Na �ltima sexta-feira, o governador do Piau�, Wellington Dias (PT), gravou um v�deo para agradecer � ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, que determinou � Uni�o reativar leitos hospitalares no Estado para tratamento de covid-19. Na grava��o, Dias reconhece ser "estranho" e "impens�vel" ter de apelar � Corte para obter ajuda da Uni�o em tarefa que compete a ela, mas os dados mostram que a pr�tica � cada vez mais comum. A crise federativa estabelecida no Brasil faz com que o Supremo tenha de fazer escolhas em temas que v�o da sa�de ao desbloqueio de verbas estaduais. Na maioria das vezes, as decis�es favorecem os Estados.
Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, o STF julgou ao menos 52 processos que colocaram o governo federal de um lado e os governos locais de outro. Levantamento feito pelo Estad�o com base nas not�cias publicadas pelo �rg�o mostra que 43 desses casos tiveram desfecho favor�vel aos Estados. Esse �ndice de 83% � mais um sinal do que especialistas j� chamam de "federalismo do confronto", onde a Uni�o, em vez de atuar como parceira dos demais entes - como prev� a Constitui��o -, resolve bater de frente com eles, transformando em embate o que deveria ser coopera��o.
S� nos �ltimos seis dias, Bolsonaro recebeu duas cartas assinadas por governadores rebatendo declara��es dadas por ele sobre transfer�ncia de recursos e pedindo provid�ncias para agilizar o processo de vacina��o contra covid-19 no Pa�s. Pressionados, mesmo governadores aliados, como Ratinho J�nior (PSD-PR) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), j� mudam o tom em rela��o ao Planalto diante do caos no sistema de sa�de e da in�rcia do presidente diante da alta de casos e de mortes.
No mesmo dia em que o apelo por mais vacinas foi feito por 14 governadores, Bolsonaro chamou de "idiotas" os que pedem por mais vacinas e disse: "S� se for na casa da tua m�e. N�o tem vacina para vender no mundo." Antes ainda afirmou ser hora de parar com "frescura e mimimi" por causa da pandemia.
O professor de Ci�ncia Pol�tica Cl�udio Couto, da FGV-SP, afirma que o modelo adotado por Bolsonaro foge de qualquer outro per�odo democr�tico da hist�ria recente brasileira. "Se tanto, ter�amos algo mais ou menos pr�ximo no federalismo da Rep�blica Velha, em que os governadores eram muito poderosos em seus Estados, articulados com os coron�is, mas corriam o risco constante das salva��es (interven��es) nacionais, caso criassem problemas para o governo federal", explica.
Descoordena��o
Segundo Couto, a "descoordena��o intergovernamental" atual conseguiu alterar a forma como o STF age quando provocado por governadores. "A tend�ncia frequente era o Supremo decidir em prol de normas federais. Mas, nas a��es que op�em Bolsonaro e governadores, a tend�ncia tem sido oposta, visto que o governo federal n�o atua em sua esfera de compet�ncias e sabota quem tenta faz�-lo."
Entre os processos julgados a favor dos Estados est�o casos em que o STF determina � Uni�o, por exemplo, descongelar o Fundo Nacional de Seguran�a P�blica, ressarcir gastos estaduais com refugiados e retirar Estados do cadastro de inadimplentes.
A professora Cibele Franzese, tamb�m cientista pol�tica da FGV, diz que, at� a gest�o Bolsonaro, os governadores n�o exerciam participa��o ativa na agenda pol�tica. "No governo Lula, t�nhamos uma rela��o intergovernamental direta da Uni�o com os munic�pios, dando um bypass (drible) nos Estados. Agora, s�o eles os grandes interlocutores da crise", afirma.
Para Cibele, o fato de o governador de S�o Paulo, Jo�o Doria (PSDB), tomar a lideran�a na quest�o da vacina exemplifica a crise federativa atual. "� um caso at�pico. Em outros pa�ses, o governo central � que lidera as a��es, com exce��o dos Estados Unidos sob Donald Trump." Mas, segundo a professora, o �pice do cen�rio atual foi a apresenta��o de uma queixa-crime por cal�nia contra o presidente pelo governador Fl�vio Dino (PCdoB-MA), semana passada. "Trata-se de um ponto de inflex�o no federalismo brasileiro. Revela que n�o existe accountability (responsabiliza��o) no nosso sistema."
POL�TICA