"Ela � louca." O diagn�stico duro, ouvido ao longo de sua trajet�ria, continha a frase machista que mais a impressionou. N�o foram uma, duas, nem tr�s vezes que ela recebeu um "parecer" assim. Perdeu at� a conta. "Essa � a forma mais eficaz de desestabilizar a imagem de uma mulher", disse ao jornal O Estado de S�o Paulo a secret�ria da Cultura, Regina Duarte.
Convidada pelo presidente Jair Bolsonaro para ingressar na equipe, Regina n�o relacionou a frase � sua decis�o de ser a quarta titular da secretaria em um governo com pouco mais de um ano. A atriz que deu vida � revolucion�ria protagonista de "Malu Mulher" - mas j� admitiu nunca ter sido feminista como a personagem - afirmou ficar impressionada at� hoje com o preconceito enfrentado por mulheres. O sentimento independe de classe social, profiss�o e hierarquia. No Dia Internacional da Mulher, comemorado neste domingo, as mulheres no exerc�cio do poder, seja em Bras�lia, nos Estados ou nos munic�pios, t�m de enfrentar ambientes de trabalho masculinizados.
No Supremo Tribunal Federal (STF), C�rmen L�cia e Rosa Weber s�o as �nicas ministras entre os 11 integrantes da Corte. C�rmen j� reclamou at� mesmo que os colegas homens interrompem seu racioc�nio em plen�rio. Em abril de 2018, por exemplo, ela comandava uma sess�o quando o colega Marco Aur�lio Mello se irritou com sua decis�o. O ministro a chamou de "toda poderosa". Ela n�o deixou passar: "Sou apenas presidente da Corte".
Na tese de mestrado apresentada por C�rmen L�cia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nos anos 1980, o machismo tamb�m ficou registrado. "A aluna mulher raciocina brilhantemente como homem, por isso a nota total", escreveu o professor. Ao Estado, a ministra fez quest�o de destacar que notas em teses nunca s�o justificadas. "A minha, naquele caso, foi", lamentou. O nome do professor s� ser� revelado, diz ela, em suas mem�rias.
A diretora da Ag�ncia Nacional de Energia El�trica (Aneel) Elisa Bastos disse, por sua vez, que n�o � raro um homem se apropriar da ideia de uma mulher sem dar o devido cr�dito. "N�o importa se voc� est� em um cargo de lideran�a ou n�o. Enquanto n�o houver uma mudan�a cultural, acontecer� com todas, independentemente de ser a estagi�ria ou a presidente de uma multinacional."
Levantamento feito pelo jornal O Estado de S�o Paulo com n�meros do Minist�rio da Economia revela que, na m�quina do governo federal, somente 38% dos 32 mil cargos de dire��o e fun��es gratificadas - com exig�ncia de diploma universit�rio - s�o preenchidos por mulheres. � um �ndice em decr�scimo desde 2006, quando elas ocupavam 41,5% dos postos.
A desigualdade fica vis�vel quando se observam os dados do Censo Escolar. H� mais de duas d�cadas as mulheres passaram os homens nos cursos superiores do Pa�s. Hoje, 57% dos estudantes s�o do sexo feminino.
Um dos nomes mais populares da gest�o Bolsonaro, a ministra Damares Alves (Mulher, Fam�lia e Direitos Humanos) conta que o mais forte ato de machismo vivenciado por ela ocorreu em novembro de 2018. Damares estava em Belo Horizonte quando, ap�s receber o t�tulo de cidad� honor�ria de Minas Gerais, leu na internet que tinha perdido a chance de fazer sexo com Jesus ao subir em um p� de goiaba. O post se referia ao v�deo em que ela contou ter visto Jesus numa goiabeira. Era um relato sobre o tempo de menina, que encontrou na f� a for�a para encarar os traumas da viol�ncia sexual cometida por um falso pastor.
Deputada licenciada pelo DEM, a ministra Tereza Cristina aponta o Congresso como o ambiente onde mais percebeu hostilidade. "Em toda minha carreira, onde eu vi mais machismo foi no Parlamento", relatou.
A entrada na pol�tica de Bras�lia, por meio do voto, tamb�m n�o � das mais f�ceis. Em 130 anos de Rep�blica, a C�mara e o Senado nunca foram comandados por mulheres. Das 594 cadeiras do Congresso, apenas 77 foram ocupadas por mulheres nas �ltimas elei��es. No comando de negocia��es, as mulheres assertivas muitas vezes recebem o carimbo de b�licas e complicadas. Vanessa Canado, assessora especial do ministro da Economia, Paulo Guedes, n�o est� imune. Ela � uma das principais negociadoras do governo no debate da reforma tribut�ria. A assessora, de 39 anos, observa que a idade � outro obst�culo que pesa mais para as mulheres. Enquanto para os homens jovens colocados em destaque � dado o adjetivo de talentoso, para as mulheres, paira a d�vida sobre o conhecimento t�cnico.
No Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha � a primeira e �nica ministra desde a cria��o da Corte por d. Jo�o VI, em 1808. Em 2014, a magistrada era vice-presidente do tribunal quando o titular se aposentou. Naturalmente, ela ascenderia ao comando, mas dois ministros se movimentaram para mudar o regimento e impedi-la.
A maioria n�o aceitou a manobra. "Claro que aquilo era uma discrimina��o de g�nero", diz Maria Elizabeth. Foi durante julgamento de uma tentativa de estupro que outro epis�dio de machismo a marcou. Um cabo do Ex�rcito era julgado por atacar sexualmente a mulher de um oficial. Uma parte do plen�rio entendia que o crime n�o passava de uma "importuna��o sexual". "Diziam que a condena��o do rapaz que tentou estupr�-la deixaria marcas e comprometeria sua ficha corrida", afirmou.
Primeira mulher a comandar o Superior Tribunal de Justi�a, a ministra Laurita Vaz diz que, entre os 33 integrantes da institui��o, somente seis s�o do sexo feminino. "Quando se chega ao �pice da carreira jur�dica, a disputa n�o depende mais de provas e t�tulos, mas de abertura pol�tica e de reconhecimento dos pr�prios pares, na maioria homens, que, muitas vezes, dificultam o acesso das mulheres."
Na semana passada, a prefeita de Ilhabela, Maria das Gra�as Ferreira, a Gracinha (PSD), precisou pedir provid�ncias � pol�cia para cessar ataques racistas. A casa onde mora, o corte de cabelo e at� as roupas que veste foram usados como ofensas. "A cidade j� teve v�rios prefeitos. Ningu�m nunca se preocupou se eles se vestiam bem ou mal".
No Rio Grande do Sul, Leany Lemos, secret�ria de Planejamento, foi barrada recentemente num evento em que acompanhava o governador Eduardo Leite (PSDB). Tentava ingressar em uma sala repleta de homens engravatados para uma importante reuni�o. "Isso j� aconteceu v�rias vezes. Na cabe�a das pessoas, n�o � um lugar de mulheres. Ou�o muito: �Voc� � secret�ria de qual secret�rio?�". As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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