
"O Pa�s precisa de algu�m independente l� (na PGR) e a lista tr�plice contribui para essa independ�ncia. Al�m disso, os nomes da lista tr�plice passaram por um teste de fogo em debates p�blicos. O hist�rico e os planos de gest�o deles foram testados e aprovados, de modo transparente e democr�tico", afirmou Dallagnol, em entrevista exclusiva ao 'Estado.'
"O procurador-geral tem importantes atribui��es, inclusive em mat�ria anticorrup��o. � ele, por exemplo, que decide investigar ou processar deputados, senadores e ministros em grande parte dos casos. � ele quem participa da forma��o de precedentes no Supremo."
Por e-mail, Dallagnol falou ao 'Estado' sobre a fase de ataques � Lava-Jato, sobre o esvaziamento no Congresso do pacote anticorrup��o do ministro S�rgio Moro, da Justi�a e Seguran�a P�blica, dos reveses que a opera��o enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF).
N�o � a primeira vez que a Lava Jato enfrenta ataques nesses cinco anos. � a fase de ataques mais efetivos?
Com certeza. No fim de 2016, quando as 10 Medidas Contra a Corrup��o foram desfiguradas, foi aprovada na C�mara dos Deputados uma lei de abuso de autoridade que objetivava intimidar policiais, procuradores e ju�zes que enfrentassem poderosos. Em seguida, o Senado chegou a dar urg�ncia ao projeto, mas recuou. Naquela �poca, um parlamentar respeitado me disse que aquilo era um jogo de cena. N�o era uma desist�ncia, mas sim uma retirada estrat�gica e que voltariam ao ataque no momento certo para retaliar a Lava Jato. Agora, a lei foi aprovada. Pelo jeito, o momento chegou.
� poss�vel detectar de que frente vem esse ataque?
Identifico um enfraquecimento no combate � corrup��o vindo de v�rios lados. Uma recente decis�o do Supremo pode anular grande parte das condena��es da Lava Jato, a depender da extens�o que venha a se dar a ela. Um ministro daquela Corte proibiu certas comunica��es do Coaf e da Receita Federal para o Minist�rio P�blico e a pol�cia que s�o essenciais para investiga��es de corrup��o. O tribunal pode rever ainda a pris�o em segunda inst�ncia. No Congresso, era necess�rio melhorar a Lei de Abuso, mas o que veio foi uma lei que amarra investiga��es e processos contra poderosos. Al�m disso, s�o gestadas p�ssimas mudan�as como a proibi��o da colabora��o premiada de presos. O projeto anticrime do ministro Moro est� sendo esvaziado no Congresso. O procurador-geral n�o saiu da lista tr�plice. Importante dizer que n�o � uma cr�tica �s institui��es, que s�o essenciais � democracia ou �s pessoas, mas a atos e decis�es que, na vis�o de agentes do Minist�rio P�blico, prejudicam o trabalho anticorrup��o. H� muitos agentes nos tr�s Poderes hoje, ali�s, que defendem vigorosamente a causa anticorrup��o. Precisamos de mais gente assim.
O que est� em jogo?
O legado da Lava Jato como patrim�nio da sociedade brasileira e o futuro da causa anticorrup��o no Pa�s. Est� em jogo que tipo de pa�s queremos ter e deixar para nossos filhos e netos. Uma pesquisa da Transpar�ncia Internacional mostra que a popula��o brasileira � a segunda mais honesta da Am�rica Latina quando se olha para a base da pir�mide. Contudo, no topo, temos um violento capitalismo de compadrio, uma corrup��o institucionalizada, uma apropria��o privada do poder e dos recursos p�blicos. Estudos mostram que pa�ses com menos corrup��o t�m melhores �ndices de desenvolvimento econ�mico e social. Est� em jogo que pa�s queremos ter. E n�o adianta ficar sentado esperando que melhoras caiam no nosso colo. Temos que busc�-las, � claro, pelos canais democr�ticos.
O pr�prio STF tem decidido retirar casos de Curitiba, como o caso Mantega. H� riscos para os processos?
O caso (do processo contra o ex-ministro Guido) Mantega envolve evid�ncias de que houve a edi��o de medidas provis�rias do interesse da Braskem em troca do pagamento de nada menos do que R$ 50 milh�es ao Partido dos Trabalhadores. Os fatos t�m uma rela��o de conex�o com outros fatos que tramitam na Justi�a Federal de Curitiba. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, discordou e mandou o caso para Bras�lia. Decretou ainda a nulidade das decis�es, inclusive de buscas e pris�es. Vejo dois problemas na decis�o. Primeiro, o caso deveria ter subido a escada dos outros tribunais, via habeas corpus, antes de chegar ao Supremo. Houve um atalho via reclama��o que entendemos equivocado, o que chamamos de supress�o de inst�ncia. Em segundo lugar, o ministro respons�vel seria o ministro Edson Fachin, respons�vel pela Lava Jato, e n�o o ministro Gilmar, que tinha decidido um caso diferente relativo a Guido Mantega, da JBS. A pr�pria PGR apontou que o direcionamento da distribui��o ao ministro Gilmar era indevido. No passado, criticamos decis�es do ministro Gilmar no caso integra��o, envolvendo pessoas ligadas a Beto Richa, ex-governador do Paran� pelo PSDB, que deveriam em nosso entender ser decididas pelo ministro Lu�s Roberto Barroso, respons�vel pelo caso. Na minha perspectiva, com todo respeito � Corte, isso traz riscos e inseguran�a jur�dica para os processos.
Como recebeu not�cia de desligamento dos seis colegas integrantes do Grupo de Trabalho da Lava Jato na PGR?
Eles s�o colegas respeitados, s�rios, dedicados e competentes. Far�o uma grande falta para a atua��o da Lava Jato perante o Supremo Tribunal Federal, uma frente de esfor�os determinante para o futuro da opera��o. � com eles que, na pr�tica, interag�amos no dia a dia.
Pode haver uma debandada na FT em Curitiba ou em outras for�as SP, RJ etc?
Em Bras�lia, os procuradores atuavam como assessores da procuradora-geral. Apoiavam ela na atribui��o dela, e n�o naquela deles mesmos. J� em Curitiba, S�o Paulo e Rio, n�o atuamos como assessores da procuradora-geral e n�o fomos informados do que aconteceu porque aparentemente se relaciona a algo com sigilo. Aqui em Curitiba, trabalhamos na nossa pr�pria atribui��o, de modo conjunto, democr�tico e sem chefes. Passaram 19 procuradores aqui, colegas que tamb�m s�o respeitados por seu car�ter, dedica��o, compet�ncia e profissionalismo. Atuamos com absoluta corre��o em nossa atividade e confiamos uns nos outros. A equipe segue unida.
Um dos motivos teria sido o entendimento em um acordo de colabora��o. Houve uma mudan�a de procedimentos e postura em rela��o aos acordos de colabora��o com Raquel Dodge?
O andamento de acordos ficou mais lento nesta gest�o. Por outro lado, a procuradora-geral manteve a estrutura da Lava Jato em Curitiba, prorrogou a for�a-tarefa e tinha uma excelente equipe de procuradores perante o Supremo. Devemos conviver com diverg�ncias, desde que o foco da atua��o seja o interesse p�blico.
Havia uma esperan�a de que com Bolsonaro no governo e o ministro S�rgio Moro na equipe, houvesse avan�os no combate � corrup��o?
Os principais avan�os contra a corrup��o dependem de novas leis no Congresso, embora o presidente e o ministro da Justi�a possam contribuir na articula��o pol�tica. Hoje se sabe muito do que se precisa fazer para diminuir a corrup��o. A dificuldade � que quem tem o poder para mudar muitas vezes n�o quer as mudan�as porque se beneficia do estado de coisas. Fui uma das dezenas de pessoas que contribu�ram para a elabora��o de documento, sob a lideran�a da Transpar�ncia Internacional e da FGV. Contudo, nenhum foi aprovado at� agora. Por isso que a sociedade precisa se mexer. N�o d� para escolher os candidatos a deputado e senador em 10 minutos ou pegando um panfleto na rua. Independentemente da prefer�ncia partid�ria, precisamos investir tempo, cobrar preparo dos candidatos, olhar seu hist�rico, cobrar compromisso com a pauta anticorrup��o e tamb�m fazer contribui��es eleitorais de pequenos valores porque os candidatos enfrentar�o um fundo eleitoral bilion�rio que estar� nas m�os de caciques partid�rios. � preciso tamb�m cobrar quem est� l� hoje, passar a m�o no telefone ou enviar e-mail para os deputados e senadores. Isso tudo � fortalecer a cidadania.
Como recebeu a not�cia de indica��o pelo presidente de um nome fora da lista tr�plice para assumir a PGR?
Com cautela. O procurador-geral tem importantes atribui��es, inclusive em mat�ria anticorrup��o. � ele, por exemplo, que decide investigar ou processar deputados, senadores e ministros em grande parte dos casos. � ele quem participa da forma��o de precedentes no Supremo. O Pa�s precisa de algu�m independente l� e a lista tr�plice contribui para essa independ�ncia. Al�m disso, os nomes da lista tr�plice passaram por um teste de fogo em debates p�blicos. O hist�rico e os planos de gest�o deles foram testados e aprovados, de modo transparente e democr�tico.
O presidente comparou o cargo de PGR a uma dama no tabuleiro de xadrez. Como recebeu essa compara��o e a pr�pria manifesta��o da ANPR que viu tentativa de alinhamento entre o presidente e o novo PGR?
N�o li essa manifesta��o, mas precisamos de um procurador-geral forte, independente e que tenha lideran�a institucional. A Constitui��o desenhou o Minist�rio P�blico como um �rg�o independente dos demais Poderes justamente porque uma de suas fun��es � fiscaliz�-los.
O que esperar do novo PGR?
Vamos ver.
O novo PGR j� falou em corre��o de pequenos desvios e personalismo ao tratar sobre a for�a-tarefa da LJ. Isso preocupa?
Nosso plano sempre foi de apresentar o trabalho da Lava Jato ao procurador-geral, fosse quem fosse, inclusive para desmistificar alguma percep��o que a nosso ver seja equivocada. Hoje circula muita informa��o deturpada sobre nossa atividade.
De nossa parte, faremos nosso melhor para seguir servindo a sociedade, responsabilizando corruptos poderosos e recuperando o dinheiro desviado. Neste ano, j� fizemos mais den�ncias do que nos anos de 2015, 2017 e 2018 inteiros e fizemos acordos de recupera��o de R$ 2 bilh�es.
De que forma os ataques e os questionamentos de procedimentos feitos ao sr, e a membros da equipe da FT com base nas mensagens hackeadas t�m afetado o trabalho da LJ?
De diferentes formas. Al�m de exigir tempo para levantarmos informa��es sobre fatos, muitos ocorridos h� anos, h� ainda uma frustra��o com constantes deturpa��es do que aconteceu. As falsas acusa��es, constru�das sobre interpreta��es enviesadas de mensagens que em geral n�o conseguimos atestar, fazem a Lava Jato sangrar. E a� v�m os tubar�es. Muitos investigados e r�us da Lava Jato seguem com grande poder.
Como v� a possibilidade de puni��o administrativa contra o sr.?
Hoje h� dois casos em que foi instaurado processo administrativo disciplinar contra mim, por alegada quebra de decoro. Um por cr�ticas feitas numa entrevista de r�dio a decis�es dos ministros Gilmar, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Outro por cr�ticas ao senador Renan Calheiros e por defender o voto aberto na elei��o para presid�ncia do Senado. No meu entendimento, minhas manifesta��es se deram dentro de meu direito de liberdade de express�o, com o prop�sito de contribuir para o debate democr�tico. N�o fiz ofensas pessoais, n�o usei palavr�es e jamais defendi pautas partid�rias. Por isso, espero que n�o haja puni��es.