Diante da possibilidade de o Brasil viver o seu terceiro processo de impeachment em 30 anos, o ministro Lu�s Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que, numa democracia, a maneira de se administrar a decep��o � com elei��es. "Impeachment � a �ltima op��o", afirmou ele ao jornal O Estado de S. Paulo. Sem se debru�ar sobre acusa��es com potencial de levar o presidente Jair Bolsonaro a deixar o governo depois de Dilma Rousseff (2016) e Fernando Collor (1992), o ministro foi taxativo: "� preciso que os fatos sejam graves, demonstrados".
H� v�rias frentes que podem culminar com a cassa��o de Bolsonaro, inclusive no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que ser� presidido por Barroso a partir do pr�ximo dia 25. A mais forte, por�m, tramita no Supremo em inqu�rito aberto a partir da den�ncia, feita pelo ex-ministro da Justi�a S�rgio Moro, de que Bolsonaro tenta interferir politicamente na PF. Mesmo depois da s�rie de derrotas impostas pelo STF ao Planalto, no m�s passado, Barroso disse que a Corte "n�o � advers�ria" do governo. "Numa democracia, sempre existem fric��es e tens�es entre os Poderes. Isso n�o significa crise institucional", observou.
O STF imp�s reveses ao presidente Bolsonaro. O sr. mesmo proibiu que o governo fa�a campanhas contra o isolamento social e o presidente virou alvo de inqu�rito aberto por Celso de Mello. Com a oposi��o desorientada no Congresso, o STF � o principal advers�rio do governo?
N�o acho. Nem o Supremo tem esse papel. O papel do STF � interpretar e aplicar a Constitui��o. � que as decis�es que eventualmente invalidam algum ato presidencial chamam mais aten��o do que as que validam. Mas, mesmo em temas delicados, como as rela��es de trabalho, o Supremo manteve as medidas provis�rias do governo (como a que permite redu��o de jornada e sal�rio). Portanto, seria um equ�voco ver o Supremo como um ator pol�tico neste sentido de ser contra ou a favor do governo.
Mas houve uma s�rie de decis�es que contrariaram o governo, inclusive suas.
Juiz deve prestar aten��o para o que � certo, justo e leg�timo. Houve uma decis�o minha para impedir uma campanha convocando as pessoas a irem para a rua e voltarem para o trabalho, quando a OMS e todas as autoridades diziam o oposto. N�o foi m� vontade pol�tica minha. � que a Constitui��o protege a vida e o direito � sa�de das pessoas. A decis�o do ministro Celso de Mello tem visibilidade pol�tica, mas � um fato ordin�rio. Portanto, acho que o Supremo interveio em algumas situa��es, produzindo o que considerou a melhor interpreta��o da Constitui��o.
A decis�o do ministro Alexandre de Moraes, suspendendo a nomea��o de Alexandre Ramagem para a Pol�cia Federal, foi duramente contestada pelo governo. Essa escala de atritos entre os Poderes n�o o preocupa?
N�o chamaria de atrito e, sim, de tens�es pr�prias da democracia. N�o vou comentar essa decis�o, porque � poss�vel que ela venha ao plen�rio e eu tenha de me manifestar. Por�m, ela se situa dentro do contexto de definir os limites do Judici�rio na preserva��o dos �rbitros neutros.
O que s�o �rbitros neutros? S�o institui��es de Estado, que n�o podem estar a servi�o de nenhum governo. Exemplos: Coaf, Receita Federal, Pol�cia Federal. Portanto, em muitos pa�ses do mundo, se justifica a interven��o judicial para assegurar que essas institui��es conservem a sua neutralidade, a sua imparcialidade. Numa democracia, sempre existem fric��es e tens�es entre os Poderes. Isso n�o significa crise institucional.
Mas Bolsonaro disse que n�o ia "engolir" a decis�o de Moraes.
O que vejo acontecendo no Brasil � que o Legislativo e o Judici�rio desempenham o seu papel com altivez e independ�ncia, e o Executivo tem cumprido as decis�es. E vejo as For�as Armadas altamente profissionalizadas. Se tem algum lugar de onde n�o veio not�cia ruim no Brasil nos �ltimos 30 anos foi das For�as Armadas. Portanto, se o Legislativo e o Judici�rio funcionam adequadamente, eu n�o tenho nenhuma raz�o para temer uma crise institucional.
Nem ruptura democr�tica?
Zero. Nessa mat�ria j� percorremos todos os ciclos do atraso.
O ex-ministro S�rgio Moro fez acusa��es muito graves contra o presidente, que v�o ser investigadas. O Brasil aguenta mais um processo de impeachment?
(longa pausa) A democracia, numa frase boa de um autor americano (Stephen Holmes), � feita de promessas, decep��es e administra��o da decep��o. Essa frase � boa e vale para todas as democracias, porque sempre existir� algum grau de frustra��o ou insatisfa��o. Impeachment n�o � a maneira ordin�ria de se administrar a decep��o nas democracias. A maneira ordin�ria de se administrar a decep��o numa democracia � com elei��es. Para que haja um impeachment, � preciso que os fatos sejam graves, demonstrados. Eu, de novo, estou falando em tese. Impeachment n�o � a primeira op��o. � a �ltima op��o.
Para a sociedade, o ideal seria a conclus�o das investiga��es do inqu�rito "Moro versus Bolsonaro" o quanto antes?
Todo inqu�rito, todo processo deve ser r�pido. Inqu�rito deve terminar em 90 dias. Voc� est� perguntando para uma pessoa que tem discurso antigo de que as coisas devem se passar na velocidade pr�pria e prevista na legisla��o. Sou opositor da cultura de procrastina��o que vigora no Brasil em geral. Acho que este inqu�rito, como qualquer outro, deve cumprir os prazos e terminar.
Moro teve um papel fundamental na condu��o dos processos e no combate � corrup��o?
N�o quero dar uma conota��o pol�tica imediata � minha vis�o sobre corrup��o, que � de um problema estrutural e sist�mico, mas, como disse, o ex-ministro S�rgio Moro simbolizou para muita gente essa supera��o da velha ordem. Acho que, quando ele aceitou ir para o governo, pagou um pre�o pessoal e a pr�pria Lava Jato pagou um pre�o. Mas as pessoas t�m o direito de fazer suas escolhas.
O ex-ministro disse que esse combate n�o � a prioridade do governo Bolsonaro...
O combate � corrup��o n�o � a �nica pauta relevante de um Pa�s. N�s precisamos de um pacto pela integridade. A corrup��o causou esse mal para o Pa�s, das decis�es erradas e a cultura em que todo mundo se achava no direito de levar vantagem indevida. E a�, sob esse aspecto, n�o tem corrup��o de esquerda ou de direita.
Como o sr. avalia essas manifesta��es pedindo a volta da ditadura e o fechamento do STF e do Congresso, inclusive com a presen�a do presidente?
Como qualquer Pa�s do mundo, n�s precisamos que as pessoas em posi��o de lideran�a superem as suas limita��es cognitivas, superem discursos divisivos e ajudem a construir uma agenda comum. Uma agenda agregadora. Estamos precisando de um choque de intelig�ncia emocional.
As elei��es de outubro ser�o adiadas por causa da pandemia do coronav�rus?
Meu desejo � n�o adiar, mas � ineg�vel que, neste momento, h� uma possibilidade real disso ser necess�rio. O ministro da Sa�de j� afirmou que n�o � capaz de prever quando ser� o pico da doen�a. Gostaria de adiar por poucas semanas e em qualquer hip�tese, de realiz�-las este ano, para evitar qualquer prorroga��o de mandato.
Bolsonaro j� disse que houve fraudes nas elei��es. H� espa�o para o retorno do voto impresso?
Fraude havia antes da ado��o das urnas eletr�nicas. � preciso desmistificar essa ideia do voto impresso. A primeira coisa � o custo. Todo mundo vai pedir confer�ncia do voto impresso com o eletr�nico. � um retrocesso. � um pouco entrar num t�nel do tempo.
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