental. O Meio Ambiente � uma das agendas que o pr�prio governo escolheu como agenda inimiga, como direitos humanos, cultura e educa��o, que j� colocou duas passeatas na ruas. S�o diversas agendas que est�o sendo atacadas. As inst�ncias ser�o utilizadas. O Congresso se tornou o Poder mais importante. Mais do que nunca, pois, para a �rea ambiental, grande parte das modifica��es que o governo pretende fazer, ou que vem anunciando, precisam passar pelo Congresso, por exemplo, para desfazer unidades de conserva��o, rever demarca��o de terras ind�genas, alterar o C�digo Florestal. Com esse desmonte, v�o entrar no Congresso temas que n�o estavam. O Supremo Tribunal Federal acaba sendo a reta final para garantir o cumprimento da Constitui��o, principalmente dos artigos 225 (direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado), e 231 e 232 (direitos ind�genas). Vamos usar todas as possibilidades, pois infelizmente talvez seja necess�rio. Hoje, temos uma sociedade que presta muito mais aten��o na agenda ambiental do que antes. Al�m disso, o meio ambiente faz parte dos neg�cios e das decis�es dos mercados, principalmente os internacionais, que mant�m rela��es comerciais com o Brasil. O aumento do desmatamento da Amaz�nia influencia a exporta��o de commodities brasileiras. Uma libera��o, com est� acontecendo de agrot�xicos, ou da ca�a animal, ou o pr�prio desmatamento, t�m uma repercuss�o p�blica muito maior do que h� anos.
''Chegamos em uma situa��o de risco in�dita. Pela primeira vez na hist�ria, desde a redemocratiza��o, temos um presidente da Rep�blica e um ministro do Meio Ambiente que tem uma agenda anti ambiental''
Como superar o velho falso dilema: desenvolvimento X preserva��o?
Esse � o pensamento do atual do governo, mas � do s�culo passado. Parece que ele quer se convencer de algo, mas o mundo inteiro j� tomou outra dire��o. Inclusive, os pr�prios exportadores, principalmente de produtos agr�colas brasileiros. Eles entenderam que a quest�o ambiental � muito importante para os neg�cios deles, que est�o ligados � economia do pa�s, � gera��o de empregos, e afeta o dia a dia do cidad�o. Por exemplo, antes de tomar posse, o primeiro gesto do governo foi revelador. Bolsonaro anunciou a sa�da do Acordo de Paris e o fechamento do Minist�rio do Meio Ambiente. A �rea de meio ambiente reagiu, mas teve tamb�m uma forte rea��o do setor da agropecu�ria, porque eles entenderam que esse gesto seria um recado de que o Brasil abriu m�o de cuidar de seu patrim�nio ambiental, o que afetaria os neg�cios deles e, consequentemente, a economia brasileira. Ent�o, o pensamento do governo est� absolutamente isolado do restante do mundo.
Outro aspecto � que Bolsonaro ganhou as elei��es, mas junto n�o veio um cheque em branco para destruir o patrim�nio natural do Brasil. Liberar a ca�a de animais silvestres, que � assassinato por esporte, e mais agrot�xicos n�o s�o projetos que t�m o apoio dos brasileiros. Incentivar o desmatamento, que gera impacto no clima e est� ligado ao crime organizado, n�o t�m o apoio da popula��o. Essas medidas v�o pesar muito, principalmente para o Congresso, pois se o governo n�o est� aberto a se convencer de seus erros, acredito que os deputados est�o dispostos a seguir outro caminho, e o STF e os tribunais do pa�s tamb�m.
A sociedade brasileira pode se mobilizar a favor do meio ambiente, como tem feito com a educa��o?
Com rela��o ao meio ambiente, pode ser diferente. Pode ter movimento de rua, mas n�o necessariamente. Pode ser uma rea��o muito forte de redes sociais ou de agentes de influ�ncia e da imprensa. Tudo isso mobiliza o Congresso para n�o aprovar as leis, como aconteceu recentemente quando o presidente do Senador, Davi Alcolumbre, decidiu n�o votar, no afogadilho, a Medida Provis�ria 867, que enfraquecia o C�digo Florestal. Isso foi fruto de uma press�o p�blica feita diretamente nos senadores. N�o sei se eles votariam a favor ou contra, mas eles entenderam que, para a sociedade, � um assunto extremamente importante. Na �poca do ex-presidente Michel Temer, tivemos o exemplo da Renca (decreto do presidente que extinguiu a Reserva Nacional do Cobre e Associados), o debate sobre agrot�xicos tamb�m foi muito intenso no Congresso, com o PL do Veneno (6.299/2002), e, mesmo com ampla maioria de votos, a bancada ruralista n�o conseguiu aprov�-lo. Foi votado na Comiss�o Especial e est� parado at� hoje na mesa da C�mara. O Congresso n�o se v� preparado para votar um tema com tamanha polariza��o. N�o existiu at� agora mudan�as legislativas de alto impacto que dependesse do Congresso na Pol�tica Ambiental.
Mas de l� para c� o governo j� aprovou o uso de mais de uma centena de novos agrot�xicos...
A Lei dos Agrot�xicos tamb�m ainda est� parada l�. Esses grandes temas continuam no Congresso. Tudo o que o governo pode fazer com a caneta do Executivo, com atos pr�prios do Executivo no sentido de promover retrocessos ambientais, est� fazendo sem d� nem piedade. Deste governo, s� esperamos as piores not�cias para a �rea ambiental. N�o esperamos que tenha consci�ncia ou arrependimento do mal que est� fazendo para o pa�s. O governo tem consci�ncia de que a agenda � ruim, mas est� determinado a promover o desmonte da agenda ambiental. O foco do governo � destruir o meio ambiente. Isso est� muito claro. O que vamos usar s�o os outros poderes, a indigna��o p�blica e a quest�o das perdas econ�micas para tentar neutralizar as a��es, porque enquanto o governo se diverte em destruir o meio ambiente, as consequ�ncias econ�micas ser�o terr�veis e as ambientais podem ser n�o apenas terr�veis, como eternas.
E o que n�o pode ser revertido ou recusado pelo Congresso? O governo tem outros instrumentos para mudar a pol�tica ambiental.
Ele tem o or�amento das ag�ncias, onde est� promovendo um desmonte. Ele reduziu em 30% a aplica��o de multas no primeiro trimestre do ano. E j� est� reduzindo as coopera��es de fiscaliza��o e controle ambiental. E est� desmontando todos os conselhos e a participa��o da sociedade. O ministro j� deu declara��es que pretende diminuir ou at� acabar com a transpar�ncia de dados, principalmente na quest�o do desmatamento. O Brasil exporta essa tecnologia (de transpar�ncia de dados). Ele cria dificuldades para os �rg�os atuarem na fiscaliza��o, por exemplo, ao diminuir or�amento, ao criar um clima de inseguran�a e de persegui��o, chamar � explica��o quem estiver emitindo multas que ele n�o concorda, amea�ar com processos administrativos, exonerar fiscal que multou o presidente da Rep�blica. S�o formas de intimida��o. Houve v�rias manifesta��es do ministro e do presidente vociferando contra fiscais, servidores e opera��es.
Eu nunca vi o presidente da Rep�blica ou o ministro fazerem uma declara��o contra um criminoso ambiental. As declara��es deles s�o contra quem combate o crime. N�o contra o crime. Quem est� liderando a pasta � quem determina o ambiente que voc� vai ter l� dentro. O ministro criou (em mar�o, por decreto) algo que ele chama de C�mara de Concilia��o de Multas Ambientais, que � como se fosse a antessala do processo. Antes da multa ser validada, ela vai para essa C�mara de concilia��o, sem prazo para julgar. Corre-se o risco de ter todas as multas jogadas em um limbo eterno de an�lise e elas nunca serem efetivadas. � uma esp�cie de balc�o que eterniza as multas e faz com elas nunca sejam aplicadas efetivamente. O que a gente vai fazer � primeiro � escandalizar esse tipo de coisa, expor para a sociedade, buscar rea��o e caminhos legais no Congresso, na Justi�a e nos mercados, que � o caminho mais r�pido.
E sobre o desmatamento. Como est� o acesso aos dados?
O desmatamento do ano passado foi o maior dos �ltimos dez anos. A coleta de dados � conclu�da em julho e os dados saem em novembro. O ministro ainda n�o teve a oportunidade de fazer o que prometeu, que � questionar os dados. E estamos prestando muita aten��o nisso porque o governo fez isso com o IBGE. Quando o governo n�o gosta dos n�meros, ele atira no mensageiro e coloca fogo na mensagem. Estamos muito atentos com a quest�o da transpar�ncia dos n�meros
Um dado que saiu recentemente foi um recorte para Unidades de Conserva��o. Foi um desmatamento recorde para unidade e conserva��o. Todos os dados de agora s�o indicativos. Em junho e julho o desmatamento ganha velocidade, porque � seca na Amaz�nia. O desmatamento � um investimento profissional do crime. Custa muito caro desmatar. Existe um planejamento criminoso para derrubar floresta e eles se preparam para esse momento, e talvez estejam mais confiantes do que nunca.
D� para contar com ajuda internacional? Inclusive com rela��o a essa resist�ncia?
A gente j� Conta. A Noruega e a Alemanha d�o dinheiro para o Brasil para preserva��o. S�o governos de primeiro mundo que n�o est�o interessados em ditar as regras para a Amaz�nia. Eles d�o direto para o governo e n�o para ONGs ou projetos espec�ficos. O que eu acho que vai ter de rea��o internacional, � uma rea��o comercial. Por exemplo, o presidente da Fran�a, antes de assumir e agora mais recentemente, disse que seria promotor de pol�ticas p�blicas que evitassem comprar produtos manchados pelo desmatamento. Ele falou isso v�rias vezes e a Fran�a � um mercado importador dos produtos brasileiros.
O Fundo Amaz�nia recebe R$ 1,9 bilh�o e financia 103 projetos. Podemos perder esses recursos por conta de declara��es do ministro de que pode usar os recursos para indeniza��o de desapropria��o?
A doa��o que os governos da Alemanha e da Noruega fazem veem do contribuinte alem�o e noruegu�s. Eles est�o interessados em ajudar o Brasil a combater o desmatamento. Mas talvez o contribuintes alem�o e noruegu�s n�o estejam dispostos a ver seu dinheiro usado para pagar um grileiro de terra. Essa � uma rea��o que o governo est� provocando. Como ele tem uma pol�tica anti-ambiental e o interesse desses pa�ses � a preserva��o do Meio Ambiente, esses interesses come�am a correr em dire��o oposta. � um risco enorme. E est� nas atitudes do governo, em querer fazer o que n�o foi acordado, porque h� um limite no desmatamento para que esses recursos venham para o Brasil. Se passar de um certo n�mero, fica comprovado que as doa��es n�o est�o tendo efici�ncia. A vinda dos recursos est� condicionada a resultados do combate ao desmatamento. Se o desmatamento avan�a, n�o est� havendo efici�ncia.
No m�s passado, houve uma reuni�o dos ex-ministros de Meio Ambiente que divulgaram um comunicado denunciando o “desmonte da pol�tica ambiental”. O que esperar desse encontro?
� mais uma das coisas in�ditas provocadas pelo governo. Nunca teve uma cena dessas acontecendo no Brasil. Oito ex-ministros de partidos e convic��es diferente, de forma de atua��o diferente, passarem por cima dessas diferen�as e se unirem para fazer um alerta comum, que � a preocupa��o com o rumo das pol�ticas. A for�a deles � o alerta e passaram um recado muito forte, que � lido por todos aqueles que t�m poder de fazer algo ou provocar resultados. Os parlamentares ouviram o recado dos oito ministro, os ministros do supremo e os mercados internacionais certamente tomaram conhecimento. Esse � poder. De exposi��o e mobiliza��o da opini�o p�blica. N�o impede que o ministro continue com sua agenda destrutiva, mas tem o poder de sinalizar que as coisas est�o muito ruins.
Qual sua opini�o sobre negativa do governo de aderir ao acordo da ONU para a redu��o do uso do pl�stico? Isso n�o piora a situa��o dos oceanos?
O padr�o b�sico desse governo � esse. N�o surpreende. A pergunta b�sica �: � bom para o meio ambiente? ent�o, o governo � contra. Esse � o modus operandi. Sobre oceanos, ele liberou a explora��o de �leo de g�s numa �rea de Abrolhos que havia sido barrada tecnicamente, por conta do risco em regi�es de ber��rio. Mesmo com o parecer t�cnico do Ibama, dizendo que n�o podia fazer o investimento, o governo fez a revers�o e liberou. Em tamb�m tem o processo que afeta os corais no Amap�, mas esse processo ainda est� em an�lise. N�o h� como aplicar os requisitos m�nimos de seguran�a para a explora��o de �leo l�.
� poss�vel comemorar a volta da Funai e da demarca��o das terras ind�genas para o Minist�rio da Justi�a?
Em temos de efeitos pr�ticos muda muito pouco. � melhor ficar na Justi�a, mas isso do ponto de vista administrativo. Do ponto de vista concreto, o que vale � decis�o do governo de demarcar ou n�o terras ind�genas e o governo deixa claro que, al�m de n�o demarcar nenhuma, � poss�vel que v� rever as que existem.
H� algo positivo nesse governo na �rea ambiental?
N�o tem nada. Essa resposta � vazia. O primeiro contato do governo com o Meio Ambiente foi anunciar que ia acabar com o Minist�rio do Meio Ambiente e depois nomear para a pasta um condenado por fraude ambiental para comandar a pasta (o ministro Ricardo Salles foi acusado pelo Minist�rio P�blico de fraudar o processo do Plano de Manejo da �rea de Prote��o Ambiental da V�rzea do Rio Tiet�, quando foi secret�rio estadual de S�o Paulo). Esse foi o cart�o de visita do Bolsonaro para quest�o ambiental. Essas agendas mais agudas, como mudan�a no C�digo Florestal, altera��o do licenciamento, libera��o de agrot�xicos, de planta��o de de cana-de-a��car na Amaz�nia e libera��o de ca�a s�o assuntos velhos. Bolsonaro nem era candidato quando essas discuss�es come�aram. O que ele faz � dar velocidade e advogar em nome dessa agenda. Ele impulsiona. E tem uma outra parte que � dele, como libera��o para explora��o de �leo em Abrolhos, acabar com o Conama, diminuir a capacidade de interven��o e fiscaliza��o. Mais uma agenda ruim que ele adotou.
Como voc� o compara a gest�o ambiental deste governo com a outros governos?
Em outros governos teve coisas boas e ruins. O governo Dilma, para a �rea ambiental, foi horroroso. � bom lembrar que a senadora K�tia Abreu (ligada ao agroneg�cio) foi ministra de Agricultura da Dilma. Mas foi quando foi aprovado o C�digo Ambiental, depois de muita discuss�o. O governo Temer tamb�m foi terr�vel. Foram dois governo com predomin�ncia muito fortes da bancada ruralista. O governo Temer tinha uma rela��o muito delicada com o Congresso, de negociar sua pr�pria perman�ncia da Presid�ncia da Rep�blica.
Sobre os governos de Lula e de Fernando Henrique Cardoso, tamb�m houve coisas boas e ruins, mas temos que fazer um reconhecimento no recorte do desmatamento, que foi reduzido nos dois governos. Entre 2004 e 2014, teve uma redu��o de 80%. Foram dois governos que investiram em tr�s coisas essenciais: fortalecer a capacidade do estado para combater o crime; criar unidades de conserva��o em terras ind�genas, o que supera a a��o dos grileiro; e fortalecer a legisla��o ambiental, capacitando o estado para fazer fiscaliza��o com a legisla��o j� fortalecida.
No governo Lula foi criado o Plano de Combate ao Desmatamento e o Fernando Henrique aumentou a reserva legal na Amaz�nia de 50% para 80%. Os dois criaram muitas unidades de conserva��o em terras ind�genas. Esse conjunto de pol�tica levou � redu��o do desmatamento. O Bolsonaro quer enfraquecer a legisla��o, a capacidade do estado, e desfazer as �reas protegidas. Tudo o que levou � redu��o da queda do desmatamento, Bolsonaro tem planos de desfazer. O resultado ser� matem�tico.