Deputados beneficiam familiares com emendas

Como milhares de brasileiros, o deputado federal Jos� Carlos Schiavinato (Progressistas-PR) foi uma v�tima fatal da covid-19, em abril deste ano. No seu lugar assumiu o suplente Valdir Rossoni (PSDB-PR). Assim que tomou posse, Rossoni utilizou a chamada "emenda cheque em branco" e destinou R$ 8,1 milh�es ao munic�pio de Bituruna (PR), onde seu filho, Rodrigo Rossoni, � prefeito.

Criado no governo Bolsonaro, o mecanismo permite aos parlamentares enviar dinheiro p�blico de suas emendas individuais para bases eleitorais sem um objetivo definido e livre de fiscaliza��o federal. O que era para ser uma exce��o virou regra, como revelou o Estad�o, e 393 parlamentares optaram por esse caminho ao inv�s do tradicional, que exige indicar, com base em crit�rios t�cnicos, como os recursos do Or�amento devem ser aplicados. Nesse caso, o parlamentar identifica os problemas da cidade e direciona a verba para atend�-los.

O Estad�o/Broadcast encontrou ao menos seis casos em que deputados determinaram a distribui��o de R$ 27,6 milh�es para cidades comandadas por seus filhos, irm�os, pai e sobrinho. O rastreamento � dificultado pela falta de transpar�ncia nesse tipo de repasse.

No in�cio do ano, o deputado Schiavinato informou que utilizaria a modalidade de transfer�ncia especial para "alocar recursos para diversos munic�pios do Paran�". Ele, no entanto, morreu no dia 13 de abril e n�o teve o desejo atendido. O suplente Valdir Rossoni assumiu o mandato no dia 27 e colocou todo o valor na prefeitura do filho. Procurado, alegou que fez a distribui��o "dentro do que achava necess�rio".

Enquanto emendas com destina��o espec�fica demoram de um ano a um ano e meio para serem pagas, na modalidade transfer�ncia especial o dinheiro cai na conta da prefeitura em cerca de 60 dias, sem passar pelo crivo de �rg�os de controle. De acordo com especialistas, isso pode abrir margem para a corrup��o. Parlamentares, por�m, defendem o modelo pela rapidez do pagamento em rela��o a outras emendas, que t�m entraves burocr�ticos.

A modalidade tamb�m foi usada pela deputada Clarissa Garotinho (PL-RJ), que enviou R$ 4,5 milh�es para Campos de Goytacazes, onde o irm�o, Wladimir Garotinho, � prefeito. A cidade � reduto eleitoral da fam�lia de Clarissa. Tanto o pai de Clarissa, Anthony Garotinho, quanto a m�e, Rosinha Garotinho, j� foram prefeitos do munic�pio.

O deputado federal Genecias Noronha (Solidariedade-CE) transferiu um total de R$ 8 milh�es para Parambu, cidade governada pelo sobrinho, R�mulo Noronha, ap�s aprovar a emenda no Or�amento alegando direcionamento a "todas as necessidades da popula��o cearense". No ano passado, o Tribunal Regional Eleitoral do Cear� cassou o mandato do deputado por abuso de poder pol�tico na campanha em Parambu em 2018. Genecias recorreu e continua no cargo.

Alcides Rodrigues (Patriota-GO) tamb�m enviou uma emenda "cheque em branco", de R$ 3,3 milh�es, para o munic�pio de Santa Helena (GO), onde o filho Jo�o Alberto Vieira Rodrigues � prefeito, fazendo da cidade a que mais recebeu recursos de transfer�ncias especiais no Estado de Goi�s.

'Agradecimento'

O deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), por sua vez, enviou R$ 3,1 milh�es para Aracati (CE), munic�pio onde o pai, Bismarck Maia, � prefeito. O deputado � um dos principais defensores das transfer�ncias especiais no Congresso. Em 2019, ele presidiu a comiss�o especial da C�mara que formulou a PEC das emendas sem carimbo. Em resposta � reportagem, ele disse que repassou o dinheiro como "agradecimento" aos votos recebidos na cidade do pai.

O deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), filho do l�der do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), transferiu R$ 500 mil para Petrolina (PE), onde o irm�o Miguel Coelho � prefeito.

Al�m dos familiares, o modelo foi usado em outros casos. A�cio Neves (PSDB-MG), relator da PEC que criou a transfer�ncia especial, em 2019, enviou R$ 300 mil para o munic�pio de Cl�udio (MG), onde o Minist�rio P�blico investigou a constru��o de um aeroporto em um terreno da fam�lia do deputado. No total, A�cio destinou R$ 4,7 milh�es em emendas sem carimbo ao governo estadual e a munic�pios mineiros, alegando "investimentos em diversas cidades do Estado de Minas Gerais, melhorando assim a qualidade de vida da popula��o."

O fundador da Associa��o Contas Abertas, Gil Castelo Branco, critica o instrumento e diz que as transfer�ncias especiais agilizaram os repasse aos demais entes, mas reduziram a transpar�ncia e o controle social dos recursos do or�amento da Uni�o. "O hist�rico de esc�ndalos sobre as emendas parlamentares e a rela��o prom�scua do Executivo com o Legislativo no uso de recursos p�blicos � impressionante. Durante d�cadas, a gest�o discricion�ria pelo Executivo das emendas parlamentares ao or�amento foi o instrumento utilizado como barganha pol�tica �s v�speras das vota��es no Congresso Nacional. Mas o custo est� subindo", afirmou.

Pesquisador do Insper e ex-chefe da Assessoria Especial do Minist�rio da Fazenda, o economista Marcos Mendes disse que o "cheque em branco" faz parte de uma personaliza��o do or�amento. "S�o valores muito elevados. As dinastias pol�ticas se beneficiam disso", completou.

Exonera��o

Al�m dos familiares, essas emendas foram usadas por outros parlamentares. O ministro da Secretaria-Geral da Presid�ncia da Rep�blica, Onyx Lorenzoni, por exemplo, foi exonerado do cargo em fevereiro para reassumir o mandato na C�mara por alguns dias e indicar emendas no Or�amento. Ele indicou R$ 3,9 milh�es nessa modalidade para 30 munic�pios no Rio Grande do Sul, onde � cotado para uma candidatura ao governo estadual em 2022.

'Cheque em branco'

- PEC: No fim de 2019, foi aprovada uma proposta de emenda � Constitui��o (PEC) que criou as transfer�ncias especiais, uma nova modalidade pela qual deputados e senadores podem enviar recursos para prefeituras e governos estaduais.

- Valor: Em 2021, cada senador e cada deputado tem cerca de R$ 16 milh�es em emendas individuais para serem repassados para a��es, como obras, em seus redutos eleitorais.

- Repasses: Atualmente, existem duas formas de transferir os recursos das emendas individuais: as transfer�ncias com finalidade definida e, desde 2020, as transfer�ncias especiais.

- Finalidade definida: Nas transfer�ncias com finalidade definida, o parlamentar indica o minist�rio e o programa para o qual o recurso ser� utilizado e o benefici�rio tem de apresentar documentos para receber o recurso, como plano de trabalho.

- Transfer�ncia especial: Na transfer�ncia especial, o parlamentar indica a cidade ou unidade da Federa��o que receber� os valores e, ent�o, o prefeito ou o governador apenas apresentam a ag�ncia banc�ria onde ser� depositado o dinheiro, sem detalhar a destina��o da verba.

- Transpar�ncia: Para especialistas, essa modalidade de repasse � menos transparente e pode estimular a corrup��o e o mau uso do dinheiro p�blico.

As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.