
Conhecida pela alcunha de "Capit� Cloroquina", a secret�ria de Gest�o do Trabalho e da Educa��o em Sa�de do Minist�rio da Sa�de, Mayra Pinheiro, iniciou depoimento nesta ter�a-feira (25/05) � Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito (CPI) da COVID.
Com o depoimento da pediatra cearense, os senadores pretendem entender melhor a atua��o do governo de Jair Bolsonaro para promover o chamado "tratamento precoce" — um coquetel de medicamentos sem efic�cia comprovada contra COVID-19 que inclui subst�ncias como cloroquina, azitromicina e ivermectina.
Os parlamentares querem question�-la, principalmente, sobre sua atua��o na lideran�a de uma comitiva do Minist�rio da Sa�de ao Amazonas no in�cio do ano, quando o Estado sofreu um colapso do sistema de sa�de, com falta de leitos e de oxig�nio para tratar o crescente n�mero de pacientes com COVID-19.
Pinheiro, por�m, obteve um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal que permite que ela fique calada sobre esses acontecimentos. Isso porque a secret�ria � alvo de uma a��o de improbidade administrativa que investiga a omiss�o de autoridades diante do colapso do sistema de sa�de do Amazonas.
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O habeas corpus foi concedido porque a Constitui��o garante o direito ao investigado de n�o produzir prova contra si mesmo.
O objetivo dessa a��o de improbidade administrativa � verificar se autoridades "omitiram-se no cumprimento de seus deveres, ao retardar o in�cio das a��es do Minist�rio da Sa�de no estado, ao n�o supervisionar o controle da demanda e do fornecimento de oxig�nio medicinal nas unidades hospitalares do Amazonas, ao n�o prestar ao Estado a necess�ria coopera��o t�cnica quanto ao controle de insumos, ao retardar a determina��o da transfer�ncia de pacientes � espera de leitos para outros Estados, ao realizar press�o pela utiliza��o 'tratamento precoce' de efic�cia questionada no Amazonas e ao se omitir em apoiar o cumprimento das regras de isolamento social durante a pandemia".
No dia 10 de janeiro, quando a comitiva do Minist�rio da Sa�de estava no Estado, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), anunciou que a situa��o era "dram�tica" e pediu de apoio ao governo federal para transporte de cilindros do g�s de outras regi�es do Brasil.
No dia seguinte, por�m, Pinheiro lan�ava em Manaus, ao lado do ex-ministro da Sa�de Eduardo Pazuello, a plataforma TrateCov e promovia como solu��o para redu��o das interna��es de pacientes com coronav�rus o "tratamento precoce".
A secret�ria esteve na cidade antes, no dia 4 de janeiro, como representante do minist�rio para "alinhar a��es de fortalecimento da pasta, para o enfrentamento da COVID-19 no Amazonas", segundo registros da sua agenda oficial.
Apesar do iminente desabastecimento de oxig�nio, a principal resposta liderada pela secret�ria � crise foi promover o uso de medicamentos sem efic�cia.
Segundo Pazuello disse � CPI na semana passada, o TrateCov foi desenvolvido por sugest�o de Pinheiro com o prop�sito de auxiliar m�dicos no diagn�stico e tratamento da COVID-19. Na pr�tica, o aplicativo recomendava o coquetel de medicamentos sem efic�cia indiscriminadamente, at� mesmo para beb�s.
A plataforma acabou sendo retirada rapidamente do ar ap�s cr�ticas, e Pazuello hoje insiste que ela foi disponibilizada indevidamente por um hacker, apesar de o governo ter oficialmente divulgado o TrateCov.

Na cerim�nia em que anunciou o aplicativo em Manaus, Mayra Pinheiro exaltou a ferramenta como uma forma de realizar diagn�sticos r�pidos no lugar do uso de testes RT-PCR.
"N�s n�o podemos perder tempo diante do quadro epidemiol�gico que hoje toma conta do Estado do Amazonas e de diversos Estados brasileiros. N�s estamos apresentando para a sociedade um aplicativo que permite, como eu disse, com forte valor preditivo, dizer se o doente, diante das suas manifesta��es cl�nicas, ele tem ou n�o a COVID-19", sustentou.
"E assim n�s podemos, no per�odo de cinco minutos, com a utiliza��o desse aplicativo, que j� pode ser acessado atrav�s das p�ginas do Minist�rio da Sa�de, n�s poderemos ofertar imediatamente para milh�es de brasileiros o tratamento precoce, evitando que essas pessoas evoluam para quadros mais graves e que elas necessitem de novos leitos j� escassos em todo o pa�s", acrescentou.
Na ocasi�o, ela fez ainda uma apelo a "todos os prefeitos do Estado do Amazonas" para que adotassem o tratamento precoce".
"Por mais que n�s tenhamos em breve a vacina dispon�vel para toda a popula��o brasileira, n�o h� tempo a perder. Precisamos evitar novos �bitos", disse tamb�m.
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Proje��o com oposi��o ao Mais M�dicos
Pinheiro est� no atual cargo desde o in�cio do governo, tendo sido nomeada na gest�o do primeiro ministro da Sa�de do presidente Jair Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta. Sua escolha, por�m, � atribu�da diretamente Pal�cio do Planalto, o que se refletiu na sua perman�ncia na pasta apesar do troca-troca de ministros.
Mandetta deixou o governo em abril de 2020, tendo sido substitu�do por Nelson Teich, que durou menos de um m�s no cargo — ambos disseram ter sa�do do governo por n�o concordar com Bolsonaro na defesa da cloroquina e na cr�tica ao distanciamento social.
Foi justamente com a ascens�o do general Eduardo Pazuello ao comando da pasta que Pinheiro ganhou mais proje��o, ao se alinhar integralmente ao presidente e ao ministro a favor do "tratamento precoce".
Com a militariza��o do minist�rio por Pazuello, a secret�ria se tornou uma das poucas pessoas com forma��o m�dica em postos de comando na pasta da Sa�de.

Em sua conta no Instagram, que conta com 16,5 mil seguidores, Pinheiro diz que tem "uma vida inteira dedicada � medicina".
"S�o mais de 30 anos de estudos, mestrados e doutoramentos at� chegar ao Minist�rio da Sa�de", diz ainda a descri��o.
Apesar do plural, seu curr�culo na plataforma Lattes aponta um mestrado na Universidade de S�o Paulo, t�tulo obtido em 2002 com a tese "Morbidade Neonatal e p�s-neonatal de crian�as de alto-risco nascidas no Hospital Geral Dr. C�sar Cals em Fortaleza".
Al�m disso, indica que a secret�ria cursa desde 2016 um doutorado em Bio�tica pela Universidade do Porto (Portugal). Procurada pela BBC News Brasil, a institui��o disse que Pinheiro est� no terceiro ano do programa.
Natural de Fortaleza, ela se formou em medicina em 1991 na Universidade Federal do Cear� e presidiu o Sindicato dos M�dicos do Cear� entre 2015 e 2018.
Se projetou publicamente como opositora do programa Mais M�dicos, implementado em 2013 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Sua principal cr�tica era contra a vinda de m�dicos cubanos sem a revalida��o do diploma de medicina no Brasil. Pinheiro nega, por�m, ter participado do protesto que chamou os profissionais cubanos de escravos durante seu desembarque no aeroporto de Fortaleza.
Ela se filiou ao PSDB e disputou sem sucesso duas elei��es — em 2014 tentou um mandato de deputada federal e, em 2018, concorreu ao Senado. Terminou em quarto lugar com 11,37% dos votos.
Depois, ingressou no partido Novo, mas, segundo o jornal Folha de S.Paulo, ela deixou a sigla ap�s lideran�as do partido, como Jo�o Amoedo, passarem a defender o impeachment de Bolsonaro.
Informa��es falsas na defesa da cloroquina
Desde o in�cio da pandemia, a secret�ria foi ativa em defender o uso de medicamentos ineficazes contra a COVID-19 e na cr�tica ao isolamento social.

Em entrevista concedida em abril de 2020 ao canal no YouTube da Associa��o Brasileira de Psiquiatria, por exemplo, ela compara a recomenda��o para que a popula��o fique em casa (com objetivo de reduzir o cont�gio do coronav�rus) � perda de liberdade de pessoas presas.
Na mesma ocasi�o, a secret�ria disse que j� existiam estudos amplos e com rigor cient�fico aprovando a efic�cia da hidroxicloroquina associada � azitromicia. Pesquisas realizadas at� o momento, por�m, apontam justamente o contr�rio.
"A gente j� tem estudos com 600, com 500 pacientes que mostram, (estudos) randomizados, duplo-cegos, controlados, mostrando a taxa de sucesso muito alta. Mostrando que a gente tem sim agora a possibilidade de iniciar, quando as pessoas come�am a ter sintomas, iniciar o uso dessa medica��o hidroxicloroquina associada � azitromicina", afirmou na ocasi�o.
Estudos randomizados e controlados s�o pesquisas cient�ficas em que os volunt�rios s�o distribu�dos aleatoriamente em dois grupos (os que recebem o medicamento testado e os que recebem placebo). E duplo-cego significa que nem os volunt�rios nem os m�dicos sabem previamente as pessoas que tomaram cada uma dessas subst�ncias.
S�o t�cnicas consideradas fundamentais em pesquisas s�rias. J� existem diversos estudos desse tipo que atestam a inefic�cia da hidroxicloroquina contra a COVID-19. Um deles � o do Recovery Trial, feito no Reino Unido. Numa an�lise de mais de 4.500 pacientes hospitalizados, o uso de hidroxicloroquina e azitromicina n�o trouxe benef�cio algum.
Um painel de especialistas internacionais da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) concluiu, em mar�o deste ano, que o medicamento n�o previne a infec��o, fazendo uma "forte recomenda��o" para que n�o seja usado. Esta forte recomenda��o � baseada em seis estudos cl�nicos com evid�ncias de alto n�vel que somam mais de 6 mil participantes.
Tamb�m n�o h� evid�ncias de que a ivermectina, f�rmaco usado no tratamento de parasitas como piolho e sarna, ajude no tratamento da COVID-19. Os estudos dispon�veis at� agora s�o inconclusivos.
Por isso, a Ag�ncia Europeia de Medicamentos � contr�ria ao uso de ivermectina no tratamento da COVID-19. Ap�s revisar as publica��es sobre o medicamento, a ag�ncia considerou que os estudos possu�am limita��es, como diferentes regimes de dosagem do medicamento e uso simult�neo de outros medicamentos.
"Portanto, conclu�mos que as atuais evid�ncias dispon�veis s�o insuficientes para apoiarmos o uso de ivermectina contra a COVID-19", concluiu a ag�ncia.
A pr�pria fabricante da ivermectina, a farmac�utica MSD, afirmou em fevereiro que n�o existem evid�ncias de que o medicamento tivesse efeito contra a COVID-19.