
Dentro do Supremo, a incisiva fala do decano foi interpretada como um duro recado ao presidente Jair Bolsonaro, que indicou o subprocurador-geral da Rep�blica Augusto Aras para suceder a Raquel Dodge no comando do Minist�rio P�blico Federal (MPF). Sem disputar a lista tr�plice, Aras foi visto como o candidato que melhor soube ler os sinais de Bolsonaro quanto aos requisitos para nomea��o ao cargo.
Bolsonaro j� disse que quer um novo PGR que n�o seja "radical na quest�o ambiental", nem que haja como um "xiita", nem "atrapalhe" projetos de infraestrutura, sendo "alinhado" com o Brasil. O nome de Aras ainda depende de aprova��o do Senado.
"O Minist�rio P�blico n�o serve a governos, n�o serve a pessoas, n�o serve a grupos ideol�gicos, n�o se subordina a partidos pol�ticos, n�o se curva � onipot�ncia do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, n�o importando a elevad�ssima posi��o que tais autoridades podem ostentar na hierarquia da Republica", discursou Celso de Mello, sem citar nomes, na abertura da sess�o plen�ria desta quinta-feira do Supremo.
"O Minist�rio P�blico tamb�m n�o deve ser o representante servil da vontade unipessoal de quem quer seja, ou instrumento de concretiza��o de pr�ticas ofensivas aos direitos b�sicos das minorias, quaisquer que elas sejam, sob pena de o Minist�rio P�blico se mostrar infiel a uma de suas mais expressivas fun��es, que � segundo o que diz a pr�pria Constitui��o Federal, que � a de defender a plenitude do regime democr�tico", completou o decano.
Desde que Bolsonaro assumiu o comando do Pal�cio do Planalto, Celso de Mello tornou-se um dos principais defensores de direitos de minorias e da liberdade de express�o dentro da Corte. O decano foi o relator de uma das a��es sobre a criminaliza��o da homofobia, votando para enquadrar a discrimina��o contra homossexuais e transexuais como crime de racismo, em um voto hist�rico de 155 p�ginas que foi lido por seis horas e meia. O julgamento contrariou os interesses da frente parlamentar evang�lica e do Pal�cio do Planalto.
No m�s passado, em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo, Celso disse que Bolsonaro "minimiza perigosamente" a import�ncia da Constitui��o e "degrada a autoridade do Parlamento brasileiro", ao reeditar o trecho de uma medida provis�ria que foi rejeitada pelo Congresso no mesmo ano para retirar da Funai a demarca��o das terras ind�genas.
Salva��o
Segundo a reportagem apurou, o decano reagiu nesta semana com indigna��o ao coment�rio do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, de que "por vias democr�ticas a transforma��o que o Brasil quer n�o acontecer� na velocidade que almejamos". Nesta quinta-feira, Celso enfatizou que n�o h� salva��o fora da ordem democr�tica.
"Regimes autocr�ticos, governantes �mprobos (desonestos), cidad�os corruptos e autoridades impregnadas de irresist�vel voca��o tendente � pr�pria desconstru��o da ordem democr�tica temem um Minist�rio P�blico independente", frisou Celso de Mello, que j� atuou no Minist�rio P�blico de S�o Paulo antes de ser indicado pelo ent�o presidente Jos� Sarney para assumir uma das cadeiras do STF, em 1989.
"O Minist�rio P�blico, longe de curvar-se aos des�gnios dos detentores do poder, tanto do poder pol�tico quanto do econ�mico ou corporativo ou ainda do poder religioso, tem a percep��o superior de que somente a preserva��o da ordem democr�tica, fora da qual n�o h� salva��o, e o respeito �s leis dessa Rep�blica revelam-se dignos de sua prote��o institucional", afirmou o decano.
Celso destacou que no Brasil ainda h� "situa��es conflituosas" que exp�em a patrimonializa��o da coisa p�blica ou "que submetem pessoas indefesas e grupos minorit�rios ao arb�trio do Estado onipotente ou ao desprezo de autoridades preconceituosas".
"Sem se falar naquela massa enorme de explorados e despossu�dos como os povos da floresta, e os filhos da natureza, que s�o injustamente degradados pela avidez predat�ria dos que criminosamente transgridem com insens�vel desrespeito as leis, a consci�ncia moral, a solidariedade social e a constitui��o os valores b�sicos sob os quais se devem fundar qualquer sociedade digna, justa e fraterna", frisou o ministro.
O governo Bolsonaro entrou na mira da comunidade internacional pela sua postura no enfrentamento de focos de inc�ndio na regi�o amaz�nica.
Vozes
Em sua despedida, Raquel Dodge disse que no Brasil e no mundo "surgem vozes contr�rias ao regime de leis, ao respeito de direitos fundamentais e ao meio ambiente sadio para as futuras gera��es".
"Nesse cen�rio � grave a responsabilidade do Minist�rio P�blico, mas � singularmente importante a responsabilidade do Supremo Tribunal Federal, do Minist�rio P�blico, para acionar o sistema de freios e contrapesos, para manter leis v�lidas perante a Constitui��o, para proteger o direito e seguran�a para todos, para defender minorias", afirmou Raquel Dodge.
A procuradora-geral da Rep�blica contou com o apoio de ministros do STF e do presidente da C�mara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para ser reconduzida ao cargo por mais dois anos, mas acabou preterida por Bolsonaro. No entorno do presidente, h� cr�ticas ao fato de a procuradora ter denunciado o presidente por racismo no ano passado e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, por supostamente amea�ar uma jornalista.
Aliados de Bolsonaro tamb�m criticaram a atua��o de Raquel Dodge no �mbito da Opera��o Lava Jato, que desacelerou durante a sua gest�o na PGR.
Elogio
Em uma fala mais sucinta e protocolar, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, afirmou que Raquel "exerceu o cargo com maestria e firmeza, honrando uma institui��o de grandeza e relev�ncia singulares na Rep�blica Federativa do Brasil".
"Nunca � demais reiterar o papel chave do Minist�rio P�blico no fortalecimento do Estado Democr�tico de Direito. Sem um Minist�rio P�blico forte e independente na defesa dos direitos e das liberdades das pessoas e no combate � corrup��o, os valores democr�ticos e republicanos propugnados na Constitui��o de 1988 estariam permanentemente amea�ados", afirmou Toffoli.