
Bolsonaro intensificou a prega��o contra o sistema eleitoral depois de ver a maioria de seus candidatos derrotados no primeiro turno das elei��es municipais e tamb�m no momento em que algumas indefini��es no governo amea�am atrapalhar seu projeto eleitoral.
O atraso na cria��o de um programa permanente de distribui��o de renda para substituir o aux�lio emergencial, que termina em dezembro, � um dos componente do pano de fundo das preocupa��es do presidente com 2022. A concess�o do benef�cio foi decisiva para o aumento dos seus �ndices de aprova��o.
Uma preocupa��o adicional do chefe do governo � o fortalecimento que partidos pol�ticos ligados a advers�rios tiveram no primeiro turno das elei��es municipais, entre os quais o PSDB do governador de S�o Paulo, Jo�o Doria, um dos pr�-candidatos � presid�ncia. Tamb�m sa�ram fortalecidos o MDB e o DEM do presidente da C�mara, Rodrigo Maia (RJ), visto pelo Planalto como um advers�rio.
O esfor�o de Bolsonaro para desqualificar o sistema eleitoral brasileiro � mais uma demonstra��o de semelhan�a entre ele e o presidente americano, Donald Trump, que atribui a fraudes sua derrota para Joe Biden nas elei��es do in�cio do m�s. Nenhum dos dois governantes, por�m, apresentou ind�cios ou provas para sustentar essas alega��es.
Voto impresso
Na sexta-feira (20/11), Bolsonaro voltou a dizer que “o voto impresso deve ser realidade em 2022”, durante conversa com apoiadores em frente ao Pal�cio da Alvorada, quando afirmou tamb�m que “o Parlamento, como sempre, vai atender a vontade popular”. O presidente tamb�m reafirmou que n�o confia no sistema eleitoral e disse que foi “muito roubado” nas elei��es de 2018, embora as tenha vencido.A PEC em quest�o, apresentada pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), teve a admissibilidade aprovada em dezembro do ano passado pela Comiss�o de Constitui��o e Justi�a (CCJ) da C�mara e, agora, aguarda forma��o de uma comiss�o especial para ser analisada. Ela prev� que, “na vota��o e apura��o de elei��es, plebiscitos e referendos, seja obrigat�ria a expedi��o de c�dulas f�sicas, confer�veis pelo eleitor, a serem depositadas em urnas indevass�veis, para fins de auditoria”.
Mudan�a inconstitucional
A proposta da deputada, por�m, n�o deve prosperar. Em junho de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o trecho da minirreforma eleitoral aprovada pelo Congresso em 2015 que previa a volta do voto impresso. Al�m disso, membros da c�pula do Congresso consideram que a apresenta��o da PEC e as cr�ticas ao sistema eleitoral apenas buscam criar uma narrativa para desqualificar uma eventual derrota de Bolsonaro em 2022.Nesse esfor�o, o presidente � capaz at� mesmo de questionar o resultado da elei��o que ele pr�prio venceu em 2018. Em mar�o, durante palestra para apoiadores brasileiros em Miami, nos Estados Unidos, o presidente disse ter nas m�os “provas” de que deveria ter sido eleito no primeiro turno. Por�m, passados 11 meses, ele ainda n�o apresentou essas provas. E n�o deve mesmo faz�-lo: o sistema de voto eletr�nico utilizado no Brasil ao longo de 20 anos � uma refer�ncia internacional e nunca teve qualquer tipo de fraude comprovada.
Bolsonaro j� questionava a lisura do sistema eleitoral antes mesmo de tomar posse. Durante campanha presidencial, chegou a dizer que n�o aceitaria outro resultado que n�o sua vit�ria nas urnas em 2018. Foi durante entrevista ao apresentador Jos� Luiz Datena, da Band. Diante da insist�ncia do presidente em desqualificar o sistema eleitoral, h� preocupa��es com a possibilidade de declara��es como essa se repetirem em 2022.
Sem evid�ncias
Para o cientista pol�tico Paulo Calmon, professor da Universidade de Bras�lia (UnB), elei��o � um tema extremamente importante numa democracia e deve ser tratado com seriedade. Segundo o docente, se o presidente aponta falhas na seguran�a da urna eletr�nica, ele tem a obriga��o de apresentar as evid�ncias dessas ocorr�ncias para que se inicie um processo de investiga��o. “Caso ele n�o seja capaz de produzir essas evid�ncias, seria melhor n�o se manifestar”, afirmou Calmon.O professor acrescenta que se o presidente n�o aceitar o resultado das elei��es de 2022, caso n�o haja mudan�a na lei eleitoral at� l�, ele estar� cometendo um crime e violando seu juramento de “Manter, defender e cumprir a Constitui��o, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a uni�o, a integridade e a independ�ncia do Brasil”.
“O Brasil n�o � uma ditadura, e os pol�ticos, ju�zes, gestores p�blicos e militares n�o t�m obriga��o de atender aos caprichos de um l�der pol�tico, mas sim de respeitar, defender e cumprir a Constitui��o e observar as leis. Assim como acontecer� com o presidente Trump, cujas manobras voltadas para contestar as elei��es n�o surtir�o efeito e comprometer�o sua heran�a pol�tica, a tentativa de mimetizar essa mesma estrat�gia no Brasil afundar� o prest�gio e a heran�a pol�tica de quem a prop�e mais do que colocar� em risco a preserva��o do Estado de Direito no Brasil”, concluiu Paulo Calmon.
Antecipa��o de 2022
Para a advogada constitucionalista Vera Chemin, Bolsonaro parece estar antecipadamente prevendo uma derrota eleitoral em 2022. Segundo ela, o momento � altamente desfavor�vel politicamente para o presidente, tendo em vista fatores internos e externos. “Externamente eu destaco a pr�pria derrota do Trump, cuja conduta no governo � muito similar � do Bolsonaro. A partir do momento em que Bolsonaro persistir em seguir obstinadamente os mesmos passos do Trump ele vai inviabilizar de vez a reelei��o dele.Internamente, temos um discurso superado no tempo e a conduta dele com rela��o a quest�es nacionais extremamente relevantes, como o combate � corrup��o e a pandemia do coronav�rus, pois sabemos que n�o houve qualquer avan�o nesses dois sentidos”, disse Vera Chemin.
Ela acrescenta que uma eventual judicializa��o da disputa de 2022, al�m de exigir uma recontagem de todos os votos, gerando custos para a administra��o p�blica, paralisar� o pa�s no momento em que decis�es pol�ticas importantes precisar�o ser tomadas para a recupera��o econ�mica. Para a constitucionalista, Bolsonaro tamb�m poder� tentar atrair o apoio de grupos pol�ticos e at� de manifestantes radicais.
Apelo aos apoiadores
“� claro que ele vai tentar atrair grupos pol�ticos que supostamente o apoiariam, incluindo manifestantes violentos, como j� vimos diversas vezes, mas ele n�o vai ter apoio pol�tico suficiente para isso e tampouco dos militares. Eu arrisco a dizer a voc� que os militares, ao contr�rio, v�o se posicionar contra qualquer iniciativa antidemocr�tica”, concluiu a especialista.J� o cientista pol�tico Ricardo Caichiolo, professor do Ibmec Bras�lia, considera que o esfor�o de Bolsonaro em questionar a lisura do sistema eleitoral brasileiro n�o tem o respaldo da popula��o nem da m�dia. “� uma press�o in�cua, porque h� um forte entendimento da m�dia e da popula��o de que a volta do voto impresso seria um retrocesso. Boa parte da popula��o aprova e entende que o voto eletr�nico � infinitamente melhor do que o voto impresso, d� maior seguran�a jur�dica, maior rapidez na apura��o dos votos e n�o � vulner�vel a fraudes como o presidente Bolsonaro alerta e chama a aten��o”, disse Caichiolo.
O docente considera n�o haver um risco de ruptura institucional em uma eventual contesta��o das elei��es de 2022, mas que � certo que um ambiente de instabilidade pol�tica poder� afastar os investidores.
“N�o acredito numa ruptura institucional, isso n�o vai acontecer de forma alguma, mas a n�o aceita��o do resultado das elei��es sempre afeta o mercado de a��es. Os investidores estrangeiros tendem, em �poca de elei��es, a ficar meio ressabiados e avessos ao risco de grandes varia��es dentro do cen�rio pol�tico do pa�s. O que pode acontecer � um impacto negativo em termos de investimento estrangeiro, fuga de investidores, varia��o da alta do d�lar, por exemplo, isso pode acontecer”, concluiu o cientista pol�tico.