
O fato de o presidente ter a palavra final, diz Mour�o, n�o pode ser confundido com um governo autorit�rio: “Nosso governo n�o � antidemocr�tico”. Tampouco passar a ideia de que h� espa�o para qualquer atitude de confronto em rela��o aos outros poderes, por mais que os tu�tes de Carlos Bolsonaro possam sugerir algo nesse sentido. “Se o Carlos fosse Carlos Silva, vereador em Quixeramobim (CE), e falasse isso, algu�m estaria dando bola? Ningu�m. Agora, como ele tem o sobrenome Bolsonaro e � vereador do Rio de Janeiro, o pessoal diz: “oh, meu Deus do c�u, a fam�lia Bolsonaro quer tomar o poder no Brasil”. N�o � assim.
Nos 40 minutos em que recebeu a reportagem do Correio, ele foi incisivo ao dizer que as For�as Armadas nunca quiseram ter protagonismo no governo e, �queles que temem riscos de retrocessos na democracia, avisa: “N�o h� espa�o para isso”. Adepto das franquezas no trato, o general � ainda mais direto quando se refere � quest�o da Amaz�nia. “A gente terminou reagindo com o f�gado em vez de reagir com a raz�o”, admite.
No cargo de presidente interino, enquanto Bolsonaro se recupera de uma cirurgia de h�rnia, Mour�o segue despachando em seu gabinete no anexo II do Pal�cio do Planalto, onde recebeu o Correio na �ltima sexta-feira. Na entrevista, discorre com naturalidade sobre diversos temas. Sobre eventuais erros de Bolsonaro, no entanto, ele evita comentar: “N�o compete a mim, publicamente, tecer cr�ticas a ele. Estaria sendo desleal e canalha se fizesse isso”.
Ser� um desafio para o governo sair desse constrangimento a que o pa�s foi colocado em rela��o a Amaz�nia? �s vezes por causa de declara��es mal-entendidas l� fora, ou respostas atravessadas de l� de fora... Como o senhor v� essa quest�o que vai ser objeto de discuss�o na ONU?
Vamos buscar fazer uma an�lise bem fundamentada. O mundo inteiro, j� de algum tempo, est� com os olhos postos na Amaz�nia. Ao longo dos �ltimos 20 anos, houve, realmente, uma vis�o mais profunda sobre o papel da Floresta Amaz�nica em rela��o ao clima mundial com teses, �s vezes, corretas e, outras, totalmente estapaf�rdias, como aquela que diz que a Amaz�nia � o pulm�o do mundo. Algo que foi comprovado: que uma coisa � uma coisa e outra coisa � outra coisa. Praticamente 50% do bioma da Amaz�nia � �rea preservada. Ou � �rea de prote��o ambiental ou � terra ind�gena, que, em tese, tem que permanecer intocada. Ent�o, compete ao governo, por meio dos seus �rg�os de fiscaliza��o impedir que essas �reas sejam exploradas de forma ilegal. A �rea de prote��o ambiental, em hip�tese alguma, e a terra ind�gena t�m que ser de acordo com os desejos dos �ndios que habitam cada uma dessas regi�es. Bom, ent�o 50% preservados. Nos outros 50%, apenas 20% podem ser explorados, de acordo com nossa legisla��o ambiental. A� vamos para a quest�o das queimadas. Todo ano tem 7 de setembro. E todo ano em agosto, setembro e outubro o pessoal derruba �rvore e queima porque � uma forma, digamos assim, tradicional de preparo da terra naquela regi�o, uma forma errada. Ent�o, o governo tem que se preparar, explicar por que essas coisas ocorrem e, dentro da nossa capacidade, buscar impedir que essas queimadas ocorram. E a� tem que haver o qu�? A assist�ncia t�cnica, rural, de modo que esse produtor que aprendeu com o av�, com o pai, mude a forma. E �bvio, existem, tamb�m, na Amaz�nia, tr�s figuras que s�o complicadas: o madeireiro, o grileiro e o garimpeiro. Ent�o temos que buscar formas para que a popula��o que j� se estabeleceu naquela regi�o tenha o seu sustento sem comprometer a biodiversidade, sem comprometer a integridade da floresta e o pa�s tem que buscar as formas mais corretas. Temos uma legisla��o e temos que buscar fazer cumprir a legisla��o. O pr�prio ministro Ricardo Salles, agora em uma entrevista recente, reconheceu que nos comunicamos mal a respeito desse assunto. A gente terminou reagindo com o f�gado em vez de reagir com a raz�o.Mas o presidente n�o entrou com o p� esquerdo, digamos assim, nessa hist�ria, quando disse que n�o havia recursos, que o Brasil n�o conseguia fiscalizar? As primeiras declara��es dele foram na linha de “a gente n�o t� dando conta do recado”...
O presidente reagiu ao que ele julgou uma ofensa de parte do presidente da Fran�a. E, realmente, o presidente da Fran�a emitiu um documento, n�o lembro direito se foi um documento, ou declara��o, dizendo que o presidente mentia. Era mentiroso. E a� � aquela hist�ria, n�? A raz�o foge muitas vezes nessa hora. Mas o presidente j� reconheceu h� algum tempo a nossa responsabilidade, ele est� se preparando, da� esse repouso at� maior dele, para, na abertura da Assembleia-Geral da ONU, poder, realmente, transmitir essa mensagem e acalmar os �nimos no resto do mundo.Qual sua expectativa para o discurso do presidente na ONU? Qual o principal recado que deve transmitir?
O recado n�mero 1: a Amaz�nia � nossa. Isso a�, n�o podemos admitir em hip�tese alguma, essa quest�o de soberania limitada ou uma inger�ncia al�m daquilo que os tratados internacionais, ao qual o Brasil subscreve, preveem. O segundo recado: ela � nossa e compete a n�s proteg�-la e preserv�-la.O senhor diz que houve uma rea��o com o f�gado. Isso n�o tem acontecido com frequ�ncia maior do que deveria nesses oito meses?
Olha, eu j� respondi at� alguns colegas de voc�s a esse respeito. Sou vice-presidente do presidente Bolsonaro. Ent�o, n�o compete a mim, publicamente, tecer cr�ticas a ele. Estaria sendo desleal e canalha se fizesse isso. Ent�o, todas as vezes que discordo de alguma coisa dele, eu falo em particular.O senhor tem falado muito em particular com ele ultimamente?
N�o, ultimamente, n�o, porque ele est� l� no hospital.Mas sempre fala?
Sempre que temos alguma oportunidade conversamos e procuro expor meu ponto de vista sobre determinado tema.
Houve momento em que passou-se a ideia de que os senhores estavam meio afastados. Esse per�odo passou?
N�o, nunca houve essa quest�o do afastamento. � que o presidente tem a forma peculiar dele de se expressar, de agir, n�? E a� o processo decis�rio dele funciona mais ou menos dessa forma. E eu procuro ter uma atua��o mais discreta poss�vel, de modo que ele tenha toda a liberdade de manobra para empreender aquilo que ele julga correto.
No in�cio do governo, o senhor falava mais com a imprensa, depois de um tempo, deu uma pausa, e, agora,est� retomando as conversas. Por qu�?
Eu era um animal novo na pol�tica. Ningu�m me conhecia. At� porque n�o sou pol�tico. Havia uma curiosidade a meu respeito. Desde o per�odo da transi��o e at� os dois primeiros meses de governo, eu fui procurado praticamente diariamente pelo pessoal da imprensa. E, �bvio, houve uma exposi��o maior. Depois que chegaram � conclus�o, “ah, bom, o general Mour�o pensa dessa forma, ent�o n�o adianta mais ficar perguntando mais do mesmo para ele”. E a� eu fui deixado de lado, at� porque outros atores surgiram nesse embalo, outros fatos aconteceram e fiquei na posi��o que � a do vice-presidente, uma posi��o secund�ria.O senhor volta a fazer essa comunica��o do governo agora que o presidente tem dado sinais de que n�o deve mais conceder aquelas entrevistas quase que di�rias no Pal�cio da Alvorada?
Se o presidente me der alguma tarefa. “Olha, voc� procure a imprensa e converse a respeito do assunto X”, eu cumpro a tarefa dele. Agora, n�o vou ultrapassar aquilo que considero que � a autoridade dele e que � a tarefa dele nessa situa��o. Ent�o procuro sempre manter uma situa��o, um apoio mais � retaguarda dele. E �bvio que o presidente leva essa dicotomia. Passou uma semana falando, outra n�o fala, daqui a pouco ele volta a falar.No caso da demiss�o do secret�rio da Receita, esse limite prevaleu?
A demiss�o do secret�rio da Receita, na realidade, j� vinha sendo aventada h� algum tempo. O pr�prio ministro Paulo Guedes sentiu que a posi��o do Marcos Cintra estava balan�ando. E tanto que fomos almo�ar na quarta-feira e ele me perguntou o que n�s �amos fazer. E mal a gente sentou, o presidente telefonou e j� passou a determina��o de que era necess�rio que o Marcos Cintra sa�sse, porque n�o concordava com a quest�o da CPMF, estava gerando muito ru�do.A CPMF foi a gota d’�gua. A rela��o j� vinha se deteriorando desde l� de tr�s, n�o? Agora, a CPMF era defendida, tamb�m, pelo ministro Paulo Guedes. Como fica agora a proposta de reforma tribut�ria?
Uma coisa, todo mundo tem que entender. Quem � o decisor? O presidente Bolsonaro. Podemos pensar as coisas mais mirabolantes do mundo, mas � ele quem vai decidir. Muitas vezes a gente exp�e demais aquilo que est� sendo planejado, discutindo entre muros. E isso toma uma dimens�o grande junto � opini�o p�blica, junto ao Congresso, e o presidente termina por dizer: “n�o, pera�, eu n�o quero essa discuss�o”.
Em um pa�s dividido como a gente tem hoje, muita gente tinha receio de que os militares assumissem o poder no Brasil. Mas o senhor, como vice-presidente, tem sido uma voz democr�tica, que d� uma tranquilidade ao pa�s. Esse � o seu perfil ou � o perfil realmente dos generais?
Existe uma imagem totalmente errada, um desconhecimento por grande parte da imprensa, do que s�o os militares brasileiros. Criou-se uma imagem em rela��o ao per�odo de presidentes militares, tamb�m distorcida. Desconhecem como � a nossa forma��o, como � a nossa maneira de pensar, e fica s� aquele estere�tipo, muitas vezes confundido com figuras que ficaram no passado. Tudo na vida evolui. E uma realidade � que as For�as Armadas brasileiras sempre foram uma institui��o democr�tica. Em todos os momentos da vida nacional se apresentaram para preservar a lei, a ordem, e garantir que a democracia terminasse por vicejar. Essa � uma realidade, independentemente da maneira que se julgue o per�odo de 20 anos de presidentes militares. No futuro, isso vai ser colocado na pauta e vai ser pesado em rela��o a isso. A� entra aquele desconhecimento e essa surpresa, “os generais s�o moderados”. N�o tem nada a ver com moderado. N�s entendemos qual � o papel das For�as Armadas dentro de um regime democr�tico, as nossas miss�es est�o muito bem definidas na Constitui��o.Mas o senhor tem sido uma voz em defesa da democracia. Em v�rios momentos, o senhor se manifestou, inclusive agora, nesta semana, em rela��o � declara��o do Carlos Bolsonaro...
O nosso governo n�o � antidemocr�tico. Acho que se procura colocar uma coisa nas costas do presidente Bolsonaro que ele n�o �. Se fosse antidemocr�tico, n�o tinha concorrido � elei��o.
Mas, �s vezes, � preciso reafirmar isso, como essa semana, no Twitter, em que o senhor deu uma declara��o refor�ando a import�ncia de estarmos vivendo em per�odo democr�tico. Isso � necess�rio? Por qu�?
Para acalmar as coisas, n�? Porque… o Carlos fez uma declara��o que tem que ser perguntada a ele, o que ele quis dizer com aquilo. E a�, obviamente, se o Carlos fosse Carlos Silva, vereador em Quixeramobim (CE), e falasse isso, algu�m estaria dando bola? Ningu�m. Agora, como ele tem o sobrenome Bolsonaro e � vereador do Rio de Janeiro, o pessoal: “oh, meu Deus do c�u, a fam�lia Bolsonaro quer tomar o poder no Brasil”. N�o � assim. Como a fam�lia Bolsonaro vai tomar o poder no Brasil?
S� se tiver apoio dos militares...
N�o existe mais espa�o para isso. Voc�s t�m que entender que, em determinados momentos da hist�ria, isso funcionou. Hoje, n�o funciona mais. O Brasil � muito complexo, uma sociedade complexa. N�o � assim, “p�, manda ligar o motor, fecha o Congresso, fecha isso, fecha aquilo, e muda tudo”. N�o � assim.As pessoas podem ficar tranquilas? N�o h� nenhum risco?
As pessoas podem ficar mais do que tranquilas.Voltando um pouco �quela quest�o do presidente e o poder de comando dele. O ministro Paulo Guedes falou que quer privatizar tudo. O senhor acha que � por a�?
O presidente tem dado sinaliza��o positiva e at� j� me surpreendeu, com ele assim, “privatiza os Correios”. E ele vem pressionando. Os Correios s�o uma estatal emblem�tica. N�o � uma Valec.Mas uma coisa � a Eletrobras, que carrega junto todas as bacias hidrogr�ficas, porque tem as grandes hidrel�tricas, e a privatiza��o pega o controle sobre a �gua do Brasil. Os chineses t�m muito interesse, e querem entrar com tudo nessa �rea de energia. H� preocupa��o com o modelo de privatiza��o?
O controle pelo Estado nunca significou que voc� det�m a riqueza na m�o. Nunca significou isso. Ent�o isso � uma vis�o, vamos colocar assim, meio ultrapassada. Temos que ter uma legisla��o que nos assegure efetivamente o controle e n�o a gente deter as r�deas da empresa. E a gente sabe que as empresas estatais nascem sob uma excelente ideia, mas, depois, viram um cabide de emprego e s�o desvirtuadas.Agora, o senhor acha que tem que privatizar tudo?
A Petrobras, ainda que parte da explora��o de petr�leo, tem que permanecer na nossa m�o. Banco do Brasil j� � uma S/A, a Caixa, desde que bem gerenciada, n�o � um problema.