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Estado de Minas POL�TICA

Or�amento secreto pode configurar crime de responsabilidade, dizem especialistas


07/06/2021 15:46

Aten��o senhor (a) editor (a): mat�ria exclusiva publicada no portal do Estad�o em 31/5/2021.
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O or�amento secreto do presidente Jair Bolsonaro, revelado pelo Estad�o, escancarou a perman�ncia de velhos v�cios na forma como os recursos p�blicos s�o tratados no Brasil. Pela Constitui��o, o Or�amento deve procurar atender �s necessidades da sociedade. Mas Bolsonaro, descumprindo uma de suas mais destacadas promessa de campanha, reabilitou o toma l�, da c� que j� produziu v�rios esc�ndalos no Pa�s.

O Estad�o entrevistou 16 renomados advogados, professores e economistas especializados em contas p�blicas para discutir o esquema montado para aumentar a base de apoio de Bolsonaro no Congresso e alternativas para evitar que o Or�amento seja usado pelo Executivo para barganhas com os congressistas.

Todos defendem investiga��o rigorosa e, entre eles, incluindo o ex-ministro da Fazenda Ma�lson da N�brega, h� quem fale em ind�cios de crime de responsabilidade. A configura��o pode levar ao impeachment do presidente Jair Bolsonaro por infra��o �s leis or�ament�rias e � Constitui��o, que exige transpar�ncia, equidade e impessoalidade no manejo das verbas.

Tamb�m � un�nime a opini�o segundo a qual o esquema criado por Bolsonaro � um retrocesso nos avan�os obtidos ap�s o esc�ndalo dos An�es do Or�amento, que, na d�cada de 90, desviou recursos de emendas.

Em 2019, Bolsonaro criou um mecanismo que permitiu a um grupo mandar bilh�es de reais de emendas de relator (RP9) para suas bases eleitorais, tudo de forma sigilosa. Uma engenharia questionada pelos analistas.

Isso contraria a Constitui��o, que estabeleceu que o princ�pio da transpar�ncia deve reger a elabora��o e a execu��o do Or�amento. Entre as atribui��es do Congresso, uma das mais nobres � a aprova��o do or�amento federal. � na lei or�ament�ria que, a cada ano, o Pa�s decide suas prioridades, em termos de aloca��o de recursos para pol�ticas p�blicas, na busca do desenvolvimento e da melhoria do padr�o de vida de seus habitantes.

Cr�ticas e alternativas
Heleno Taveira T�rres, professor de Direito Tribut�rio da USP


As emendas de relator s�o todas inconstitucionais. Cabe ao STF, se provocado, suspender de imediato a execu��o. Por serem regimes excepcionais ao Or�amento, somente poderiam ser permitidas as emendas individuais ou de bancadas de Estados, segundo as limita��es previstas no art. 166 da Constitui��o. A LDO n�o tem compet�ncia para criar despesas por 'emendas de relator', que s� serviram para evitar as restri��es quantitativas e materiais, como a de reservar 50% para a Sa�de. Agora, com a Portaria 6.145, de 2021, tenta-se 'salvar' o imposs�vel, que � a inconstitucionalidade dessas fontes de despesas. � tudo parte de uma grande luta eleitoral.

'Constitui��o n�o fala em sigilo, segredo'
Carlos Ayres Britto, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal


O TCU tomou uma boa medida, justa e jur�dica (a Corte exigiu do governo acesso aos documentos do or�amento secreto). Queremos saber das coisas do poder. Quando a Constitui��o fala de maneira detalhada e minudente sobre Or�amento, em nenhum momento fala sobre sigilo. O artigo 165 da Constitui��o, sobre Or�amento, diz tudo, mas em nenhum momento fala em sigilo, segredo, bastidores, coxia. Quando voc� transfere recursos p�blicos a partir de uma postula��o, � preciso vir a lume quem tomou a iniciativa do pedido, principalmente, se partiu de um agente p�blico. Como � que um deputado e um senador v�o se relacionar com o Executivo em sigilo?

'Fere-se aqui uma l�gica republicana'
Fernando Facury Scaff, professor de Direito Financeiro da USP


Tudo indica que a tend�ncia moralizadora adotada a partir de 2005, no que se refere �s emendas parlamentares, foi alterada com esse mecanismo criado ou ressurgido pelo governo atual. Por isso que v�rias pessoas apontam esse neg�cio todo como os An�es do Or�amento, porque j� existia l� atr�s. No geral, � grav�ssimo, porque voc� retira transpar�ncia do processo, voc� retira legitimidade do processo e voc� acaba colocando o gasto p�blico dirigido para finalidades pol�ticas. Tamb�m se fere aqui uma l�gica republicana, afinal o recurso p�blico deve ser dirigido para quem mais precisa, e n�o parece ser o que est� acontecendo.

'Configura crime de responsabilidade'
Ricardo Lodi, professor de Direito Financeiro da Uerj e advogado


O chamado or�amento secreto, com a mera efetiva��o de transfer�ncia volunt�ria para os munic�pios sem a pr�via publica��o dos crit�rios distributivos, conforme determinado pelo artigo 77 da LDO de 2020, configura a tipifica��o do crime de responsabilidade.

Comprovada esta, restar� tamb�m configurado o crime de responsabilidade pela utiliza��o dos seus recursos para influenciar decis�es parlamentares, al�m da pr�pria Constitui��o, consagradora do princ�pio da publicidade e do car�ter equ�nime e objetivo da distribui��o dos recursos relativos �s emendas. Restaria delineado o embasamento legal para o impeachment e a rejei��o das contas de 2020.

'Ilegais e inconsticionais'
Gil Castello Branco, economista fundador da Associa��o Contas Abertas


As emendas do relator-geral, na forma como est�o sendo utilizadas, s�o ilegais e inconstitucionais. O STF, a meu ver, se provocado, dever� suspender imediatamente a execu��o dos cerca de R$ 18 bilh�es existentes no or�amento de 2021. A Lei de Diretrizes Or�ament�rias de 2021 requer que as transfer�ncias volunt�rias de recursos da Uni�o, cujos cr�ditos or�ament�rios n�o identifiquem nominalmente a localidade, estejam condicionadas � pr�via divulga��o em s�tio eletr�nico e tenham ader�ncia aos indicadores socioecon�micos da popula��o beneficiada pela pol�tica p�blica. O artigo 37 da Constitui��o t�m como princ�pios legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efici�ncia. Nenhum desses princ�pios est� contemplado na libera��o das ementas de relator, tal como ocorreu em 2020. A Portaria Interministerial 6.145, de 24 de maio, especificamente o artigo 40, tentou dar ares de legalidade ao que � flagrantemente ilegal. As indica��es do Autor da Emenda n�o podem ser considerados crit�rios aderentes a indicadores socioecon�micos.

'Constitui��o � violada com falta de transpar�ncia'
Irapu� Santana, doutor em Direito pela UERJ


A falta de transpar�ncia no que diz respeito ao or�amento p�blico viola frontalmente o caput do artigo 37. da Constitui��o Federal (que exige na administra��o p�blica a obedi�ncia aos princ�pios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade). Em uma democracia, � necess�rio haver o exerc�cio do controle social sobre os atos estatais, tendo em vista que o poder do Estado deva sempre ser limitado. Nessa perspectiva, vemos que a falta de observ�ncia desses par�metros fundamentais fazem surgir crimes de responsabilidade, previstos na Lei 1.079, de 1950, em especial no artigo 7.�, inciso 9, no artigo 10, inciso 4, e no artigo 11, incisos 1 e 2.

'Libera��o n�o pode ser para aprovar projeto'
Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP


O crit�rio para a libera��o da emenda ou a libera��o de recursos n�o deve ser o desejo do governo de aprova��o de alguma mat�ria no Congresso, mas a necessidade espec�fica de implementa��o de pol�ticas p�blicas. N�o se admite, no contexto da aprova��o da lei or�ament�ria, remessas ou destina��es de receitas que n�o sejam transparentes. Na medida em que se prove que esse or�amento era secreto e que os crit�rios de distribui��o de recursos n�o estavam p�blicos e s�o pouco republicanos, pode-se dizer que n�o houve observ�ncia da condi��o estabelecida na Lei de Diretrizes Or�ament�rias (LDO).

'Emendas n�o t�m a devida transpar�ncia'
Gustavo Fossati, professor da FGV Direito Rio


Com mudan�as na Constitui��o entre 2015 e 2019, de um lado, as emendas individuais trouxeram avan�o, transpar�ncia, aspecto equitativo e imparcialidade na distribui��o de recursos pelo governo. Mas, de outro lado, apesar de todos os esfor�os, a Lei de Diretrizes Or�ament�rias ampliou a possibilidade das emendas de relator-geral, n�o trazendo a transpar�ncia devida. � prematura, por ora, eventual pretens�o de enquadramento do presidente em crime de responsabilidade fiscal, pois devemos aguardar a presta��o de informa��es, em respeito � ampla defesa e ao contradit�rio. Mas eu diria que h� ind�cios dignos de uma investiga��o acurada.

'Transpar�ncia � princ�pio da administra��o'
Vital do R�go, ministro do Tribunal de Contas da Uni�o (TCU)


O Or�amento avan�ou nos �ltimos dez anos com a equaliza��o das emendas impositivas, porque isso d� ao Parlamento a independ�ncia que ele tem que ter. Essa novidade do empoderamento extraordin�rio ao relator tem que ser discutida porque, se voc� inclui esse tipo de diferencia��o, efetivamente, voc� desequilibra aquilo que passou tanto tempo para conquistar. Mas o Congresso tem que se autorregular neste momento. Pode e deve fazer uma discuss�o. A transpar�ncia, para mim, � princ�pio da administra��o p�blica, em qualquer situa��o. Se voc� n�o tem uma postura, um exerc�cio de transpar�ncia, voc� tem que efetivamente busc�-la.

'Or�amento � usado para a reelei��o'
�lida Graziane, procuradora do MP de Contas do Estado de S�o Paulo


Se, de fato, a libera��o de recursos atendeu a of�cios de parlamentares, sem transpar�ncia e crit�rios t�cnicos, frustrou-se a Lei de Diretrizes Or�ament�rias. Uma eros�o das regras editadas desde 2015, em retrocesso que remonta os An�es do Or�amento. Retomar a l�gica paroquial e obscura burla as regras impessoais de emendas individuais e de bancada impositivas. Sem observ�ncia ao devido processo legislativo or�ament�rio e sem planejamento, prevalecem o curto prazo eleitoral dos agentes pol�ticos e o trato patrimonialista dos recursos p�blicos. Infelizmente, o Or�amento � tratado apenas como meio de assegurar a reelei��o dos que j� est�o no poder.

'� inequ�voca a transgress�o � lei or�ament�ria'
Ma�lson da N�brega, ex-ministro da Fazenda


A Lei de Diretrizes Or�ament�rias de 2020 exige transpar�ncia e crit�rios justificadores da transfer�ncia de recursos, como as condi��es socioecon�micas. A transgress�o a ela � inequ�voca. Essas libera��es foram feitas ao arrepio da lei or�ament�ria. No processo no TCU, pode ficar evidenciado que a distribui��o e a aplica��o de emendas do relator ocorreram sem a observ�ncia de princ�pios or�ament�rios sadios e previstos na Constitui��o e nas leis. Neste caso, pode-se arguir a transgress�o de normas or�ament�rias e, assim, justificar um processo de impeachment, o qual depender� de condi��es pol�ticas. Foi assim no caso de Dilma Rousseff.

'Congresso tem de rever pr�tica distorcida'
Jos� Maur�cio Conti, professor de Direito Financeiro da USP


Na evolu��o do processo or�ament�rio, o artigo 77 da LDO 2020 trouxe crit�rios importantes para aperfei�oar a distribui��o justa dos recursos, mas h� indicativos de que possa n�o ter sido ainda efetivamente implementado. � importante verificar se houve efetivamente falhas nesse processo, onde e quem as cometeu, para apurar as responsabilidades e melhorar o sistema. E a sistem�tica de distribui��o dos recursos pela Comiss�o Mista de Or�amento por meio das emendas de relator, pelo que se divulgou, evidencia uma pr�tica distorcida que o Congresso Nacional precisa rever, para que o processo or�ament�rio seja totalmente transparente.

'Problema � mais s�rio e profundo'
Felipe Salto, diretor executivo da Institui��o Fiscal Independente


A ideia do RP9 � um equ�voco. Se o Congresso e o Executivo acham que deve haver mais espa�o para emendas parlamentares, isso deveria ser feito por meio da amplia��o da fatia das emendas individuais, que est�o bem regulamentadas na Constitui��o. Da forma como est�, o processo or�ament�rio distorce a l�gica, a liturgia e a transpar�ncia. O RP9 n�o foi apenas para parlamentares, mas para abarcar demandas do pr�prio Executivo. Ent�o, por que a PLOA de 2020 j� n�o contemplou esse espa�o? Claro, porque o teto n�o permitia. Estamos diante de um problema muito mais s�rio e profundo: a confus�o do processo or�ament�rio e fiscal.

'Toma l� d� c�, sem transpar�ncia e fora da lei'
Manoel Galdino, diretor-executivo da Transpar�ncia Brasil


O or�amento � secreto porque o crit�rio � desconhecido. Parlamentares indicaram recursos, contrariando a lei, e n�o est� na transpar�ncia ativa quais s�o os parlamentares que indicaram cada recurso. O debate sobre o or�amento depende da transpar�ncia. Eu n�o acho que � um problema fazer acordos pol�ticos, desde que haja transpar�ncia e que se respeitem crit�rios t�cnicos m�nimos. Para mim, de tudo o que � mais grave desse epis�dio � o desrespeito ao planejamento or�ament�rio. Porque a Lei de Diretrizes Or�ament�rias � importante para esse planejamento. Se o governo veta um artigo da lei, que permitiria aos parlamentares escolher os benefici�rios, n�o pode descumprir. Na minha vis�o, a Lei de Diretrizes Or�ament�rias foi descumprida e, assim, � poss�vel caracterizar crime de responsabilidade. Toma l� d� c�, sem transpar�ncia e fora da lei, est� completamente errado.

'� preciso apura��o dos �rg�os de controle'
Leonardo Ribeiro, analista do Senado e especialista em contas p�blicas


H� ind�cios de ilegalidade no 'tratora�o' que podem ensejar crime de responsabilidade - caso fique comprovado que recursos do or�amento federal foram transferidos desrespeitando limites ou condi��es previstas na Lei de Diretrizes Or�ament�rias. O poder executivo federal n�o pode direcionar verbas do or�amento para emendas parlamentares com o intuito de influenciar a tramita��o de proposi��es legislativas no Congresso Nacional. Nesse caso, a transpar�ncia deve ser m�xima, inclusive no tocante aos crit�rios da distribui��o dos recursos. Portanto, � importante que os �rg�os de controle apurem o que aconteceu para que a sociedade tenha clareza do como os recursos p�blicos est�o sendo aplicados. Me parece que o Tribunal de Contas da Uni�o est� se movendo nesse sentido.

Falta de transpar�ncia nas emendas � incompat�vel com princ�pio republicano
Evandro Maciel Barbosa, procurador do Estado do Esp�rito Santo


A constru��o anual das leis or�ament�rias requer ampla transpar�ncia durante seu processo de elabora��o, o que inclui as emendas apresentadas ao or�amento, sendo incompat�veis com os princ�pios republicano e democr�tico qualquer ideia de sigilo ou falta de transpar�ncia na condu��o dos processos de emendas parlamentares. Um outro aspecto que chama a aten��o � o fato de que a aprova��o das emendas, ato de compet�ncia do Poder Legislativo, imp�e que eventuais emendas ao or�amento sejam compat�veis com a Lei de Diretrizes Or�ament�rias, conforme artigo 166, � 3� da Constitui��o. � il�gico o chefe do Executivo propor o projeto de lei de diretrizes, o Parlamento vot�-lo, e posteriormente tais atores inobservem norma legal por eles mesmos estruturada, por ocasi�o da elabora��o do or�amento. � preciso enfatizar que as leis or�ament�rias previstas no artigo 165 da Constitui��o, quais sejam, o plano plurianual, a lei de diretrizes e a lei or�ament�ria, s�o normas que possuem uma rela��o de coordena��o entre si, se integram, viabilizando a estrutura��o das a��es governamentais de forma coesa e harm�nica. Eventual inobserv�ncia de determina��es previstas na LDO, quando da aprova��o de emendas ao or�amento, fere norma constitucional expressa, viola o equil�brio que deve sustentar o sistema de leis de car�ter or�ament�rio brasileiro, mormente quando os processos de emenda n�o se revestem da transpar�ncia republicanamente exigida.


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