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Estado de Minas POL�TICA

Um engenheiro no papel de 'juiz dur�o' do caso Queiroz


postado em 05/07/2020 16:00

Uma proposta de minirreforma no C�digo de Processo Penal brasileiro para tornar menos lentos os processos na Justi�a integra a disserta��o de mestrado em direito defendida em 2019 pelo juiz Fl�vio Itabaiana na Universidade Est�cio de S�. O trabalho, com propostas de limita��o de direitos e maior rigor com r�us e testemunhas, ajuda a confirmar a fama de extremamente r�gido conquistada, entre criminalistas do Rio, pelo magistrado da 27� Vara Criminal. Ele poder� julgar o caso Fl�vio Bolsonaro/Fabr�cio Queiroz, caso volte � primeira inst�ncia. No texto que lhe valeu o grau de mestre, O direito � razo�vel dura��o do processo e seus reflexos no processo penal, Itabaiana mostra preocupa��o com a demora excessiva em a��es criminais. Para ele, a tramita��o vagarosa pode gerar prescri��o de penas e impunidade.

"Ao longo dos meus 35 anos de carreira, acho que foi o juiz mais duro que conheci", descreve o advogado e defensor p�blico Paulo Ramalho. Segundo ele, Itabaiana � "duro demais, demais, demais, demais, demais." Mas, apesar de j� ter tido clientes condenados pelo magistrado, Ramalho o elogia. Descreve-o como focado, trabalhador, ass�duo - e preocupado com prazos, para que as acusa��es n�o prescrevam.

A preocupa��o fica n�tida na disserta��o, um trabalho de apenas 76 p�ginas, da folha de rosto � �ltima refer�ncia bibliogr�fica. No texto, Itabaiana prop�e, por exemplo, que n�o seja mais permitido ao r�u oferecer raz�es de apela��o � segunda inst�ncia, embora os recursos sejam mantidos. "Afinal, n�o faz sentido (...) pois os autos ter�o de ser remetidos para l� s� para este fim e, ap�s isto ocorrer, ter�o de retornar � primeira inst�ncia para que o Minist�rio P�blico apresente suas contrarraz�es para, em seguida, serem devolvidos em definitivo � segunda inst�ncia", argumenta. Outra modifica��o que o juiz pede � a aboli��o da possibilidade de apresenta��o, pelo acusado, de embargos infringentes ou de nulidade contra decis�es n�o-un�nimes que lhe forem desfavor�veis na segunda inst�ncia. Como o autor da a��o n�o tem o mesmo direito, o princ�pio da "paridade de armas" � violado, afirma.

Itabaiana tamb�m defende no trabalho o fim da intima��o de senten�a por edital, nos casos em que o sentenciado n�o for encontrado no endere�o que registrou na Justi�a, o que tamb�m pode causar demora. Nos casos em que houver ren�ncia da defesa � causa na fase de alega��es finais, defende que, para que o processo n�o pare � espera de novo advogado, o juiz nomeie um defensor e lhe d� acesso aos autos, mantendo os prazos originais. Mesmo v�timas e testemunhas seriam atingidos pelas propostas feitas pelo magistrado na disserta��o. Poderiam ser processadas por desobedi�ncia, se n�o comunicassem mudan�a de endere�o. Os "ofendidos" (alvos dos crimes) intimados que faltassem a audi�ncia tamb�m pagariam multa e as custas da dilig�ncia de intima��o frustrada. O juiz defende ainda que os processos penais prossigam na aus�ncia de r�us que mudem de endere�o e n�o o comuniquem � Justi�a.

"O que n�o se pode admitir �, em nome da dura��o razo�vel do processo, se criar uma nova fonte de impunidade, pois se o r�u tem interesse num processo r�pido (se � que tem), a sociedade tem interesse num processo justo, com senten�a absolut�ria ou condenat�ria", escreve o juiz na disserta��o.

Um processo r�pido � o que Fl�vio Bolsonaro n�o tem tido - e tem se beneficiado disso. As investiga��es do caso das "rachadinhas" - suposto repasse ao parlamentar do sal�rio pago a assessores que contratou e muitas vezes n�o trabalham - j� dura mais de dois anos. As investiga��es avan�am lentamente, e houve pelo menos dez tentativas da defesa de parar o processo, atras�-lo ou mud�-lo de inst�ncia.

Na �ltima, no fim de junho, a 3� C�mara Criminal do Rio, por dois votos a um, determinou que as investiga��es passem ao �rg�o Especial do Tribunal de Justi�a do Rio, foro dos deputados estaduais. O MP do Rio, por�m, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), cuja jurisprud�ncia aponta para a primeira inst�ncia como foro adequado a quem n�o integra mais a Assembleia Legislativa. O processo dever� voltar para Fl�vio Itabaiana, um juiz que tem, entre os criminalistas do Rio, fama de seguir um rigor desmedido em seus processos e senten�as.


Uma fam�lia de magistrados

Fl�vio Itabaiana de Oliveira Nicolau � de uma fam�lia de magistrados. � trineto do desembargador Jos� Joaquim Itabaiana de Oliveira, bisneto do desembargador Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira, neto do desembargador Aires Itabaiana de Oliveira e filho do desembargador Clarindo de Brito Nicolau. No antigo Estado do Rio outro magistrado do mesmo sobrenome, D�cio Itabaiana, primo da m�e do juiz da 27� Vara, andava armado e protagonizava a��es controversas, que chegavam ao notici�rio da �poca. Em 1964, amea�ou prender um delegado se n�o impedisse a realiza��o, no Instituto Abel, em Niter�i, de um bingo, com sorteio de um carro zero quil�metro. Considerou o sorteio jogo de azar. Pouco depois, condenou um motorista a, uma vez por m�s, copiar todo o c�digo de tr�nsito.

O Itabaiana dos dias atuais tamb�m tem personalidade forte, mas � avesso � publicidade - agradeceu e recusou-se a dar entrevista ao Estad�o. Estudou em escolas superiores privadas. Ingressou em 1978 na Universidade Santa �rsula, onde se graduou engenheiro el�trico. Especializou-se em engenharia econ�mica no Centro Cibern�tico Gay-Lussac, em 1984. No ano seguinte, ingressou no curso de direito da Universidade C�ndido Mendes, onde se formou em 1989. Seis anos depois, em 1995, ingressou por concurso p�blico na carreira de juiz no Tribunal de Justi�a do Rio. L�, � considerado um trabalhador compulsivo e um chefe cobrador. Profissionalmente, tem um sonho: chegar a desembargador, como os antepassados - seria o quinto da linhagem. Casado pela segunda vez, � discreto na vida pessoal e reservado no trabalho. J� processou advogados que considerou terem se excedido e o desrespeitado.

O perfil de juiz criminal dur�o, conservador e, no jarg�o jur�dico, punitivista o op�s � esquerda que apoiava o grupo de 23 ativistas denunciados sob acusa��o de protagonizar depreda��es e outros crimes nas Jornadas de Junho, em 2013. No processo dos chamados black blocs, o magistrado presidiu audi�ncias tensas, com os acusados em postura desafiadora, apresentando-se como perseguidos pol�ticos e reclamando de suposta parcialidade da Justi�a. Na primeira sess�o, como os acusados riram do depoimento da delegada Renata Ara�jo dos Santos, uma das testemunhas de acusa��o, o juiz os advertiu para que parassem. Eles insistiram, e o magistrado os expulsou da sala. "Aqui n�o tem palha�o", afirmou na ocasi�o. "N�o podem ficar rindo."

Cerca de um m�s depois, em outra audi�ncia, o magistrado voltou a determinar que r�us e plateia fossem retirados de uma sess�o, por fazerem o que Itabaiana considerou manifesta��o pol�tica. Em outro incidente, o advogado Andr� Luiz Costa de Paula acusou o juiz de ter, ilegalmente, interceptado suas liga��es telef�nicas. Itabaiana representou contra Costa de Paula - acusando-o de cal�nia - junto ao Minist�rio P�blico. O advogado n�o conseguiu provar o que dissera e teve rejeitada a exce��o da verdade que arguiria contra o juiz. No processo dos black blocs, alguns acusados tiveram telefones grampeados, legalmente. Ao aceitar a den�ncia contra os 23 acusados, Itabaiana decretou a pris�o de todos.

"Em liberdade, certamente encontrar�o os mesmos est�mulos para a pr�tica de atos da mesma natureza", disse, em nota. "Assim, como a periculosidade dos acusados p�e em risco a ordem p�blica, deve-se proteger, por conseguinte, o meio social".

Quatro deputados representaram contra Itabaiana no Conselho Nacional de Justi�a. "Sem precedentes no regime democr�tico, o magistrado reclamado utilizou dos poderes conferidos ao Judici�rio para, atrav�s de decreto de pris�o, coibir supostas tentativas de pr�ticas il�citas que n�o tiveram sequer o in�cio de ato preparat�rio algum. Foram pris�es cautelares destinadas a reprimir delitos imagin�rios forjados pelos aparatos da repress�o governamental", afirma trecho da reclama��o assinada pelos deputados Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Chico Alencar (PSOL-RJ), Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Ivan Valente (PSOL-SP). O juiz teve a solidariedade de colegas, que divulgaram nota por meio do Tribunal de Justi�a do Rio e a Associa��o dos Magistrados do Estado (Amaerj).

No fim do processo, o Minist�rio P�blico, encarregado legalmente da acusa��o, pediu a absolvi��o de cinco r�us, por falta de provas. Em 2018, o magistrado de "m�o pesada", como � classificado por advogados, condenou todos os 23. N�o � ilegal que um magistrado discorde de pedidos do MP para absolver acusados, mas n�o � usual que isso ocorra na Justi�a brasileira. As penas variaram de cinco anos e dez meses a sete anos de reclus�o, por associa��o criminosa armada com a participa��o e corrup��o de menores.

A senten�a, por�m, foi anulada em 2019 pelo Supremo Tribunal Federal. Os ministros da 2� Turma consideraram que foi ilegal a atua��o clandestina de um policial infiltrado nos atos, sem o devido controle legal. Depoimentos de Maur�cio Alves da Silva foram fundamentais para as condena��es. Antes de deixar o cargo de procuradora-geral da Rep�blica, Raquel Dodge, no ano passado, pediu corre��o da decis�o. Argumentou que apenas alguns acusados foram acusados apenas com base no que dissera o agente.

Rigor de Itabaiana, agora, atormenta a direita

Agora, depois de irritar a esquerda, o rigor de Itabaiana atormenta a direita. Enquanto era o juiz do caso Queiroz, ele instruiu as investiga��es contra Fl�vio Bolsonaro, determinando por exemplo a quebra de sigilo banc�rio de 95 pessoas f�sicas e jur�dicas. A a��o foi fundamental para as investiga��es do Minist�rio P�blico, que a partir dela conseguiu fortes ind�cios de que o ex-assessor Fabr�cio Queiroz pagava, em dinheiro vivo provavelmente obtido pelas "rachadinhas", despesas pessoais do parlamentar e da mulher Fernanda. Tamb�m foi o juiz que determinou a opera��o de busca e apreens�o realizada no fim de 2019. Nela, foi arrecadado um celular de M�rcia Aguiar, mulher de Queiroz, com pistas que ajudaram a localiz�-lo e prend�-lo, em junho de 2020.

Como a esquerda fez no caso dos ativistas de 2013 Fl�vio Bolsonaro acusa Itabaiana de parcialidade. O senador aponta o fato de Nat�lia Nicolau, filha do magistrado, trabalhar para governo estadual, como suposto motivo da atua��o rigorosa de Itabaiana no processo. Na vers�o do parlamentar, o magistrado estaria a servi�o do governador do Rio e seu rival, Wilson Witzel (PSC). O juiz divulgou nota negando as acusa��es - e se defendendo.

"A filha do dr. Fl�vio Itabaiana foi nomeada em 01/04/2019, sendo certo que trabalha diariamente, cabendo, contudo, ao governo do Estado informar se ela � ou n�o funcion�ria fantasma", diz o texto. "O magistrado ressalta que n�o foi a pedido dele que ela foi nomeada para trabalhar l�, pois n�o tem qualquer contato com o governador nem com qualquer outra pessoa do Pal�cio Guanabara."

A mais nova frente aberta por Fl�vio Bolsonaro contra o juiz � um pedido de suspei��o contra ele em uma investiga��o na Justi�a Eleitoral, sobre sua declara��o de bens, tamb�m sob responsabilidade do magistrado. O senador � investigado por lavagem de dinheiro e falsidade ideol�gica eleitoral. Seu novo advogado, Rodrigo Roca, pediu que Itabaiana seja declarado suspeito, porque seria amigo dele, depois de represent�-lo em um processo contra o advogado Ronaldo Linhares. Em 1998, Linhares criticou Itabaiana em evento na C�mara dos Vereadores de Concei��o de Macabu, no Norte Fluminense, onde Itabaiana atuava. Ele, por�m, nega ser amigo de Roca, que, assegura, encontrou pela �ltima vez em 2014.

"De qualquer forma, o art. 256 do C�digo de Processo Penal deixa claro que a suspei��o n�o poder� ser declarada nem reconhecida quando a parte 'de prop�sito der motivo para cri�-la'", declarou, em nota. "Assim, como eu j� estava atuando no processo, n�o poderia o investigado Fl�vio Bolsonaro (nem qualquer outro investigado) contratar um advogado, dizer que ele � meu amigo e arguir minha suspei��o para me afastar do processo."

Fl�vio Bolsonaro, por�m, deve insistir na tentativa de evitar Itabaiana. Tanto na Justi�a criminal como na Eleitoral, a "m�o pesada" do magistrado assusta. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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