As condi��es prec�rias nos postos de sa�de das aldeias ind�genas de Dourados, a 230 km de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, contrastam com o enorme volume de recursos p�blicos destinados ao atendimento m�dico dos cerca de 17 mil �ndios das etnias terena, kaiow� e guarani que vivem naquela regi�o.
Respons�vel pelo servi�o complementar de sa�de ind�gena deste e de outros tr�s Estados - Acre, Amaz�nia e Roraima -, a ONG Miss�o Evang�lica Caiu� � a recordista em repasses federais por meio de conv�nios nos seis primeiros meses do governo Jair Bolsonaro, superando Estados e munic�pios nas chamadas transfer�ncias volunt�rias de dinheiro.
Dados do portal Transfer�ncias Abertas, alimentado pelo governo, mostram que o ministro da Sa�de, Luiz Henrique Mandetta, assinou, em janeiro deste ano, nove conv�nios no valor total de R$ 262 milh�es com a ONG controlada pela Igreja Presbiteriana do Brasil, quantia que representa quase metade dos R$ 603 milh�es em conv�nios assinados por Bolsonaro neste primeiro semestre.
Os repasses foram endossados pelo governo a despeito das cr�ticas feitas pelo pr�prio ministro ao servi�o prestado no Mato Grosso do Sul, seu Estado de origem e pelo qual foi deputado federal por dois mandatos (2011-2018). Em uma reuni�o do Conselho Nacional de Sa�de, em janeiro, duas semanas ap�s ter assinado os conv�nios, Mandetta disse que a ONG recebia o maior volume de recursos e tinha os piores �ndices de atendimento da sa�de ind�gena, que custa R$ 1,4 bilh�o ao ano.
S� para o Mato Grosso do Sul, onde a miss�o atende 83 mil �ndios de 99 aldeias, s�o R$ 49,6 milh�es no ano, dos quais 90% s�o para pagar os sal�rios de 762 funcion�rios, entre m�dicos, que ganham R$ 16,7 mil por m�s; enfermeiros (R$ 7,9 mil); e agentes ind�genas de sa�de (R$ 1,2 mil). Todos selecionados pela entidade. H� ainda repasse de R$ 3 milh�es para servi�os de consultoria e R$ 1,8 milh�o para despesas com alimenta��o, combust�vel, di�rias, passagens e materiais did�ticos.
A terra ind�gena de Dourados, onde fica a sede da ONG, � o principal polo de atendimento dos povos nativos do Estado. Na quinta-feira passada, a reportagem do Estado visitou a regi�o e encontrou os dois maiores postos de sa�de em situa��o considerada "deplor�vel" pelos pr�prios funcion�rios, com portas arrombadas e tapumes no lugar de janelas, uma �nica viatura sem combust�vel para atender as aldeias, falta de rem�dios e de equipamentos para exames.
"� preciso ir at� a cidade fazer o exame e esperar. No meu caso, o resultado ainda veio errado, pois fiz exame da coluna e veio como gordura no f�gado", disse a kaiow� Maur�cia Fernandes, de 67 anos. A falta de medicamentos e de transporte p�blico levou Vania Alzira da Silva, de 25 anos, a caminhar cinco quil�metros com o filho de tr�s anos para comprar rem�dio em uma farm�cia na zona urbana.
J� o guarani Isa�as Bertolino, 48, aguarda desde 2006 uma tomografia no c�rebro. "Tamb�m pedi um exame por estar com dor no intestino, mas foi marcado para um ano depois. Quando chegou o dia, eu j� tinha me curado com rem�dio caseiro."
Como a maior parte do atendimento � domiciliar, muitos dos profissionais da ONG ficam ociosos devido � falta de viaturas e de combust�vel. Na manh� da �ltima quinta, a reportagem se viu na conting�ncia de oferecer carona para uma equipe que era esperada, em casa, por um paciente.
Os repasses vultosos para a Miss�o Evang�lica Caiu� n�o come�aram agora na gest�o Bolsonaro. Dados do Portal da Transpar�ncia, do governo federal, mostram que a entidade recebeu R$ 2,1 bilh�es nos �ltimos cinco anos, durante os governos Dilma Rousseff e Michel Temer. At� o ano passado, a ONG fornecia profissionais a 19 dos 34 distritos sanit�rios ind�genas espalhados pelo Brasil. Com o novo edital de 2018, o n�mero caiu para nove.
Criada em 1928, a entidade mant�m tamb�m o Hospital Porta da Esperan�a, uma escola municipal e um instituto de estudos b�blicos em sua ch�cara cont�gua � reserva ind�gena. "A servi�o do �ndio, para a gl�ria de Deus" � o slogan da ONG. O reverendo Benjamin Benedito Bernardes, secret�rio executivo da entidade, disse que o hospital n�o recebe "um centavo" do conv�nio com o Minist�rio da Sa�de e que funciona com recursos do Sistema �nico de Sa�de (SUS), da Prefeitura de Dourados, da igreja e de doa��es. "Se a gente tivesse todo esse recurso que dizem, ser�amos um hospital de primeiro mundo, mas essa n�o � a nossa realidade", afirmou.
Auditoria. O volume de dinheiro repassado � Miss�o Evang�lica Caiu� e outras duas entidades, de S�o Paulo e Pernambuco, que tamb�m prestam esse servi�o motivou a Controladoria-Geral da Uni�o (CGU) a fazer uma auditoria nos contratos. Em relat�rio publicado em 2016, o �rg�o apontou "aus�ncia de procedimentos e rotinas para avalia��o da presta��o de servi�os", "inexist�ncia de procedimento de atualiza��o das metas e indicadores do conv�nio" e funcion�rios da miss�o desempenhando outras atividades. De acordo com os t�cnicos da Controladoria, uma nova fiscaliza��o est� em andamento e deve ser conclu�da em mar�o de 2020.
O coordenador da Articula��o dos Povos Ind�genas do Brasil, Lindomar Ferreira da Silva, disse ter recebido den�ncias de funcion�rios fantasmas na miss�o durante o per�odo em que foi coordenador do distrito sanit�rio no Mato Grosso do Sul, em 2016. "A gente denunciou essa situa��o e eu soube que eles at� afastaram algumas pessoas da miss�o. Pelo valor que recebem, eles tinham obriga��o de atender melhor o povo ind�gena", afirmou o coordenador.
Governo diz que agiu para n�o interromper servi�o
O Minist�rio da Sa�de afirmou, por meio de nota, que assinou os conv�nios com a Miss�o Evang�lica Caiu� neste ano por orienta��o do Minist�rio P�blico para evitar a interrup��o dos servi�os de sa�de nas aldeias ind�genas, mas que "avalia que a assist�ncia ind�gena precisa ser reformulada para qualificar esse atendimento".
A pasta informou ainda fiscalizar todos os 34 distritos sanit�rios ind�genas e que deve apresentar at� o fim de agosto os resultados desse monitoramento e as propostas para solucionar os problemas detectados.
O minist�rio afirmou que n�o recebeu registro recente de falta de m�dicos, medicamentos e combust�vel para viaturas de emerg�ncia, mas que "acompanha todas as queixas dos povos ind�genas relacionadas ao atendimento em sa�de e sempre busca solucion�-las o mais r�pido poss�vel".
J� os dirigentes da Miss�o Evang�lica Caiu� afirmaram que s� assumiram a gest�o de sa�de nos distritos onde n�o havia outras entidades interessadas e que n�o s�o os respons�veis pela estrutura dos postos, ve�culos e medicamentos. "Nossa finalidade � m�dico, enfermeiro e outros profissionais. A falta de estrutura tamb�m nos prejudica, pois derruba o �ndice de atendimentos. A gente sabe que a gasolina, comprada por Bras�lia, d� para 20 dias. Nos outros dez, o atendimento fica prejudicado", disse o reverendo Ildemar Berbet. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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