Na noite de 21 de fevereiro de 2019, em jantar oferecido a parlamentares bolsonaristas rec�m-eleitos, o embaixador chin�s Yang Wanming demonstrava empenho na tentativa de abrir canais para apaziguar rusgas da campanha eleitoral de Jair Bolsonaro com a China. O clima era de descontra��o na resid�ncia da embaixada, uma das poucas mans�es estrangeiras que ocupam a margem do Lago Parano� em desrespeito a ordens do governo de Bras�lia. O diplomata comunista chegou a posar para fotos com o broche do PSL na lapela do palet�. � �poca, a sigla era situa��o e havia sido al�ada por Jair Bolsonaro � condi��o de maior bancada de direita no Congresso. De olho nisso, a embaixada promoveu uma viagem dos parlamentares a Pequim, para revolta da milit�ncia insuflada pelo escritor Olavo de Carvalho.
Agora, um ano depois, a viagem e o convescote podem ser vistos como aperitivos do que o embaixador provocaria ao intervir no debate p�blico brasileiro. H� pouco mais de um ano no Pa�s, Wanming, de 56 anos, saiu do quase anonimato fora do meio diplom�tico e empresarial sino-brasileiro para virar personagem da polariza��o nacional. � odiado por bolsonaristas e celebrado por oposicionistas.
O motivo: respondeu de forma dura e provocativa a uma acusa��o feita pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, de que a ditadura chinesa ocultou a gravidade da pandemia do novo coronav�rus, impossibilitando que pessoas se prevenissem. "A culpa � da China e liberdade seria a solu��o", escreveu o parlamentar, a 18 de mar�o. Horas depois, a embaixada rebateu com uma s�rie de mensagens, algumas de linguajar nada diplom�tico: "Contraiu, infelizmente, v�rus mental, que est� infectando a amizades entre os nossos povos".
Tudo ocorreu no ambiente preferencial do bolsonarismo, as redes sociais, mas no momento em que o Brasil mais depende de produtos fabricados na China para conter uma espiral de infec��o no Pa�s. O bate-boca abriu uma crise diplom�tica entre os pa�ses e foi contornado por uma conversa telef�nica entre Bolsonaro e o presidente chin�s, Xi Jinping.
O embaixador recebeu mensagens de solidariedade e escusas dos chefes do Poder Legislativo, de personalidades do agroneg�cio e do meio acad�mico. Wanming foi alvo de amea�as virtuais e de protesto na porta da embaixada. Um homem estendeu faixas com xingamentos.
Wanming voltou � cena na semana passada para exigir retrata��o e rebater uma nova ofensiva da ala ideol�gica do governo. O ministro da Educa��o, Abraham Weintraub, postou - e depois apagou - mensagem usando os quadrinhos da Turma da M�nica para ridicularizar o sotaque chin�s e insinuar que o pa�s sairia da crise mundial geopoliticamente fortalecido.
As rea��es de Wanming romperam n�o s� o sil�ncio chin�s como um per�odo de hiberna��o da conta do embaixador no Twitter. Desde setembro de 2019, ele n�o publicava nada. Seu perfil pessoal, republicado pela embaixada, era at� ent�o usado para divulgar atividades corriqueiras, como palestras a empres�rios e almo�os com autoridades. Entre os embaixadores chineses em miss�o fora do pa�s, o chefe da embaixada em Bras�lia � hoje o terceiro mais influente digitalmente, com 43,4 mil seguidores no Twitter. S� perde para os representantes de Pequim na �ndia, o veterano Sun Weidong (59,6 mil seguidores), e nos Estados Unidos, Cui Tiankai (55,8 mil).
Twitter
Pioneiro na plataforma, que usa desde 2015 quando era chefe da miss�o chinesa na Argentina, Wanming foi catapultado ap�s o embate com Eduardo Bolsonaro. O chin�s ganhou mais de 42 mil seguidores nos �ltimos 30 dias, sendo 19 mil deles nas horas seguintes ao bate-boca com o filho do presidente.
Embora redes sociais ocidentais sejam bloqueadas internamente na China, a Embaixada em Bras�lia tem ordens para se manifestar preferencialmente pelo Twitter. O m�todo segue uma cartilha recente na pol�tica externa chinesa: ingressar na diplomacia digital, a "Twiplomacia". S�o ordens do presidente, que orientou o corpo diplom�tico a ser mais ativista e defender o socialismo de caracter�stica chinesa. Em 2019, ele publicou o "Pensamento de Xi Jinping para a Diplomacia".
O jornal O Estado de S. Paulo mapeou a presen�a de 87 perfis de embaixadores e embaixadas chineses ligados ao Minist�rio das Rela��es Exteriores do pa�s. A onda � recente. A ampla maioria dos tuiteiros chineses ingressou na rede de meados de 2019 e nos primeiros meses de 2020. Em maio de 2018, um estudo da consultoria Burson Cohn & Wolfe identificou que havia apenas sete embaixadas e um embaixador chineses ativos no Twitter. Wanming, por discreto, escapou ao levantamento.
Casado e pai de um menino, ele desembarcou em Bras�lia no fim de 2018 com a bagagem de quem conhece o continente como poucos na pol�tica externa de Pequim. � diplomata desde 1990, com mestrado em Economia e doutorado em Direito, pela Academia Chinesa de Ci�ncias Sociais, mas seu tra�o definidor foi ter se especializado no espanhol - a escolha do idioma � crucial na diplomacia chinesa. Ele serviu no M�xico e foi embaixador no Chile (2012-2014) e na Argentina (2014-2018).
Tem fama de ser um diplomata af�vel e pragm�tico, como � costume na China. Em Buenos Aires, deixou "as melhores refer�ncias", segundo um diplomata brasileiro da ativa. Abriu o mercado chin�s para produtos do agroneg�cio argentino, como cerejas e carne de ovinos e caprinos. E conseguiu entradas na infraestrutura local. Uma alta fonte da chancelaria Argentina afirma que Wanming se distingue por atuar de forma "menos oriental". "� um homem movedizo (inquieto), como dizemos na Argentina."
Quem o conheceu diz que Wanming se esmerou para come�ar a discursar em portugu�s e ri quando ainda troca alguma palavra pelo "portunhol" ou carrega no sotaque.
Wanming conduziu uma escalada de temperatura sem precedentes em 45 anos de rela��o entre os pa�ses, iniciada no regime militar. Mas as rea��es assertivas nas redes sociais, afirmam diplomatas brasileiros, jamais poderiam partir dele. S�o ordens superiores, j� que a diplomacia � hierarquizada e vigiada pelo Partido Comunista Chin�s. O meio e o tom fora do jarg�o � que impressionaram. "Francamente, fiquei um pouco surpreso com uma linguagem t�o incisiva diante do epis�dio. � um fen�meno novo, nunca vi a China atuar dessa maneira com rela��o ao Brasil", diz o ex-embaixador em Pequim Valdemar Carneiro Le�o, do Instituto de Estudos Brasil-China. Para ele, a veem�ncia de Wanming � sinal de que a confian�a pol�tica foi perdida. "A China n�o v� mais o Brasil como aliado absolutamente benigno. N�o h� mais no��o de que � um governo amigo, do qual n�o se espera nenhuma atitude inamistosa. A eros�o pol�tica ocorreu e continua ocorrendo", diz Carneiro Le�o.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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