Para determinar que Jair Bolsonaro preste depoimento presencialmente no inqu�rito que apura suposta tentativa de interfer�ncia do presidente na Pol�cia Federal, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, apontou diferentes precedentes da corte para amparar o entendimento de que os chefes de Poderes, quando sujeitos a investiga��o criminal, n�o tem direito � prerrogativa de depor por escrito. Entre as decis�es anteriores do STF citadas pelo decano est� uma proferida pelo ministro Teori Zavascki em 2016, que negou depoimento por escrito ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), � �poca em que era presidente do Congresso Nacional.
Na ocasi�o, Renan pediu para prestar depoimento por escrito no �mbito de inqu�rito em que era investigado por corrup��o e lavagem de dinheiro - apura��o que tamb�m implicava o ex-deputado An�bal Gomes. O ent�o procurador-geral da Rep�blica, Rodrigo Janot se manifestou contra o pedido do senador, sob o entendimento de que a prerrogativa do depoimento por escrito � aplic�vel somente para testemunhas e n�o para investigados. O posicionamento � contr�rio ao do atual chefe do Minist�rio P�blico Federal, Augusto Aras, que defendeu que Bolsonaro prestasse por depoimento por escrito.
"Com efeito, aqueles que figuram como indiciados (inqu�rito policial) ou como r�us (processo penal), em procedimentos instaurados ou em curso perante o Supremo Tribunal Federal, n�o disp�em da prerrogativa institu�da pelo art. 221 do CPP, eis que essa norma legal somente se aplica �s autoridades que ostentem a condi��o formal de testemunha ou de v�tima'", registrou Teori na decis�o proferida em 2016 e reproduzida por Celso.
Al�m do precedente de Renan, o decano citou ainda uma decis�o do ex-presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, ao destacar que o artigo 221 do C�digo Penal, que trata da possibilidade do depoimento por escrito por chefes dos Poderes da Rep�blica, somente pode ser invocado quando os mesmos constarem como testemunhas em determinado processo.
"Cuidando-se de interrogat�rio, a �nica previs�o para que o investigado o fa�a por escrito repousa nos incisos II e III do art. 192 do CPP, no caso dos mudos e dos surdos-mudos", registrou Toffoli na decis�o lembrada por Celso de Mello.
O decano tamb�m indicou que o 'substancioso corpus doutrin�rio' que citou em sua decis�o tamb�m vai na linha do que defendem juristas e professores. Celso chegou a citar um artigo do procurador regional da Rep�blica em Bras�lia Vladimir Aras publicado no Blog em maio.
Apesar de n�o admitir a possibilidade de Bolsonaro prestar depoimento por escrito, uma vez que � investigado, Celso apontou que em tal posi��o o presidente tem, como qualquer outra pessoa, algumas garantias fundamentais, podendo at� se recusar a comparecer ao interrogat�rio, ou ent�o, se comparecer, exercer o direito ao sil�ncio ou o de 'n�o ser obrigado a produzir provas contra seus pr�prio interesses'.
O caso Temer
Ao determinar a oitiva presencial de Bolsonaro, Celso disse 'n�o desconhecer' que a possibilidade do depoimento por escrito - pleiteada pelo atual chefe do Executivo - foi garantida ao ex-presidente Michel Temer em duas ocasi�es distintas.
No entanto, para Celso, as decis�es que garantiram tal 'benef�cio' a Temer - proferidas pelos ministros Lu�s Roberto Barroso e Edson Fachin - foram dadas sob uma orienta��o 'apoiada em sum�ria fundamenta��o', que n�o pode ser aplicada aos chefes dos Poderes da Rep�blica, inclusive ao pr�prio presidente, quando se registrar situa��o em que eles figurem como suspeitos, investigados ou r�us.
O caso Temer foi o principal argumento do recurso da Advocacia-Geral da Uni�o contra a decis�o de Celso de Mello. Um dos precedentes do Supremo usados pela AGU foi a decis�o tomada em 2017, pelo ministro Lu�s Roberto Barroso, ao permitir que o ex-presidente apresentasse esclarecimentos por escrito sobre uma investiga��o envolvendo irregularidades no setor portu�rio. O ministro Edson Fachin, relator de um outro inqu�rito, aberto com base na dela��o da JBS, garantiu a Temer o mesmo direito.
"Note-se: n�o se roga, aqui, a concess�o de nenhum privil�gio, mas, sim, tratamento rigorosamente sim�trico �quele adotado para os mesmos atos em circunst�ncias absolutamente id�nticas em precedentes muito recentes desta mesma Egr�gia Suprema Corte", afirmou a AGU ao STF.
O �rg�o acionou o Supremo ap�s receber um of�cio da PF que informou a intima��o de Bolsonaro para a realiza��o do interrogat�rio. No documento, a PF ofereceu tr�s datas para que o presidente apresentasse 'declara��es no interesse da Justi�a': 21, 22 ou 23 de setembro de 2020, �s 14 horas.
Enquanto o depoimento por escrito cria um "ambiente controlado", em que os esclarecimentos podem ser ajustados e revistos por auxiliares antes de a resposta ser formalmente enviada ao STF, o formato presencial abre margem para novos questionamentos dos investigadores e o comportamento imprevis�vel do presidente da Rep�blica.
Pelo fato de Celso estar em licen�a m�dica, o pedido do governo foi analisado pelo ministro Marco Aur�lio Mello que determinou a suspens�o das investiga��es contra Bolsonaro at� que o plen�rio da Corte se manifeste sobre o tema.
"Mostra-se inadequada a atua��o individual objetivando aferir o acerto, ou n�o, de entendimento do relator. Avesso � autofagia, cabe submeter ao pleno o agravo formalizado, para uniformiza��o do entendimento", escreveu Marco Aur�lio em sua decis�o.
Caber� a Fux, o rec�m-empossado presidente da corte, decidir a data em que o tema ser� analisado. De acordo com auxiliares do Supremo, Fux dever� consultar Celso antes de marcar a data do julgamento. A tend�ncia � que a discuss�o s� ocorra quando o decano j� estiver de volta �s atividades.
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