O novo procurador-geral da Rep�blica, Augusto Aras, classificou em nota como "inaceit�veis" as atitudes do ex-PGR Rodrigo Janot, que revelou ao Estado ter ido armado ao Supremo Tribunal Federal (STF) com a inten��o de matar a tiros o ministro Gilmar Mendes. Apesar disso, o rec�m-nomeado ao posto m�ximo do Minist�rio P�blico Federal (MPF) afirmou que o fato "n�o tem o cond�o de macular" a institui��o.
"O Minist�rio P�blico Federal � uma institui��o que est� acima dos eventuais desvios praticados por qualquer um de seus ex-integrantes", diz Aras no comunicado. O novo procurador-geral afirma ainda confiar nos colegas, "homens e mulheres dotados de qualifica��o t�cnica e denodo no exerc�cio de sua atividade funcional".
Segundo Aras, o MPF continuar� cumprindo "com rigor" sua miss�o. "Os erros de um �nico ex-procurador n�o t�m o cond�o de macular o MP e seus membros", afirma a nota.
As declara��es do novo ocupante da cadeira que j� foi de Janot se somam �s cr�ticas at� mesmo de ex-auxiliares do antigo PGR. Ex-secret�rio-geral do MPF na gest�o de Janot, o procurador regional da Rep�blica Blal Dalloul disse ao Estad�o/Broadcast que as declara��es do ex-chefe s�o "uma das p�ginas tristes para a hist�ria do Minist�rio P�blico, e sua revela��o nada traz de positivo".
Janot disse ao Estado que, no momento mais tenso de sua passagem pelo cargo, ingressou armado no Supremo para matar Gilmar. "N�o ia ser amea�a, n�o. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Gilmar) e depois me suicidar", afirmou o ex-PGR. Anteontem, o Supremo determinou buscas em endere�os de Janot e uma pistola foi apreendida. Ele teve o porte de arma suspenso, foi proibido de entrar na Corte de se aproximar de ministros do tribunal.
"Estou realmente chocado com essa revela��o. N�o imaginava que tal situa��o tivesse acontecido, e minha forma��o n�o admitiria conhecimento sem veemente discord�ncia", disse Dalloul, que ficou em terceiro lugar na lista tr�plice da categoria para a escolha do novo procurador-geral - ignorada pelo presidente Jair Bolsonaro, que indicou Aras. "� preciso perdoar e amar muito mais. Inclusive por e pela institui��o t�o maior do que qualquer das suas pessoas", acrescentou.
Rea��o
A declara��o do ex-chefe chocou n�o apenas Dalloul, como tamb�m outros ex-auxiliares ouvidos pela reportagem. A rea��o entre as pessoas que compuseram a equipe do ex-procurador-geral e at� de quem permaneceu como amigo ap�s a gest�o foi p�ssima.
O fato est� sendo tratado como indigno e inaceit�vel. Um desses integrantes disse ao Estado que j� havia escutado um coment�rio de Janot de que tinha apenas pensado em matar o ministro do Supremo, mas entendeu que era uma bravata. Para ele, o fato de a declara��o ter vindo no contexto de venda de livro � ainda pior, mais vergonhoso. At� o motivo, cr�tica � filha, foi citado como "rid�culo".
Outro ex-auxiliar de Janot disse estar preocupado com os reflexos das declara��es do ex-chefe na "institucionalidade" do Minist�rio P�blico. Para ele, o ex-procurador-geral agiu "de forma incompat�vel com o est�gio civilizacional".
A opera��o de buscas nos endere�os do Janot foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inqu�rito no Supremo para apurar ofensas, amea�as e fake news contra integrantes do STF. Em entrevista ao Estado em maio, Aras sinalizou que iria rever a posi��o da sua antecessora, Raquel Dodge, sobre o inqu�rito. Ao contestar o fato de as investiga��es ocorrerem sem o acompanhamento do Minist�rio P�blico, Raquel pediu o arquivamento do caso, mas acabou ignorada.
'N�o quis dramaticidade'
No dia em que sentou na cadeira de procurador-geral da Rep�blica, em 17 de setembro de 2013, Rodrigo Janot queria que sua gest�o ficasse conhecida como a que promoveu mudan�as no sistema penitenci�rio brasileiro. Era o m�ximo que ambicionava, afinal, o Pa�s vivia a ressaca do caso do mensal�o. Quatro anos e uma Opera��o Lava Jato depois, Janot deixou o cargo ap�s alguns feitos in�ditos, como oferecer duas den�ncias contra o ent�o presidente da Rep�blica e pedir a pris�o de um senador, al�m de comandar a��es que resultaram na condena��o de pol�ticos influentes e grandes empres�rios.
No caminho, fez muitos inimigos, mas tamb�m colecionou muitas hist�rias. Parte delas est� no livro Nada Menos que Tudo, escrito em parceria com os jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelin, que ser� lan�ado em outubro com relatos em primeira pessoa sobre os bastidores dos principais cap�tulos de sua gest�o.
A mais rumorosa delas, no entanto, � descrita de forma gen�rica e sem o nome dos envolvidos. Janot preferiu relatar a jornalistas que, em maio de 2017, foi armado ao Supremo Tribunal Federal com a inten��o de matar o ministro Gilmar Mendes - a informa��o, antecipada pelo Estado, resultou na apreens�o de uma pistola .40 do procurador pela Pol�cia Federal, entre outras medidas. "N�o queria dar dramaticidade a esse fato no livro", justificou. A aus�ncia de um relato detalhado do epis�dio que deixou o Pa�s boquiaberto n�o significa, por�m, que o livro n�o tenha hist�rias saborosas.
Uma delas aconteceu quando foi deflagrada a opera��o para cumprir o mandado de pris�o do ent�o senador petista Delc�dio Amaral. Nas primeiras horas daquele 25 de novembro de 2015, Janot teve de ligar para a casa do ent�o presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), e acord�-lo com a not�cia de que iria prender um senador. Ap�s um longo sil�ncio do outro lado da linha, o procurador disparou: "N�o � o senhor, n�o". "Quando eu disse que seria Delc�dio Amaral ele pareceu subitamente aliviado e a conversa fluiu normalmente." Naquele tempo, Renan j� era alvo de a��es penais no Supremo.
Em suas mem�rias, Janot descreve a rea��o de pol�ticos que passaram � condi��o de investigados. "Uns ficam agressivos, outros tentam desqualificar a investiga��o. Outros apelam para a emo��o e choram."
Ao deputado A�cio Neves (PSDB), mineiro como o ex-procurador, Janot reserva um relato � parte em momentos diferentes do livro. O ex-procurador diz que A�cio foi "um dos que mais se empenharam" para n�o ser investigado. E, para isso, valeu-se de visitas � sua sala - nas quais citava a m�e, a fam�lia e, n�o raro, chorava -, de oferta de cargos p�blicos e do envio de cartas. Em uma delas, relata, A�cio escreveu "my life is in your hands" (minha vida est� em suas m�os). "Tenho essa carta comigo, de pr�prio punho. � um documento hist�rico", afirmou. "Talvez, ao longo da hist�ria, isso diga algo sobre o tamanho de alguns homens p�blicos", escreve.
Janot tamb�m cita os principais reveses no cargo: as cr�ticas por ter dado perd�o judicial ao empres�rio Joesley Batista, a pris�o do procurador �ngelo Villela e o epis�dio em que um integrante de sua equipe foi acusado de fazer jogo duplo, no MPF e na defesa da J&F.; E defende sua atua��o nos epis�dios.
Al�m disso, critica o ritmo dado por sua sucessora, Raquel Dodge, � opera��o ("A diminui��o de ritmo das investiga��es na Lava Jato � vis�vel"), pergunta sobre pol�ticos que, embora alvo de investiga��es, at� o momento escaparam de condena��es ("Qual � a origem do poder deles no Judici�rio?"), e reflete sobre sua gest�o. "Essa ruptura n�o � feita de um dia para a noite. � um processo. E, como todo processo, h� avan�os e recuos. A medida que temos que fazer � o quanto avan�ou e o quanto recuou. E se a diferen�a entre avan�o e recuo foi positiva ou negativa. Acho que estamos no azul ainda", disse � reportagem.
Segundo ele, o livro tem a fun��o de ser um registro hist�rico sobre acontecimentos que marcaram a Lava Jato para um per�odo ap�s "o frescor dos fatos." "A ideia do livro � isso. � fazer um registro hist�rico, porque n�o estarei mais aqui quando este julgamento vier. � a minha voz. Meu testemunho est� a�. Me julguem."
Aposentado do MPF, Janot nega inten��o de concorrer a cargo p�blico. Ele quer dar aula e aguarda o fim da quarentena de tr�s anos para advogar - descarta veementemente a �rea penal. A partir de setembro de 2020, poder� atuar nos tribunais superiores. Qual seria a recep��o dos tribunais ap�s a afirma��o do futuro advogado de que, num determinado momento, ele pensou em tirar a vida de um ministro do Supremo? As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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