Bras�lia – Aguardado por mais de dois anos por concession�rias com dificuldades financeiras e sem condi��es de honrar os contratos, o decreto das relicita��es chegou tarde demais e frustrou as expectativas. A regulamenta��o da Lei 13.448 de 5 de junho de 2017, que autoriza devolu��o de concess�es que n�o cumpriram obriga��es, s� saiu em 6 de agosto de 2019 e, na opini�o dos especialistas em infraestrutura, deixou muito a desejar, sobretudo, para empresas que fizeram investimentos substanciais. Isso, explicam os analistas, porque a forma como a indeniza��o ser� feita, calculada pelas ag�ncias reguladoras competentes e paga pelos vencedores da relicita��o, n�o d� seguran�a jur�dica.
Por isso, a Invepar, respons�vel pela Via 040, que administra 936 quil�metros, entre Bras�lia e Juiz de Fora (MG), foi a primeira concession�ria – e �nica – a protocolar, nesta semana, junto � Ag�ncia Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), o pedido de ades�o ao processo de devolu��o amig�vel. As demais (veja quadro) ainda estudam o decreto.
Companhia que tinha manifestado interesse, a Aeroportos Brasil Viracopos, administradora do terminal de Campinas (SP), entrou em recupera��o judicial neste meio tempo. O que se resolveria em 2017, pode n�o ter efic�cia agora, porque, com o socorro da Justi�a, conseguiu suspender cobran�a de multa e de outorga e deve aprovar o plano para equacionar suas d�vidas. Ainda por cima, o decreto n�o deixa claro se quem est� em recupera��o judicial pode aderir ou ter� que abrir m�o do plano.
''Lamentavelmente, isso (decreto das relicita��es) ocorreu tr�s anos depois de os problemas se agravarem, em 2016. O pa�s passou por um per�odo turbulento da economia. Houve estrada, no Rio de Janeiro, por exemplo, em que o fluxo caiu 40%''
C�sar Borges, presidente da Associa��o Brasileira de Concession�rias de Rodovias
A demora para a lei virar decreto foi causada justamente pela divis�o entre os t�cnicos do governo sobre como calcular a indeniza��o aos concession�rios antigos pelos investimentos realizados. Acabou prevalecendo a posi��o do ministro da Infraestrutura, Tarc�sio Gomes de Freitas, que considera os investimentos n�o amortizados para ressarcir as concession�rias. Como a alternativa – um processo de caducidade da concess�o – � o pior dos mundos, o governo aposta que interessados aparecer�o, mesmo que as condi��es do decreto sejam contestadas por empres�rios e especialistas.
Os administradores das rodovias da chamada terceira etapa de concess�es do governo Dilma Rousseff s�o os principais interessados no decreto. Isso porque a recess�o econ�mica levou ao n�o cumprimento das metas. Os contratos foram projetados para um movimento nas estradas que n�o se confirmou ap�s a crise. As empresas pediram reequil�brio econ�mico-financeiro para adequar as exig�ncias � real movimenta��o nas rodovias concessionadas. Contudo, os empr�stimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES), feitos com base em proje��es superestimadas, foram suspensos. Al�m disso, os cons�rcios vencedores tinham entre os s�cios grandes construtoras envolvidas na Opera��o Lava-Jato.
'Melhor que nada' Para o presidente da Associa��o Brasileira de Concession�rias de Rodovias (ABCR), C�sar Borges, o decreto saiu e isso � melhor do que nada. “Lamentavelmente, isso ocorreu tr�s anos depois de os problemas se agravarem, em 2016. O pa�s passou por um per�odo turbulento da economia. Houve estrada que o fluxo caiu 40%”, assinala.
Borges explica que a regulamenta��o cria uma s�rie de obst�culos at� chegar � relicita��o. “� preciso a concord�ncia de ambas as partes, poder concedente e concession�ria. No caso, ANTT e empresa. S� que a ag�ncia n�o faz isso sozinha. A concession�ria faz a proposta � ANTT, vai para o Minist�rio da Infraestrutura, ao PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) e depois � Presid�ncia da Rep�blica. S� ent�o, aprovada a devolu��o, se faz um termo aditivo. Nisso a� v�o dois anos”, diz.
O presidente da ABCR diz que o decreto n�o avan�ou porque n�o define exatamente como ser� a indeniza��o dos bens revers�veis que n�o foram amortizados. Borges acrescenta que a amea�a de caducidade por parte do governo pode empurrar as empresas para a judicializa��o. “A caducidade � uma possibilidade, mas n�o � algo que o governo imponha, porque o outro lado, achando que ser� penalizado, vai acabar no Judici�rio, o que � uma solu��o muito ruim. Os maiores prejudicados s�o o usu�rio, porque est� pagando ped�gio sem servi�o, e o Brasil, por conta da falta de infraestrutura adequada”, alerta. “Essa amea�a � a pior sa�da.”
Sem acordo, sustenta Borges, o imbr�glio s� vai aumentar. “Com o apag�o das canetas, as decis�es t�m sido proteladas”, revela. O advogado Murilo Jacoby Fernandes explica que as autoridades t�m medo de assinar documentos, como os aditivos de reequil�brio econ�mico-financeiro, porque essas decis�es envolvem valores muito altos. “Como � tudo na casa dos milh�es, o apag�o das canetas acaba levando � judicializa��o”, esclarece.
Limita��o de prazo � um dos problemas
No entender de Fernando Marcondes, s�cio da �rea de infraestrutura do L.O. Baptista Advogados, o decreto das relicita��es decepcionou. “Esperava-se que fosse mais flex�vel. O decreto parece que n�o quer que as coisas aconte�am. A expectativa era que houvesse possibilidade de prazo maiores e participa��o mais efetiva do governo, oferecendo condi��es melhores de prote��o”, avalia.
O especialista Maur�cio Zockun, do escrit�rio Zockun Advogados, compartilha da opini�o. “Foi um caro�o de angu. N�o saiu do jeito que se imaginava”, afirma. Ele destaca que o problema maior s�o as indeniza��es. “Qual o valor dos investimentos n�o amortizados? Isso vai ficar a cargo da ag�ncia reguladora, o que n�o d� muita seguran�a. Al�m do mais, a empresa que ganhar a relicita��o fica obrigada a pagar os valores da antiga concess�o. Que concession�rio vai aceitar isso?”, questiona.
Outro grande obst�culo, segundo ele, foi que o decreto deveria atender a concess�es problem�ticas. “No caso de Viracopos, havia expectativa que a movimenta��o atingiria um volume muito maior de usu�rios, foi tudo feito com proje��o superestimada. Houve problema de caixa, entraram em recupera��o judicial”, assinala. “Tamb�m atingiu in�meras rodovias, porque se imaginava que o n�mero de usu�rios justificaria as contrapartidas”, lembra.
Para as concession�rias que n�o fizeram investimentos substanciais, vale a pena entregar, analisa o advogado. “Nas demais, que est�o com concess�es maduras, a discuss�o vai al�m, porque precisam renunciar ao pleito de reequil�brio. Se h� falha no empreendimento, ter� de recuperar, porque sen�o pode levar � caducidade”, alerta. As relicita��es tamb�m devem demorar para ocorrer, pontua Zockun. “Est�o condicionadas a passar pelo PPI, que tem de qualific�-las. Isso vai demorar pelo menos uns dois anos. O horizonte � long�nquo”, assinala.
Lado positivo Nem todos especialistas acham o decreto ruim. Miguel Neto, s�cio do Miguel Neto Advogados, pondera que muitas concession�rias estavam esperando pelo decreto. “Demorou a sair, porque tentou, de alguma maneira, colocar ali dentro todas as necessidades. Acho que o mercado vai enxergar muito bem”, opina. “A regulamenta��o deixa na m�o das ag�ncias reguladoras a decis�o sobre quanto o detentor de uma concess�o problem�tica deve receber sobre o que j� foi investido. Isso n�o � uma penaliza��o para as empresas. Provavelmente, n�o ser�o indenizadas de tudo, mas n�o v�o ficar sem nada”, diz. “O decreto vai ajudar a negocia��o que j� existe entre as interessadas em devolver e quem quer relicitar”, aposta. (SK)