O cientista pol�tico Christian Lynch avalia que uma eventual mudan�a do regime pol�tico do Brasil para o semipresidencialismo, como a defendida pelo presidente da C�mara, Arthur Lira (PP-AL), pode ser ben�fica para o Pa�s. Para Lynch, que � professor do Instituto de Estudos Sociais e Pol�ticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), um sistema que permitisse ao presidente dissolver a C�mara e concedesse ao Legislativo responsabilidade formal de governo, com um primeiro-ministro sustentado pelo Congresso, pode equilibrar o jogo entre os poderes. A seguir, trechos da entrevista ao Estad�o.
A proposta de semipresidencialismo come�ou a ganhar tra��o ap�s amea�as de Braga Netto �s elei��es em 2022. O presidente da C�mara, Arthur Lira, aparentemente, v� o semipresidencialismo como solu��o para manter elei��es e evitar um golpe. Como analisa esta situa��o?
A proposta de reforma do presidencialismo em si n�o tem a ver com o atual contexto. Trata-se de um fantasma que ronda a Rep�blica desde a sua instaura��o: h� sempre alguma proposta de reforma desse tipo no Congresso. A proposta ganhou musculatura no come�o do governo Bolsonaro para coibir seu golpismo. A opini�o p�blica, por�m, s� se interessou pelo assunto nos �ltimos dias, porque o Lira falou nele. E a recep��o n�o foi boa, porque se imaginou que ele queria mudar de assunto, sentado em uma montanha de pedidos de impeachment. Agora se sabe que o Lira deu tra��o � proposta porque o golpismo bolsonarista chegou a um ponto insuport�vel e ele quis dar um "chega pra l�". Foi como se dissesse: n�o vai ter impeachment do presidente, mas tamb�m n�o vai ter golpe contra o Congresso.
Por que a discuss�o agora?
A crise de legitimidade do sistema representativo no Brasil se arrasta h� dez anos. Ele motivou as veleidades de tutela do judiciarismo lavajatista nos �ltimos anos, e agora, do militarismo autorit�rio. Era natural que se renovasse o debate relativo �s consequ�ncias negativas da rigidez do nosso sistema de separa��o de Poderes e freios e contrapesos. Para os que defendem a reforma do presidencialismo, o sistema deveria comportar outros mecanismos, al�m do impeachment, para resolver crises entre Executivo e o Legislativo ou para se livrar antes do prazo de um governo desastroso. O semipresidencialismo e o referendo revocat�rio s�o inova��es comumente discutidas. Do ponto de vista mais conjuntural, o assunto apareceu agora no meio de outros projetos que o Lira se comprometeu a botar para discutir com seus eleitores na C�mara. Ele quer cumprir o prometido porque j� est� de olho na sua reelei��o � presid�ncia da C�mara. A escalada golpista de Bolsonaro s� tornou a discuss�o politicamente mais oportuna, inclusive como forma de dissuas�o. Entre a tutela de ju�zes e a tutela de generais, � preciso achar uma sa�da para reaprumar nossa democracia. N�o d� para simplesmente restaurar o mundo anterior a 2013, fingindo que nada aconteceu.
O semipresidencialismo proposto n�o seria um passo para perenizar no Estado o poder do Centr�o, j� presente no governo e cuja influ�ncia agora cresce?
A ascend�ncia do Centr�o n�o tem a ver com o sistema de governo. O bloco j� estava em governos anteriores e foi ganhando relev�ncia por tr�s fatores mais gerais. Primeiro, pelo advento da onda conservadora que atacou o Pa�s desde 2014 - os partidos do bloco s�o conservadores. Segundo, pelo car�ter pragm�tico do conservadorismo centr�nico, que lhe permite apoiar qualquer governo, com maior ou menor elasticidade, em troca de certas vantagens. E, por �ltimo, pela pulveriza��o partid�ria, que dificulta ao presidente governar apenas com seu partido ou com uma coaliz�o ideologicamente homog�nea. Enquanto essas condi��es n�o se alterarem, o Centr�o ser� relevante para a governabilidade em qualquer sistema de governo. Quanto ao argumento de que o semipresidencialismo enfraqueceria o presidente, ele � discut�vel. A dificuldade para formar coaliz�o tem tornado o presidente cada vez mais ref�m das maiorias. Por outro lado, embora o Congresso hoje tenha muito poder, ele tem pouca ou nenhuma responsabilidade no governo.
O objetivo da mudan�a n�o seria tornar permanente o poder do Centr�o contra a Presid�ncia?
A pergunta sup�e que os proponentes da reforma sejam sempre agentes mal-intencionados, conservadores e fisiol�gicos, desejosos apenas de se perenizarem no poder. A verdade � que qualquer a��o envolve c�lculo racional dos agentes, seja qual for sua ideologia, e medidas boas para eles s�o aquelas que n�o os prejudicam. Os presidencialistas tamb�m calculam ser mais vantajoso para suas carreiras preservar o sistema. Quanto � motiva��o ideol�gica para a reforma, eu a vejo na boca de gente muito diferente, tanto na esquerda como no centro e na direita, talvez mais ao centro. J� seus advers�rios tradicionais se concentram em dois grupos. O primeiro � o dos autorit�rios, como os reacion�rios e os militares, que desejam um Executivo forte contra as amea�as de subvers�o oriundas de um Congresso percebido como leniente, corrupto, faccioso e progressista. O segundo � formado pela esquerda nacionalista, que aposta no Executivo forte para promover medidas igualit�rias contra um Congresso visto como reduto dos retr�grados. Essa repulsa pelo Congresso faz parte da nossa cultura pol�tica de pa�s atrasado e perif�rico, marcada pela heran�a do absolutismo ilustrado, transmudado depois em positivismo e certa linha de desenvolvimentismo. Para esses dois setores, a moderniza��o depende sempre de um chefe de governo forte, ilustrado e bem-intencionado capaz de enfrentar "o atraso". Mas eu me pergunto se, em vez de desconfiar do Congresso, n�o se deveria oferecer-lhe mais incentivos para funcionar de modo mais republicano.
O semipresidencialismo proposto ao Brasil seria a formaliza��o de uma situa��o que j� existe, com o crescente poder do Legislativo frente ao Executivo?
A indispensabilidade dos governos de coaliz�o foi reaprendida ap�s o impeachment do Collor e deu origem ao chamado "presidencialismo de coaliz�o". Eu vejo o semipresidencialismo como uma oportunidade de aperfei�o�-lo, e n�o para substitu�-lo. � imposs�vel ao presidente exercer a mir�ade de fun��es de governo, administra��o, representa��o e articula��o pol�tica exigidas hoje, como presume a fic��o presidencialista. Por isso, os presidentes, na pr�tica, t�m um ministro, geralmente o da Casa Civil, encarregado informalmente de superintender a administra��o e fazer a articula��o pol�tica. Por que n�o formalizar essa posi��o, criando a figura de um primeiro-ministro indicado pelo presidente, respons�vel diante dele e da C�mara? Aparentemente se tem mais medo do nome da coisa do que da pr�pria coisa, que j� existe. Da mesma forma, por que n�o fortalecer o presidente, permitindo-lhe dissolver a C�mara e convocar elei��es, em caso de crise ou quando se tornar minorit�rio? As novas elei��es permitiriam ao povo se manifestar e aumentariam o poder de press�o da opini�o p�blica. Hoje o presidente n�o tem o que fazer, que n�o seja sofrer impeachment ou alugar o bloco centr�nico. Um sistema de governo em que o presidente tenha o anteparo de um primeiro-ministro que goze de sua confian�a e da C�mara, com poderes de dissolv�-la, poderia vir a tornar o presidente mais forte do que � hoje. A dissolu��o pairaria como uma espada sobre a cabe�a dos deputados chantagistas, que teriam de disputar novas elei��es. Um pa�s do tamanho e com as assimetrias do Brasil precisa de presidente forte, que sirva de for�a centr�peta que contrabalance as tend�ncias centr�fugas. � essa for�a que vem faltando ao presidente no nosso presidencialismo.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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