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Estado de Minas CHECAGEM

Estudo de vencedor do Nobel n�o prova efic�cia de ivermectina contra COVID

S�o enganosas as afirma��es do deputado federal Bibo Nunes em live no Facebook em que ele defende o uso da ivermectina contra o coronav�rus


19/05/2021 18:26

(foto: Projeto Comprova/Reprodução )
(foto: Projeto Comprova/Reprodu��o )

S�o enganosas as afirma��es feitas pelo deputado federal Bibo Nunes (PSL) em defesa do uso da ivermectina contra a COVID-19 em uma live realizada no seu perfil no Facebook em 26 de abril. Ele apresenta o estudo “Global trends in clinical studies of ivermectin in COVID-19” (Tend�ncias globais em estudos cl�nicos de ivermectina para COVID-19, em tradu��o livre), que tem entre os autores Satoshi Omura, vencedor do Pr�mio Nobel de medicina em 2015 pela pesquisa que levou ao descobrimento do rem�dio.

O estudo tem falhas, como usar dados postados na plataforma ivmmeta.com, um site informal sem nenhum valor de publica��o cient�fica, como mostra essa checagem feita pelo Estad�o Verifica. Al�m disso, os pr�prios autores afirmam que, embora os ensaios cl�nicos venham mostrando dados positivos, ainda n�o h� estudos que expliquem esses resultados. Por isso mesmo, pedem uma coopera��o internacional para acelerar as pesquisas sobre o uso da ivermectina em pacientes com COVID-19.

Ao contr�rio do que afirma o deputado, n�o � verdade que “a ivermectina n�o tem efeito colateral; s� faz bem”. Segundo a bula do medicamento produzido pela Vitamedic, sua ingest�o pode causar “rea��es adversas leve e transit�ria”, que s�o “diarreia, n�usea, falta de disposi��o, dor abdominal, falta de apetite, constipa��o e v�mitos”. Ainda de acordo com a bula, “tamb�m podem ocorrer: tontura, sonol�ncia, vertigem, tremor, coceira, les�o de pele at� urtic�ria, incha�o na face e perif�rico, diminui��o da press�o arterial ao levantar-se e aumento da frequ�ncia c�rdica”. Ainda h� registros de hepatite medicamentosa por uso do chamado “kit COVID”, que inclui a ivermectina.

A pr�pria Anvisa (Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria) anunciou em comunicado que as “indica��es aprovadas para a ivermectina s�o aquelas constantes da bula” – ou seja, n�o incluem o combate ao coronav�rus. E, em 16 de maio de 2021, a Folha divulgou informa��es sobre o documento “Diretrizes Brasileiras para Tratamento Hospitalar do Paciente com COVID-19”, que foi elaborado pelo Minist�rio da Sa�de ap�s revis�o de estudos com especialistas e que n�o recomenda o uso de ivermectina, cloroquina e azitromicina, entre outros medicamentos para tratamento de pacientes hospitalizados com COVID-19.

O Comprova tentou contatar Bibo Nunes, mas n�o obteve retorno at� a publica��o deste texto.

Como verificamos?

Ap�s assistir ao v�deo, o Comprova buscou o estudo citado pelo deputado e analisou o conte�do do material. Tamb�m encontrou a checagem feita pelo Estad�o Verifica, que serviu de apoio ao trabalho.

Por telefone, a equipe entrevistou Vin�cius Medina Kern, professor de Ci�ncia da Informa��o da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Al�m disso, o Comprova pesquisou comunicados de entidades de sa�de em rela��o ao uso da ivermectina no combate � COVID-19.

A equipe ainda tentou contatar a empresa Vitamedic. Por telefone, um funcion�rio disse que havia recebido o e-mail da reportagem, mas, mesmo ap�s pedidos de retornos, n�o houve resposta. A equipe tamb�m enviou e-mail e mensagens via Facebook para Bibo Nunes e ligou no escrit�rio do deputado. Uma funcion�ria passou o n�mero do “respons�vel pelo escrit�rio”. Por WhatsApp, ele respondeu: “Assim que poss�vel repasso ao deputado para ver se ele tem interesse em responder! Vou tentar te dar um retorno o mais breve poss�vel!”. �s 10h30 do dia 19 de maio, o Comprova perguntou se ele iria responder e n�o recebeu resposta at� a publica��o desta checagem.

O Comprova fez esta verifica��o baseado em informa��es cient�ficas e dados oficiais sobre o novo coronav�rus e a COVID-19 dispon�veis no dia 19 de maio de 2021.

Verifica��o

O que diz o artigo

O artigo usado pelo deputado Bibo Nunes em sua live no Facebook tem 52 p�ginas, foi revisado e aceito para publica��o no dia 10 de mar�o de 2021 pelo The Japanese Journal of Antibiotics e � assinado por Satoshi Omura, vencedor do Pr�mio Nobel de medicina de 2015, e tamb�m por Morimasa Yagisawa, Hideaki Hanaki e Patrick J. Foster. Yagisawa �, junto com Foster e Omura, membro do Instituto Memorial Satoshi Omura, da Universidade Kitasato, no Jap�o. Yagisawa e Foster s�o professores da Faculdade de Farm�cia da Universidade Keio, no mesmo pa�s.

Diferente do que diz o deputado, o artigo n�o prova que a ivermectina � eficaz contra a COVID-19, nem que previne a doen�a. Na publica��o, os autores fazem um apanhado geral da situa��o do uso de drogas para tratamento da COVID-19 e afirmam que medicamentos como hidroxicloroquina, cloroquina, a combina��o de lopinavir e ritonavir e o interferon tiveram efic�cia limitada ou nula no tratamento da COVID-19.

Sobre outras drogas, como o Remdesivir, falam de limita��es, como a melhoria de 30% na recupera��o de pacientes cr�ticos, mas o fato de n�o ser indicado para casos leves e moderados. O argumento utilizado pelos pesquisadores, antes de falarem sobre a ivermectina, � de que n�o h� rem�dios para pacientes em casos leves e que, por isso, um m�todo de tratamento eficaz ainda est� sendo procurado.

A ivermectina surge no artigo no momento em que os pesquisadores citam um grupo australiano, que teria registrado que o medicamento suprimiu a replica��o do SARS-CoV-2 em um experimento in vitro, ou seja, em laborat�rio. Em seguida, eles falam sobre o hist�rico do uso de ivermectina desde 1987 para tratamento de oncocercose e filariose linf�tica – ambas doen�as tropicais –, bem como no tratamento da escabiose em humanos.

A partir da�, eles fazem uma ampla defesa da ivermectina para pacientes com COVID-19, mas utilizam relatos de ensaios cl�nicos listados na plataforma ivmmeta.com, um site informal sem valor de publica��o cient�fica, com an�lises enviesadas sobre o medicamento, como mostrado nesta verifica��o, feita em mar�o, pelo Estad�o Verifica. Eles argumentam que os ensaios cl�nicos come�aram a ser publicados por pesquisadores de diversos pa�ses no site Clinical Trials.gov (dos Estados Unidos) e na OMS, na �rea dedicada aos ensaios.

O discurso dos pesquisadores � de que esses ensaios cl�nicos, com cerca de 15 mil pacientes, t�m apresentado resultados positivos para a ivermectina tanto no tratamento quanto na preven��o de casos de COVID-19 e que a probabilidade de que os resultados desses ensaios sejam um erro � “t�o baixa quanto 1 em 4 trilh�es”.

Eles n�o deixam de apontar que os resultados encontrados levam em conta altas doses do medicamento, mas mencionam que h� relatos de que, na pr�tica m�dica real, existem respostas eficazes com o uso de doses consideradas normais. Por isso, seria necess�rio definir qual a sensibilidade do SARS-CoV-2 �s doses de ivermectina.

Nas considera��es finais, os autores afirmam que, embora os ensaios cl�nicos venham mostrando efic�cia da ivermectina, ainda n�o h� achados que expliquem razoavelmente esses resultados. Por isso, eles dizem que v�m buscando o m�ximo de apoio poss�vel para acelerar as pesquisas sobre o uso da ivermectina em pacientes com COVID-19.

Qual a validade cient�fica do artigo?

Professor de Ci�ncia da Informa��o da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Vin�cius Medina Kern observa que o fato de um dos autores ter sido laureado com um Nobel n�o significa que o estudo n�o possa ser contestado, particularmente se considerar que Satoshi Omura recebeu o pr�mio justamente pelas pesquisas que o levaram � descoberta da ivermectina. Nesse contexto, inclusive, estaria numa condi��o de conflito de interesses. Artigos cient�ficos costumam mencionar os poss�veis conflitos de interesse. O artigo em quest�o, no entanto, diz que n�o h� conflitos de interesse a declarar.

Vin�cius Kern, cuja atua��o tem foco em avalia��o da ci�ncia, ressalta que apenas a publica��o do estudo n�o sustenta uma licen�a para o uso da ivermectina contra a COVID-19.

Para validar as informa��es deste ou qualquer outro estudo, explica Vinicius Kern, � preciso haver consenso cient�fico a partir, por exemplo, de revis�es sistem�ticas na literatura sobre o tema que, neste caso, � a indica��o de ivermectina para prevenir a infec��o pelo coronav�rus ou tratar pacientes j� contaminados. Outra metodologia � a meta-an�lise, que faz uma avalia��o estat�stica de resultados de v�rios estudos individuais para se obter uma conclus�o geral.

O professor buscou refer�ncias na PubMed, uma base de dados com resultados de pesquisas m�dicas, mas encontrou apenas cinco estudos que citam a ivermectina e nenhum, at� o momento, tem evid�ncia forte de que a medica��o funcione para a COVID-19.

Em artigo publicado no Blogs de Ci�ncia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a farmac�utica e doutora em Gen�tica e Biologia Molecular Tatyana Tavella tamb�m aponta que o rigor cient�fico � indispens�vel para que um estudo seja legitimado, isto �, h� crit�rios que precisam ser observados durante a an�lise. No texto, ela cita a ivermectina e frisa que n�o existe tratamento precoce para a COVID-19.

O Estad�o fez a checagem de um v�deo com o mesmo teor e, segundo especialistas consultados, o artigo de Satoshi Omura n�o � relevante cientificamente para atestar a efic�cia da ivermectina.

O que dizem as fabricantes

Em 4 de fevereiro deste ano, a norte-americana Merck, que fabrica a ivermectina (mas n�o vende no Brasil), anunciou em um comunicado que n�o “h� base cient�fica para potencial efeito terap�utico do medicamento contra a COVID-19 a partir de estudos pr�-cl�nicos”. O texto afirma ainda que n�o existe “evid�ncia significativa para atividade cl�nica ou efic�cia cl�nica em pacientes com COVID-19” e conclui que a empresa n�o acredita que haja dados que sustentem a seguran�a e efic�cia da ivermectina al�m das doses e popula��es indicadas na bula.

Um dia depois, a Vitamedic, que fabrica ivermectina em An�polis, em Goi�s, divulgou que est� com a produ��o em ritmo acelerado porque “� um medicamento que est� sendo testado em v�rias partes do mundo com uma grande expectativa que ela reduza a carga viral do coronav�rus impedindo que a infec��o causada por ele se desenvolva para quadros graves”.

Segundo a bula do medicamento da Vitamedic, a ivermectina � indicada para “o tratamento de v�rias condi��es causadas por vermes ou parasitas” e funciona no tratamento de infec��es como “estrongiloid�ase intestinal, oncocercose, filariose (elefant�ase), ascarid�ase (lombriga), escabiose (sarna) e pediculose (piolho)”. Ou seja, n�o h� nenhuma refer�ncia ao coronav�rus.

Ainda segundo a bula, no campo “intera��es medicamentosas” � explicado que “n�o h� relatos sobre intera��es medicamentosas com a ivermectina; no entanto, deve ser administrada com cautela a pacientes em uso de medicamentos que deprimem o Sistema Nervoso Central, como medicamentos para o tratamento de ins�nia, ansiedade, alguns analg�sicos ou mesmo bebidas alco�licas. Informe ao seu m�dico ou cirurgi�o-dentista se voc� est� fazendo uso de algum outro medicamento. N�o use medicamento sem o conhecimento do seu m�dico. Pode ser perigoso para a sua sa�de”.

O pen�ltimo item da bula � a pergunta “Quais os males que este medicamento pode me causar?”. A resposta, diferentemente do que afirma Bibo Nunes no v�deo quando diz que a ivermectina “s� faz bem”, �: “as rea��es adversas s�o leves e transit�rias: diarreia, n�usea, falta de disposi��o, dor abdominal, falta de apetite, constipa��o e v�mitos. Tamb�m podem ocorrer: tontura, sonol�ncia, vertigem, tremor, coceira, les�o de pele at� urtic�ria. Incha�o na face e perif�rico, diminui��o da press�o arterial ao levantar-se e aumento da frequ�ncia c�rdica”.

O que dizem as entidades de sa�de

A posi��o mais recente da Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) � de 31 de mar�o de 2021, portanto 21 dias ap�s a revis�o e publica��o do artigo de Satoshi Omura sobre o assunto. Segundo o �rg�o, a recomenda��o ainda � de que a ivermectina seja usada para tratar a COVID-19 apenas em ensaios cl�nicos.

“At� que mais dados estejam dispon�veis, a OMS recomenda que o medicamento seja usado apenas em ensaios cl�nicos”, diz a organiza��o, em nota. A recomenda��o, agora, faz parte das diretrizes para tratamentos de pacientes com COVID-19, atualizadas periodicamente, e se aplica �queles em qualquer gravidade e com qualquer dura��o de sintomas.

Posicionamento semelhante teve a Ag�ncia Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em ingl�s), que, em 22 de mar�o, divulgou um comunicado em que conclui que os dados dispon�veis n�o apoiam o uso do medicamento para COVID “fora de ensaios cl�nicos bem planejados”. O documento afirma ainda que “os medicamentos com ivermectina n�o est�o autorizados para uso na COVID-19 na Uni�o Europeia, e a EMA n�o recebeu nenhum pedido para tal uso”.

Ainda antes disso, em 5 de mar�o, a FDA, �rg�o de sa�de dos Estados Unidos, publicou em seu site o texto “Por que voc� n�o deve usar a ivermectina para tratar ou prevenir a COVID-19”. No documento, a entidade afirma que o medicamento � usado nos Estados Unidos para tratar ou prevenir parasitas em animais e que “tem recebido in�meros relatos de pacientes que solicitaram ajuda m�dica e foram hospitalizadas ap�s se auto medicarem com ivermectina destinada a cavalos”.

No Brasil, a ivermectina foi um dos medicamentos sem efic�cia comprovada defendidos pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido), ao lado da cloroquina e da azitromicina, entre outros.

Em julho do ano passado, a Anvisa (Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria) anunciou em comunicado que “� preciso deixar claro que n�o existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento da COVID-19, bem como n�o existem estudos que refutem esse uso” e que as “indica��es aprovadas para a ivermectina s�o aquelas constantes da bula do medicamento” – ou seja, n�o � indicada contra a COVID.

Embora tenha sido defendida pelo governo, entidades da �rea da sa�de s�o contra o uso do rem�dio para conter a pandemia. A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Associa��o M�dica Brasileira (AMB) afirmaram em 19 de janeiro que “as melhores evid�ncias cient�ficas demonstram que nenhuma medica��o tem efic�cia na preven��o ou no tratamento precoce para a COVID-19 at� o presente momento”.

Al�m disso, em 16 de maio deste ano, um parecer do Minist�rio da Sa�de contraindica a prescri��o da ivermectina, entre outras drogas, para pacientes hospitalizados com COVID, como a Folha informou em 16 de maio. Foi a primeira vez que a Comiss�o Nacional de Incorpora��o de Tecnologias no Sistema �nico de Sa�de (Conitec) avaliou o uso desses medicamentos contra o coronav�rus.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conte�dos possivelmente falsos ou enganosos, divulgados em redes sociais, sobre a pandemia e que tenham alcan�ado alto grau de viraliza��o.

O v�deo investigado teve mais de 364 mil visualiza��es, 32 mil intera��es e 7,2 mil coment�rios at� a tarde do dia 19 de maio de 2021. Conte�dos suspeitos sobre medicamentos sem efic�cia comprovada colocam a popula��o em risco, pois podem dar a entender que basta tomar o rem�dio para estar imune ao coronav�rus, o que � mentira. � importante que todos saibam que � preciso seguir as medidas realmente eficazes na redu��o dos casos de COVID-19, como a vacina��o, o uso de m�scaras e �lcool em gel, a lavagem das m�os e o distanciamento social.

Nesta fase, o Comprova j� investigou outros conte�dos suspeitos relacionados � ivermectina e ao chamado “tratamento precoce”, com uso de subst�ncias que n�o t�m efic�cia comprovada contra a COVID-19. No m�s passado, mat�ria destacava que a OMS n�o indica o uso de ivermectina, ap�s uma publica��o no Facebook sugerir que a organiza��o recomendava o rem�dio. Outra reportagem indicava ser falsa a alega��o de que 52 munic�pios zeraram as mortes provocadas pelo coronav�rus devido ao uso de rem�dios do “tratamento precoce.”

Em 7 de maio, o Estad�o Verifica tamb�m analisou um conte�do semelhante, que usava o mesmo estudo de pesquisadores japoneses para defender a ivermectina.

Enganoso, para o Comprova, � o conte�do retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra altera��es.


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