N�o � dif�cil encontrar quem relativize a democracia no Pa�s, mostra um levantamento in�dito do Instituto Sivis. Mais de 3,5 mil pessoas das cinco regi�es brasileiras foram entrevistadas em maio - durante a pandemia do novo coronav�rus - e 82,5% delas disseram que n�o se op�em totalmente � possibilidade de o governo passar por cima das leis, do Congresso ou das institui��es para resolver problemas da popula��o durante uma crise.
"� algo bastante preocupante, um sinal de alerta", disse o coordenador da pesquisa Valores em Crise, Diego Moraes. A sondagem integra um estudo global da World Values Survey Association (WVSA), que reunir� percep��es em diferentes pa�ses sobre valores em tr�s momentos: logo ap�s o in�cio da pandemia (question�rio j� realizado), quando o impacto da crise for menor e at� um ano ap�s a situa��o ter sido normalizada.
A equipe de Moraes identificou dois perfis entre os brasileiros: os democratas "s�lidos", que se mostraram intransigentes quanto aos valores democr�ticos; e os "instrumentais", que, diante de situa��es de crise como a pandemia, relativizam os pilares do sistema. "Os valores democr�ticos, suas normas e procedimentos devem ser comprados na totalidade. A democracia n�o promete o para�so na Terra, mas, dentro de circunst�ncias adversas, � o regime que tem a possibilidade de enfrentar isso da melhor maneira", afirmou Moraes.
Num extremo do debate, tem quem se considere "ativista pol�tico antidemocr�tico". O estudante de Direito Daniel Miorim, de 24 anos, � um deles. Dono de uma plataforma de cursos online que prega abertamente o fim da democracia, Miorim v� com ceticismo o Estado e a capacidade de organiza��o da sociedade. Para ele, que se diz "anarquista de livre mercado", o Estado � um "parasita" a quem o sistema democr�tico confere "apar�ncia de leg�timo". "A luta pelo fim da democracia � a mais sincera forma de luta pela liberdade", disse.
O youtuber e estudante de Filosofia Paulo Kogos, de 32 anos, questiona a democracia por julgar que ela pr�pria n�o se permite ser questionada. Com 125 mil inscritos em seu canal, Kogos se considera um "anarcocapitalista com tend�ncias mon�rquicas" e diz que v� na democracia a perda de freios morais e limites �ticos.
"Eu sou contra a democracia. Tudo � v�lido se for votado. Temos que resgatar as ideias de uma sociedade crist�, do livre mercado, da ordem e da hierarquia. As pessoas s�o desiguais, o que significa que algumas pessoas est�o mais aptas a servir. Defendo pequenas governan�as feitas por uma elite natural", afirmou o youtuber.
A reportagem pesquisou nas redes express�es como "defendo a democracia, mas..." e encontrou centenas de postagens p�blicas que trazem ressalvas quanto ao regime democr�tico. Muitos utilizam o anonimato para se posicionar. � o caso do "Duque de Santana", nome fantasia usado por um estudante de 22 anos de Salvador. O Estad�o confirmou sua identidade. Ele se diz militante monarquista e defende o sistema parlamentarista com voto distrital. "A democracia existe no Brasil, funciona e deve ser preservada, mas ela tem muitos artif�cios que alienam o povo da pol�tica."
O Pa�s registrou nos �ltimos meses diversos epis�dios antidemocr�ticos. Atos pr�-ditadura e que pediam o fechamento de institui��es como o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram at� a participa��o do presidente Jair Bolsonaro. O STF abriu inqu�rito para investigar a organiza��o desse tipo de mobiliza��o.
De acordo com a constitucionalista Vera Chemim, quem se manifesta contra ou a favor de formas de governo n�o comete necessariamente ilegalidade, mas � crime atentar contra a ordem institucional do Pa�s. "Se a pessoa age de forma violenta contra a ordem constitucional, comete crime." A Lei de Seguran�a Nacional prev� pena de at� 15 anos de pris�o para quem tentar mudar o "regime vigente" com viol�ncia ou grave amea�a. Fazer parte de uma organiza��o que pregue a mudan�a do estado de direito de forma violenta tamb�m � crime.
�Ressalvas�
A pesquisa do Instituto Sivis mostra que o compromisso dos brasileiros com a democracia n�o est� ancorado em bases s�lidas. Pouco mais de 40% dos entrevistados disseram concordar totalmente com a ideia de que a democracia � prefer�vel a qualquer outra forma de governo - como na c�lebre frase do ex-premi� brit�nico Winston Churchill, de que a democracia "� a pior forma de governo, � exce��o de todas as demais" -, mas 36% concordaram apenas em parte com essa ideia.
De acordo com a historiadora Wania Sant�Anna, do Instituto Brasileiro de An�lises Sociais e Econ�micas (Ibase), o problema est� ligado a um hist�rico de desigualdade no Brasil. "A proclama��o tardia de Rep�blica, o hist�rico de escravid�o e formas de condu��o da pol�tica no p�s-aboli��o determinam, em grande medida, a fragilidade de nossa democracia. Como par�metro ocidental, a democracia ainda precisa se consolidar como experi�ncia de condu��o das vontades, interesses e necessidades coletivas."
A ressalva quanto � democracia em alguns casos, mesmo entre os que a defendem, vem de concep��es ideol�gicas. O professor de Hist�ria Marcelo Melo, de 41 anos, diz que n�o defende nem o fim nem a relativiza��o da democracia, mas que n�o acredita em uma "democracia plena". "Toda ideia de democracia � ideol�gica. Quem est� no poder tem um determinado conceito de democracia. Devemos lutar pela amplia��o e ajustes na democracia. Acredito num modelo popular e mais acess�vel."
J� o aut�nomo Felipe Leite, de 31 anos, defendeu uma "compreens�o ampla" sobre o conceito. "A democracia ainda � o melhor regime, o que falta � traduzir seu significado e mostrar que a pol�tica n�o est� restrita a presidente, governadores, prefeitos, vereadores, deputados e senadores, e, sim, a cada passo e decis�es que tomamos. A democracia � linda quando aplicada da forma correta, e o que estamos vendo hoje n�o � isso."
Para Diego Moraes, coordenador da pesquisa, se cada indiv�duo traz uma ret�rica sobre democracia, o risco � de que a discuss�o caia em um relativismo "extremo". "A democracia pode ser qualquer coisa ao bel-prazer de qualquer um? N�o h� democracia sem institui��es, sem os tr�s Poderes com atua��es garantidas." As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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