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Estado de Minas

''Moro se recusa a me receber'', afirma mulher de Marielle Franco

Vi�va de Marielle Franco revela a dificuldade em receber informa��es sobre as investiga��es em curso, e de como tem vivido o luto


postado em 07/08/2019 09:55 / atualizado em 07/08/2019 11:34

''Hoje, luto para que ninguém precise passar pelas dificuldades que eu e Marielle passamos'', afirma (foto: Daniel Ramalho/AFP)
''Hoje, luto para que ningu�m precise passar pelas dificuldades que eu e Marielle passamos'', afirma (foto: Daniel Ramalho/AFP)
Rio de Janeiro, fim de uma manh� quente na quinta-feira �ltima. Uma mulher aguarda o veterin�rio atender o cachorro de nome Chico, que est� com algum tipo de alergia. A cena parece corriqueira. Mas nada � normal na vida M�nica Ben�cio, 33 anos, principalmente depois que a companheira, a vereadora Marielle Franco, foi brutalmente assassinada, no bairro do Est�cio, em 14 de mar�o do ano passado. Na verdade, agora, M�nica n�o quer uma vida normal. “Com muita certeza, eu n�o quero. Ainda estou nesse processo de nega��o, eu ainda n�o aprendi a lidar com a aus�ncia dela.” Para driblar a dor ou, como ela mesmo diz, “fingir que simplesmente nada aconteceu para n�o lidar com a realidade”, ela mergulhou na milit�ncia em diferentes frentes. Pautas pol�ticas e sociais, luta contra a homofobia e pela liberdade total das mulheres s�o algumas delas.

Em entrevista ao Correio Braziliense, ela comenta o aparente pouco caso dos governos federal e estadual para elucidar o crime contra a mulher, revela que ainda n�o viveu o luto por Marielle e n�o descarta uma candidatura no futuro. M�nica se queixa, ainda, de que, mesmo com os diversos pedidos por meio de assessores, nunca foi recebida em uma audi�ncia pelo ministro da Justi�a e Seguran�a P�blica, S�rgio Moro.

Como est�o as investiga��es sobre a execu��o de Marielle?

Infelizmente, o que � dito, de forma oficial ou n�o, � o que acaba sendo divulgado pela imprensa. � um ritmo que, a essa altura, parece ser mais lento do que a primeira fase, quando foram indicados os acusados de serem os executores: tanto o atirador como o motorista. N�o sei se essa sensa��o vem tamb�m de uma din�mica de silenciamento da m�dia. � �bvio que com o passar do tempo, as pessoas tendem a se conformar com algumas coisas e jornais param de vender com certas not�cias, ent�o, eu n�o sei se existe um desinteresse, de certa forma, p�blico quanto a isso. Com a justificativa de que as investiga��es correm sob sigilo, tudo � muito pouco divulgado. Inclusive para a pr�pria fam�lia. Ent�o, o di�logo � bem restrito, embora o Minist�rio P�blico, sempre que procurado, esteja disposto a me receber.

Em janeiro, o governador do Rio, Wilson Witzel, afirmou que o Caso Marielle estava pr�ximo de um desfecho. O governo federal fala muito pouco sobre o caso. O que a senhora tem a dizer sobre isso?

Para come�ar, quando o governador do Rio declara que o caso est� adiantado �, no m�nimo, querer despertar uma certa deseleg�ncia da minha parte ao dizer que est� adiantado porque n�o foi a mulher dele. N�o � razo�vel porque, em janeiro, o caso estava completando quase um ano e passamos dos 500 dias sem que esse crime seja solucionado. O Brasil passa uma vergonha internacional porque n�o � s� falar de uma luta justa pela minha companheira, mas, enquanto brasileira, eu me sinto profundamente envergonhada quando um dos crimes pol�ticos de maior repercuss�o da hist�ria do pa�s fique tanto tempo sem ser elucidado.

 
O ex-ministro Raul Jungmann fez afirma��es parecidas no ano passado...

Ele fez a mesma afirma��o, mas, ainda assim, quando era ministro da Justi�a, nunca deixou de me receber, sempre tive com ele um amplo di�logo a respeito das investiga��es, coisa que o atual ministro (S�rgio Moro) se recusa a fazer. Foram muitas tentativas de solicita��o de um pedido para que me recebesse e convers�ssemos a respeito da investiga��o, que � de compet�ncia da Pol�cia Federal, sob comando do pr�prio Moro. No in�cio do mandato, ele declarou que reconhecia que o caso da Marielle era de extrema import�ncia e que era imprescind�vel para o pa�s que ele fosse solucionado. Depois disso, o ministro silenciou. N�o sei se ele perdeu o interesse, se est� com outras coisas para se preocupar neste momento, mas o fato � que n�o se fala mais nada e, mesmo na �poca da candidatura, todos os presidenci�veis se manifestaram, com a exce��o do atual presidente Jair Bolsonaro, e, at� hoje continua assim.

 
Ent�o, voc� pediu audi�ncias, mas nunca foi recebida pelo Moro?

Tentei contato por meio de assessores, mas nunca fui recebida por ele.
E o governo estadual?

Esse � um governo que � muito dif�cil ter um di�logo. A minha postura pol�tica e, enquanto carioca, � muito complicado pensar em estar na frente de algu�m como o atual governador. Ent�o, sinceramente, eu n�o tive nem o interesse de procurar.

Voc� sente que h� uma m� vontade por parte dos governos federal e estadual no caso Marielle por quest�es pol�ticas?

Se a m� vontade que ocorre for s� nesse sentido, eu posso dormir at� um pouco mais tranquila. O que muito me preocupa, porque obviamente foi um crime pol�tico, � que essa m� vontade possa ter interesses pol�ticos tamb�m a fim de que n�o seja deliberadamente esclarecido. Ent�o, prefiro acreditar que se for s� por uma quest�o de m� vontade, seja pela postura pol�tica da Marielle, seja pela minha liga��o com o PSol, a gente pode acreditar que, ainda assim, eles estariam trabalhando de alguma maneira, que pode n�o ser midi�tico, mas que queiram solucionar o caso porque, independentemente de qual partido ela pertencia, se era de esquerda ou de direita, ela era uma parlamentar democraticamente eleita, que foi executada num crime pol�tico que hoje tem repercuss�o internacional.

A senhora chegou a morar um tempo em Bras�lia no in�cio deste ano, mas retornou ao Rio. Por qu�?

Porque estou trabalhando com o deputado Marcelo Freixo aqui no Rio e tamb�m por ter manifestado uma vontade pessoal de queria voltar � cidade. Nesse tempo todo, foram muitos v�nculos desfeitos, tanto com a minha fam�lia como com amigos.

Voltar ao Rio foi muito dif�cil?

� dif�cil estar de volta, mas, em algum momento, eu precisava encarar essa dificuldade. Esse processo de agenda muito intensa, muito trabalho, poucas conex�es afetivas, tudo isso faz parte de um processo de fuga do luto, eu transformei o que era luto em verbo muito r�pido. Imediatamente, me envolvi num processo de luta por justi�a por Marielle que n�o me permitiu viver o luto. Eu, ainda hoje, por exemplo, estou sendo muito sincera, em determinados momentos, prefiro fingir que simplesmente nada aconteceu para n�o lidar com a realidade. Faz parte tamb�m de um processo de n�o terapia. Voltar ao Rio � doloroso, mas, em certa medida, � tamb�m ter algum tipo de afetividade e de la�o. A saudade se transforma em algo diferente, n�o � mais t�o dolorosa. Eu consigo ver alguns momentos com carinho.

Diante disso tudo, a senhora acha que um dia voltar� a ter uma vida normal?

N�o sei se eu j� tive uma vida que pode ser chamada de normal, nem quando estava casada com Marielle era normal, uma rotina fora do padr�o, um relacionamento l�sbico, que n�o � algo f�cil socialmente. Mas dentro do que voc� me perguntou, eu diria que n�o e que hoje, com muita certeza, eu n�o quero. Ainda estou nesse processo de nega��o, eu ainda n�o aprendi a lidar com a aus�ncia dela.

A senhora est� cada dia mais envolvida na milit�ncia em causas ligadas � comunidade LGBT. Como est� sendo?

Essa � uma pauta de luta que � muito importante, muito cara para mim, por motivos �bvios. O meu relacionamento com a Marielle teve muitas idas e vindas por conta da dificuldade a respeito de um di�logo social por homofobia, fam�lia, situa��o financeira, e tudo sempre estava, de alguma maneira, ligado ao fato de sermos l�sbicas. Quando a gente finalmente consegue ficar juntas, essa pauta ainda era um problema. Depois do 14 de mar�o, eu fui muito abra�ada pela popula��o LGBT, que foi fundamental nesse momento de dor e na compreens�o de que eu n�o estava sozinha. Eu comecei a fazer um movimento natural para mim, n�o porque uma vereadora foi assassinada, mas porque tinham matado a minha mulher. Esse movimento natural, espont�neo, foi pela minha companheira, e n�o por uma pauta pol�tica espec�fica seja l� qual ela fosse. Nessa caminhada, a popula��o LGBT teve muita empatia e solidariedade comigo, assim com o movimento de mulheres, quando eu vi, de repente, j� estava caminhando de m�os dadas ao lado dessas pessoas. Hoje, luto para que ningu�m precise passar pelas dificuldades que eu e Marielle passamos.

A senhora tem vontade de se candidatar, de se envolver com uma vida pol�tica partid�ria?

Vontade � uma palavra muito forte. Nunca tive qualquer inten��o de ter um cargo pol�tico, tinha muito receio pela Marielle e lhe digo com toda clareza e franqueza do mundo que jamais foi por temer a vida dela, mas porque ela sempre trabalhou muito, tinha uma agenda muito intensa. A gente faz pol�tica todos os dias, de v�rias maneiras e em muitos lugares. Hoje, o meu interesse n�o � de ter uma vida como figura p�blica sendo parlamentar. Mas n�o descarto. Ainda est� cedo para decidir, h� muitas pessoas que me pedem, sou muito cobrada, mas, no final das contas, isso vai ser uma decis�o que s� vou tomar se eu tiver plena certeza de que poderei cumprir com a responsabilidade que esse cargo tem, mas sem sacrificar a minha vida mais do que eu tenho feito.

A senhora consegue apontar uma coisa boa sobre o governo Bolsonaro?

Sim. Ele deu mais motivos para continuarmos a ser resist�ncia. Foi a �nica coisa que esse governo conseguiu fazer por n�s. Permitiu que a gente compreenda que a situa��o � muito dram�tica e que, mais do que nunca, a gente precisa caminhar lado a lado.

A senhora disse em uma entrevista que s� tinha conseguido viver o luto pela vereadora Marielle e n�o pela sua mulher. Como est� isso atualmente?

N�o consegui, mas sendo honesta, nem tentei. Esse processo da fuga do luto sempre foi muito doloroso, mas muito consciente tamb�m. Hoje eu admito que, talvez, tenha chegado a hora de come�ar a pedir ajuda para viver esse luto.

*A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do ministro S�rgio Moro, mas, at� o fechamento desta edi��o, n�o obteve qualquer resposta.


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