Para o professor e advogado constitucionalista Gustavo Binenbojm, a guerra contra a censura ainda n�o foi vencida no Brasil, embora ela tenha sido formalmente extinta pela Constitui��o de 1988. Autor do livro Liberdade igual - o que � e por que importa, que est� sendo lan�ado pela editora Intr�nseca, Binenbojm afirma que o Pa�s ainda se v� �s voltas com iniciativas do Legislativo e do Judici�rio que restringem a livre circula��o de ideias e informa��es. Ele elogia, por�m, a atua��o do Supremo Tribunal Federal nesse �mbito.
Embora atue em causas mais relacionadas � liberdade de express�o, como a derrubada da proibi��o de biografias n�o autorizadas, o advogado diz que seu livro trata de outras dimens�es da liberdade - "a religiosa, a pol�tica e a de iniciativa". "S� quando temos a liberdade amea�ada � que a gente desperta para o fato de como � ruim viver sem ela, e como boa parte de nossa identidade se constr�i porque somos livres." A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estad�o:
O que significa liberdade igual?
A ideia de liberdade igual � a de que deve haver uma igual distribui��o de oportunidades de ser livre a todos, ainda que o exerc�cio da liberdade por indiv�duo leve a resultados diferentes. � a ideia de que qualquer defesa da liberdade individual tem sempre uma pretens�o universalizante, e ser� sempre uma empreitada coletiva. � um exerc�cio coordenado que pressup�e uma corresponsabilidade, um exerc�cio compartilhado de responsabilidades. A pandemia d� um exemplo. N�o � poss�vel que voc� exer�a livremente a liberdade de locomo��o sem imaginar que as outras pessoas, se exercerem essa liberdade sem responsabilidade, v�o colocar a sua liberdade em risco, porque em jogo est�o a sa�de e a vida das pessoas.
O livro fala que superamos o est�gio primitivo da censura oficial, realizada pelo Poder Executivo, mas que formas acess�rias de censura agem cotidianamente no Pa�s.
As ditaduras do s�culo 20 no Brasil, tanto a varguista quanto a militar p�s-64, tinham �rg�os oficiais que se proclamavam cens�rios, exerciam de maneira oficial a censura, o controle das pautas do debate p�blico, o conte�do que se podia ler, ver e ouvir no pa�s. isso era exercido de maneira autorit�ria e muitas vezes truculenta, mas de maneira institucionalizada. o que acontece no brasil p�s-redemocratiza��o � o banimento da censura oficial, s� que o direito muitas vezes proclama formalmente algumas garantias e a realidade n�o corresponde a elas. esse caminho de quase 32 anos de vig�ncia da constitui��o de 1988, que cont�m compromissos muito firmes com a liberdade de express�o e de imprensa, � de supera��o desse atraso at�vico do pa�s, que formalmente foi banido, mas que assume formas veladas, disfar�adas. no brasil se considerava que censura era s� o controle de informa��o pelo executivo, e que, se o legislativo aprovasse uma lei regulando programa��o de televis�o ou espet�culos p�blicos, estaria apenas exercendo o poder soberano de regulamentar a constitui��o. e que n�o seria censura se um juiz desse liminar contra um jornal para proteger a privacidade de um pol�tico pego em flagrante recebendo uma mala de dinheiro. esses s�o exemplos que tiveram de ser gradualmente superados no Brasil.
Quem mais colabora para a supera��o da censura?
Um �rg�o que fez isso avan�ar foi o Supremo Tribunal Federal, por meio de sucessivas decis�es, desde a n�o recep��o da Lei de Imprensa, editada pelos governos militares, que tinha um ran�o autorit�rio, passando pela proclama��o do direito das pessoas de discutir livremente pol�ticas p�blicas, como no caso da marcha da maconha, e casos dos quais participei, como o das biografias n�o autorizadas, a supera��o de uma norma do C�digo Civil que exigia autoriza��o pr�via para publica��o de qualquer livro sobre a vida de uma pessoa. Tamb�m a legisla��o eleitoral, que praticamente impede a cr�tica jornal�stica nos 90 dias que antecedem as elei��es. Nas �ltimas d�cadas, o Supremo deu boas respostas a isso, e o Pa�s avan�ou. Mas a realidade brasileira mostra que a guerra contra a censura ainda n�o foi vencida. H� fortes sentimentos cens�rios que se manifestam pelas vias institucionais. � uma tend�ncia n�o apenas de governos autorit�rios, mas de sociedades que t�m essa necessidade de calar vozes dissonantes.
O livro fala da exclus�o de p�ginas do MBL pelo Facebook, ocorrida em 2018. Neste momento, nos Estados Unidos, est�o sendo removidas da plataforma p�ginas de movimentos que promovem teorias conspirat�rias e pregam viol�ncia. Como � uma empresa privada, que estabelece regras de uso da plataforma, pode-se falar de censura nesses casos?
Existe um espa�o amplo de regula��o privada das plataformas, em seus termos de pol�ticas de uso. Sou defensor de que as plataformas devam exercer com maior responsabilidade a modera��o de conte�do nas suas redes. Quando voc� utiliza uma plataforma digital que � de uma empresa privada, voc� tem que aderir aos termos de uso, e, se houver viola��o a esses termos, a plataforma n�o s� pode como deve adotar os mecanismos previstos nessa regula��o privada que forem cab�veis em cada caso concreto. O que eu n�o acho que seja poss�vel � se defender que as democracias ocidentais n�o tenham o poder de estabelecer uma regula��o b�sica, por meio de lei, para o funcionamento das plataformas digitais e servi�os de mensageria privadas. Sou favor�vel a ter um marco legal.
O chamado Projeto de Lei das Fake News cumpre esse papel?
Deve haver um marco legal sobre deveres de transpar�ncia e deveres procedimentais das plataformas na modera��o de conte�do. A plataforma deve prestar contas � sociedade sobre como realiza a modera��o de conte�do, e as ferramentas de busca devem expor de maneira transparente como estabelecem seus crit�rios de prioridade em suas buscas. A lei deve dar uma base institucional de atua��o para as plataformas, e essa base ser� complementada pela regula��o privada. � o que a gente chama de corregula��o ou autorregula��o regulada. Parece um termo paradoxal, mas n�o �. Voc� d� um espa�o para a autorregula��o privada, mas ela se exerce dentro das balizas que a sociedade estabelece, que est�o previstas em lei.
Qual � o caminho para combater o problema das not�cias fraudulentas sem dar ao Estado o poder de regular a verdade?
O projeto das fake news surgiu no Senado com uma inspira��o equivocada, porque partia de uma busca de defini��es conceituais sobre verdade e desinforma��o. Isso daria aos �rg�os de controle, sobretudo ao Minist�rio P�blico e ao Judici�rio, um poder extraordin�rio de controlar ideias e opini�es, a partir de conceitos t�o indeterminados como verdade e desinforma��o. Mas houve uma corre��o de rumos no Senado. Eles transformaram um projeto de lei que tinha inclina��o para o controle de conte�do em outro sobre regula��o estrutural de plataformas digitais.
Grupos bolsonaristas acusam ag�ncias de checagem de fatos de promover censura, j� que isso reduz o alcance de alguns conte�dos. Essa cr�tica faz sentido?
N�o. Uma das tend�ncias interessantes desse momento de desprest�gio das m�dias tradicionais �, paradoxalmente, uma revaloriza��o do jornalismo profissional e das organiza��es que praticam o jornalismo profissional, ou seja, com par�metros profissionais de apura��o, entre elas as ag�ncias de checagem. N�o me parece procedente a cr�tica de que haja censura ou manipula��o.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
POL�TICA