
Depois de uma semana tensa, em que as orienta��es do Minist�rio da Sa�de para o isolamento social como forma de desacelerar a dissemina��o do novo coronav�rus (Sars-CoV-2) no Brasil foram criticadas e confrontadas pelo presidente da Rep�blica, Jair Bolsonaro, o ministro da Sa�de, Luiz Henrique Mandetta, defendeu nesse s�bado a necessidade de uniformizar as medidas de isolamento no pa�s. Ele, que na quarta-feira chegou a flexibilizar seu discurso para aproxim�-lo do tom de Bolsonaro em pronunciamento veiculado em cadeia nacional, declarou nesse s�bado que buscar� consenso com estados para um plano de transi��o � quarentena adotada para o enfrentamento da COVID-19 no pa�s.
A previs�o � de que o plano seja anunciado oficialmente a partir de 6 de abril, antes da P�scoa, o que evitaria aglomera��es. Contudo, num governo pautado por intensos embates ideol�gicos internos, novos reposicionamentos e mudan�as de rumo podem ocorrer.
Elaborada pela equipe t�cnica do minist�rio, a proposta foi enviada a secret�rios de Estado da sa�de na manh� desse s�bado. Prev� que escolas e universidades fiquem fechadas at� o fim de abril, com possibilidade de extens�o tamb�m para o m�s de maio. Tamb�m sugere que haja afastamento de idosos e pessoas de grupos de risco de atividades sociais e trabalho por tr�s meses, al�m de outras medidas de distanciamento para o restante da popula��o – incluindo veto a eventos, cinemas, cultos e incentivo a pr�ticas de home office.
O documento indica um alinhamento parcial �s propostas de Bolsonaro, que defende o isolamento restrito a idosos e pessoas com doen�as cr�nicas, ao recomendar o distanciamento social apenas desse grupo e permitir abertura de bares em metade da capacidade.
O vaiv�m de informa��es do governo federal provoca o caos informacional e muito desgaste pol�tico. Durante a semana, o governador de Goi�s e m�dico Ronaldo Caiado (DEM) – companheiro de primeira hora de Bolsonaro e um dos respons�veis pela indica��o de Mandetta ao cargo – rompeu com o presidente da Rep�blica.
Inconformado com o discurso de Bolsonaro em cadeia nacional – que cria uma falsa dicotomia entre “sa�de” e “economia”, quando em verdade, o enfrentamento da crise sup�e a��es m�ltiplas nos campos da sa�de p�blica, do econ�mico e social. O governador de Goi�s manteve o pr�prio decreto e a orienta��o em defesa do distanciamento social no combate � velocidade de dissemina��o da doen�a em seu estado. Ao mesmo tempo, reclamou da tentativa do presidente de jogar sobre o colo dos governadores a responsabilidade pela depress�o econ�mica e desemprego, ambos esperados a reboque da pandemia mundo afora.
A possibilidade de inflex�o na posi��o de Mandetta, como sugeria o seu reposicionamento durante a semana, provocou desconfian�a de governadores e considera��es de aliados. O deputado F�bio Trad (PSD-MS) chegou a reagir pelo Twitter: “Mandetta, eu o conhe�o h� mais de 40 anos. Permita-me um conselho de quem tem seu sangue nas veias: a dignidade de um homem est� acima de cargos. N�o fuja do juramento que fez na sua formatura. Fique com a ci�ncia. Se isto lhe custar o minist�rio, paci�ncia. Sangue n�o vira �gua.!”
Em meio ao conflito de informa��es, entretanto, o secret�rio-executivo e n�mero dois do Minist�rio da Sa�de, Jo�o Gabbardo, mantinha a orienta��o original dos t�cnicos da pasta. Ao mesmo tempo, um dia depois do pronunciamento de Bolsonaro, na quarta-feira, 25, o vice-presidente da Rep�blica, Hamilton Mour�o, procurou traduzir as mensagens contradit�rias, com a declara��o de que a posi��o do governo federal seria “uma s�” e favor�vel ao isolamento e ao distanciamento social.
O fato � que, no Minist�rio da Sa�de, a tens�o � agravada pela press�o que vem do pr�prio Pal�cio do Planalto: a Secretaria Especial de Comunica��o Especial (Secom) chegou a testar no Twitter e Instagram pe�as com o slogan “o Brasil n�o pode parar”, em cr�tica �s medidas restritivas sustentadas pelo Minist�rio da Sa�de e adotadas por governadores do estado, dois dias depois de Bolsonaro minimizar em pronunciamento oficial os riscos da doen�a.
Nesse s�bado, entretanto, a Justi�a Federal do Rio de Janeiro, a pedido do Minist�rio P�blico Federal, proibiu a veicula��o das pe�as em qualquer meio f�sico ou digital. A Secom divulgou nota negando "definitivamente" a exist�ncia de "qualquer campanha publicit�ria ou pe�a oficial" do �rg�o sob o t�tulo "O Brasil n�o pode parar". Na sexta-feira, tamb�m apagou posts com o mesmo slogan nos perfis oficiais no Twitter e no Instagram.
PERFIL
Choque de abordagens
N�o anda f�cil a vida de Mandetta, que agora se aprimora na arte equilibrista. At� o cavalo de pau dado pelo presidente Bolsonaro na condu��o do enfrentamento da pandemia, a avalia��o da atua��o de Mandetta vinha em alta. Em pesquisa de opini�o realizada entre os dias 18 e 20 de mar�o pelo Datafolha, a atua��o dele no combate � COVID-19 foi aprovada por 55% que a avaliavam como “�tima-boa” – patamar parecido aos 54% de aprova��o obtido pelos executivos estaduais. O �ndice foi superior ao alcan�ado pelo presidente da Rep�blica, Jair Bolsonaro, aprovado por 35% na mesma pesquisa.
O resultado provocou ci�mes no Planalto. Mas embora o discurso do presidente tenha desautorizado a linha adotada pelo Minist�rio da Sa�de, Mandetta permaneceu no cargo, ao contr�rio do que pensaram alguns de seus interlocutores pr�ximos.
Com forma��o m�dica em ortopedia pedi�trica no Brasil e nos EUA, al�m do apoio de Ronaldo Caiado para o Minist�rio da Sa�de, Mandetta foi indicado por Onyx Lorenzoni e pelas frentes parlamentares da sa�de no Congresso Nacional, que abarcam parlamentares de v�rios partidos pol�ticos.
Quando Bolsonaro formalizou o convite para a fun��o, Mandetta informou-lhe que era investigado por fraude em licita��o, tr�fico de influ�ncia e caixa dois. Trata-se de inqu�rito aberto quando foi secret�rio municipal de Sa�de de Campo Grande (MS) entre 2005 e 2010, na gest�o de Nelson Trad Filho – atual senador pelo PSD do Mato Grosso do Sul. Mandetta, que nega as acusa��es, alertou Bolsonaro sobre o caso. Na ocasi�o, o presidente entendeu que como ele ainda n�o era r�u, iria manter a nomea��o dele para o Minist�rio da Sa�de.
Ex- presidente da cooperativa Unimed do Mato Grosso do Sul, Mandetta foi eleito deputado federal por dois mandatos consecutivos, entre 2011 e 2019. Antipetista radical, Mandetta, que j� trabalhou como m�dico militar tenente no Hospital Geral do Ex�rcito, se uniu a Bolsonaro na C�mara dos deputados em oposi��o � ent�o presidente Dilma Rousseff (PT).
Ambos tamb�m combateram na linha de frente o Programa Mais M�dicos inaugurado pela petista, que incorporava profissionais cubanos no atendimento � sa�de b�sica. No Minist�rio da Sa�de, contudo, Mandetta reduziu as cr�ticas ao Mais M�dicos.
Embora de valores conservadores, ele evitou no primeiro ano de governo Bolsonaro pronunciar-se sobre a pol�mica pauta dos costumes. Ao mesmo tempo, manteve distanciamento ideol�gico na defesa de alguns temas recha�ados pela base mais radical de Bolsonaro, como a importa��o de medicamentos � base de maconha.
Em interlocu��o com aliados, o ministro da Sa�de chegou a cogitar ao longo do primeiro ano de governo Bolsonaro, concorrer �s elei��es de 4 de outubro para prefeito de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Mas, com a pandemia do novo coronav�rus batendo � porta, e a repercuss�o positiva de sua atua��o, desistiu do projeto. Talvez, mire as elei��es de 2022.
Entretanto, em igual velocidade � dissemina��o da COVID-19, os ventos t�m se tornado turvos para Mandetta no governo, quando, longe dos tempos em que ele e Bolsonaro levantavam as mesmas bandeiras e falavam a mesma l�ngua, uma aut�ntica torre de babel ergueu-se em torno do novo coronav�rus, tornando intelig�vel a comunica��o do governo federal � sociedade.
Enquanto o presidente classificava a COVID-19 de "gripezinha", o ministro previa um "colapso" no sistema de sa�de no final de abril. Bolsonaro passou a queixar-se do discurso de Mandetta, dizendo que ele levava “p�nico” � popula��o. Cobrou a mudan�a de tom. Entraram em choque duas abordagens que, antes de excludentes, seriam complementares se estivesse o governo preparado para o enfrentamento do problema em suas m�ltiplas dimens�es.
Para os vacinados na pol�tica, contudo, o choque n�o � casual. Ao se opor ao seu pr�prio governo, o presidente abre o segundo round da guerra: a de narrativas e de atribui��o de responsabilidades, quando a esperada crise econ�mica, numa economia que j� andava de lado, se aprofundar.