
Em 18 de outubro de 2018, poucos dias antes do segundo turno da elei��o presidencial que o confirmaria como o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro foi ao Twitter e se dirigiu aos brasileiros. "Sempre dissemos que n�o existe salvador da p�tria, mas gra�as a uni�o do brasileiro temos a chance real de n�o virarmos a pr�xima Venezuela. Juntos, daremos o pontap� para fazermos do Brasil uma das mais respeit�veis pot�ncias mundiais", escreveu o ent�o candidato pelo PSL.
Ali, ele repetia um dos temas mais frequentes em sua campanha eleitoral: o medo dos brasileiros de que a crise pol�tica, econ�mica e social que assolou o pa�s vizinho em decorr�ncia das pol�ticas do regime chavista pudessem se replicar no Brasil.
No imagin�rio da popula��o brasileira, o colapso da Venezuela ganhava cores cada vez mais vivas com a chegada em massa de migrantes do pa�s via Pacaraima, em Roraima, em fuga da fome. "Vamos vencer e quebrar a engrenagem que quer nos tornar uma Venezuela!", tuitou o candidato em 10 de outubro de 2018, em outro exemplo dentre as dezenas de mensagens sobre o assunto que ele disparou naquele ano.Mais de dois anos e meio ap�s a posse de Bolsonaro, no entanto, especialistas em pol�tica latino-americana ouvidos pela BBC News Brasil dizem que o atual presidente brasileiro � o l�der mais pr�ximo ao estilo de Hugo Ch�vez que o Brasil j� teve no per�odo democr�tico recente. "Bolsonaro se cercou de militares, cria embate com outros poderes, desacredita o processo eleitoral e tenta calar a imprensa. Todas medidas tiradas do manual chavista", afirmou � BBC News Brasil Jorge Casta�eda, ex-ministro de Rela��es Exteriores do M�xico e professor da New York University.
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As semelhan�as entre ambos n�o se esgotam nas coincid�ncias biogr�ficas ou no modo como souberam explorar as redes sociais e a imagem de outsiders para conquistar os eleitores.
Com mais ou menos sucesso, ambos operaram avan�os sobre as Supremas Cortes e apostaram nos embates com institui��es democr�ticas, especialmente com a imprensa. Ambos ainda incentivaram ou promoveram o armamento da popula��o civil e militarizaram o Estado ao mesmo tempo em que interferiam em �rg�os investigativos, expurgavam servidores p�blicos n�o alinhados e tentavam levar os dados oficiais a apoiar narrativas de seus governos, nem sempre condizentes com a realidade.

"Em 2018, baseado no meu trabalho sobre l�deres populistas e militares na democracia na Am�rica Latina, eu j� dizia que Bolsonaro era a figura que mais se parecia com Ch�vez no Brasil e isso se mant�m", afirmou � BBC News Brasil Harold Trinkunas, especialista em pol�tica latino-americana da Universidade Stanford e da Brookings Institution.
Trinkunas explica: "Apesar de defenderem ideologias obviamente diferentes, os dois s�o l�deres populistas. Os populistas alegam conhecer e defender a vontade do povo e argumentam que s�o as institui��es e as elites os empecilhos para que eles as coloquem em pr�tica. O vi�s antielites e anti-institui��es em Bolsonaro � t�o claro quanto era em Ch�vez".
O Coronel e o Capit�o
Embora tenha adotado Ch�vez como um de seus antagonistas principais na elei��o presidencial, Bolsonaro admitiu em 1999 beber da fonte chavista em sua forma��o pol�tica. Em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ent�o deputado federal afirmou que "Ch�vez � uma esperan�a para a Am�rica Latina e gostaria muito que essa filosofia chegasse ao Brasil". Na ocasi�o, o deputado admitiu que pretendia ir ao pa�s vizinho para tentar ser recebido em visita no Pal�cio Presidencial de Miraflores.
"Acho que ele [Ch�vez] vai fazer o que os militares fizeram no Brasil em 1964, com muito mais for�a. S� espero que a oposi��o n�o descambe para a guerrilha, como fez aqui", analisou o ent�o deputado federal Bolsonaro, filiado ao PPB, atual PP. Em 2020, j� presidente, Bolsonaro repetiu, em uma live, que achou "maravilhoso" ver Ch�vez vencer as elei��es. "Depois fez besteira, e virei opositor, como sou ao governo Maduro", disse.

Ch�vez e Bolsonaro t�m origem parecida. Ambos nasceram em cidades pequenas e de interior de seus pa�ses, tiveram inf�ncia simples e ingressaram jovens em academias militares, onde fariam carreira. O primeiro chegou a coronel. O segundo, a capit�o. E os dois incorreram em faltas disciplinares graves, o que os afastou da carreira nas For�as Armadas e os lan�ou definitivamente na pol�tica.
No caso de Ch�vez, em 1992, como tenente-coronel, ele comandou subordinados na tentativa de dar um golpe de Estado na Venezuela. O ato, mal-sucedido, o levou � pris�o por dois anos. Posteriormente, Ch�vez acabaria anistiado.
Bolsonaro se manifestou publicamente por melhorias salariais para as For�as em 1986, uma tomada de posicionamento pol�tico p�blico que lhe rendeu 15 dias de pris�o. No ano seguinte, ainda em protesto, teria arquitetado um plano para explodir adutoras de abastecimento de �gua do Rio de Janeiro. Em 1988, foi julgado pelo Superior Tribunal Militar, que considerou n�o haver provas suficientes para conden�-lo. Naquele mesmo ano, ele passou � reserva e se elegeu como vereador no Rio de Janeiro.

Outsiders em terra arrasada
Depois de sua tentativa de golpe, Ch�vez levaria mais seis anos para se converter no "Comandante", como era chamado j� na Presid�ncia de seu pa�s. Para Bolsonaro, o caminho foi mais longo: levou 30 anos at� que ele se convertesse em "Mito" e passasse a ocupar o Pal�cio do Planalto. H�, no entanto, uma enorme coincid�ncia de contextos que favoreceram as vit�rias presidenciais de cada um deles.
"Ambos s�o pol�ticos que chegam ao auge do poder em uma terra arrasada. H� um profundo sentimento de fim de festa nos dois pa�ses, uma aguda crise econ�mica, pol�tica e social que explica essa ascens�o", afirma a cientista pol�tica Daniela Campello, da Funda��o Get�lio Vargas.

No fim dos anos 1990, a Venezuela j� n�o era um dos pa�ses mais ricos do mundo, como fora entre 1950 e 1980, per�odo que lhe rendeu o apelido de "Venezuela saudita". Nos anos 1970, gra�as �s suas reservas petrol�feras, os venezuelanos tinham o maior poder de compra entre os pa�ses Am�rica Latina — quase tr�s vezes maior que o dos brasileiros —, segundo um �ndice da OCDE (Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico).
Tudo mudou na d�cada de 1980, com a flutua��o do pre�o do petr�leo. Com menos dinheiro, problemas hist�ricos ficaram evidentes: a falta de acesso � educa��o para a popula��o de baixa renda, o aumento da pobreza em meio � escalada da infla��o, a corrup��o e o desvio de dinheiro p�blico das elites pol�ticas do pa�s. Em 1989, o Ex�rcito � chamado a reprimir uma enorme manifesta��o popular em Caracas, o Caraca�o. Uma multid�o revoltada e faminta, que saqueava e depredava tudo o que havia, acabou massacrada pelos militares.
Ch�vez surge nesse contexto, como um outsider, algu�m que prop�e mudan�as e lidera uma rec�m-criada agremia��o, o Movimento Quinta Rep�blica, com a qual se elege e derrota os dois partidos que polarizavam a elei��o havia quatro d�cadas na Venezuela. Ch�vez s� viria a formalizar um partido pr�prio em 2006, o Partido Socialista Unido da Venezuela.
Do mesmo modo, Bolsonaro encerra um per�odo de mais de duas d�cadas de vit�rias presidenciais de PT e PSDB, cujas imagens sofreram fortes abalos ap�s as investiga��es da Opera��o Lava Jato. Mas n�o era s�: o pa�s tamb�m enfrentava a pior recess�o econ�mica desde 1948. E embora Bolsonaro fosse deputado por quase tr�s d�cadas, jamais tivera express�o nacional e surgia como uma figura alternativa, � frente de um at� ent�o partido nanico, o PSL, cuja sigla os brasileiros mal conheciam.

"N�o estou dizendo nem vagamente que os dois s�o a mesma pessoa, mas n�o d� pra ignorar que existem tra�os claros de poder em Ch�vez que des�guam em Bolsonaro e que, em certa medida, superam esses dois personagens e remontam a toda uma tradi��o pol�tica latino-americana", afirma o correspondente da BBC na Am�rica Latina Will Grant, autor do rec�m-lan�ado Populista: the rise of Latin America's 21st Century Strongman, ou, em tradu��o livre, Populista: a chegada ao poder dos caudilhos da Am�rica Latina no s�culo 21, em cuja capa Ch�vez e Bolsonaro se encaram.
Ataques � Suprema Corte e �s institui��es
"Sou apenas um homem, um soldado, um patriota". A frase, que pelo estilo e pelos valores que evoca facilmente caberia na boca de Bolsonaro, na verdade foi enunciada por Ch�vez. "O soldado que vai � guerra e tem medo de morrer � um covarde!" A afirma��o poderia ser atribu�da � Ch�vez, mas foi dita por Bolsonaro, em seu terceiro ano de mandato como presidente, em meio ao embate contra o Tribunal Superior Eleitoral sobre a impress�o do voto.
"Uma vez no poder, tanto Bolsonaro quanto Ch�vez mant�m a ret�rica do manique�smo, do bem contra o mal, para surfar os sentimentos da popula��o contra o establishment, e a estrat�gia de manter vivo o conflito institucional para tentar esticar os limites de seus poderes", afirma o cientista pol�tico Fernando Bizzarro, da Universidade Harvard.
Um dos alvos centrais de ambos os presidentes em suas investidas contra as institui��es s�o as Supremas Cortes de cada pa�s.
Ch�vez acusava o Tribunal Constitucional venezuelana de golpismo e corrup��o e dizia que os ju�zes da Corte atentavam contra os interesses nacionais. Em 2003, ele finalmente conseguiu fazer com que a Assembleia Nacional aprovasse, em plena madrugada, uma lei que permitia o aumento do tribunal de 20 para 32 ministros. Al�m de povoar a corte com aliados, Ch�vez conseguiu tamb�m que a nova lei permitisse o afastamento de outros ministros por decis�o do governo em casos em que suas condutas ferissem "o interesse nacional". Na pr�tica, a regra se tornou um salvo-conduto para que Ch�vez e, posteriormente, seu sucessor Nicol�s Maduro tirassem ju�zes que tomassem medidas que os desagradassem.

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro chegou a defender o aumento no n�mero dos ju�zes, dos 11 atuais para 21. "� uma maneira de voc� colocar dez isentos l� dentro porque, da forma como eles t�m decidido as quest�es nacionais, n�s realmente n�o podemos sequer sonhar em mudar o destino do Brasil", disse Bolsonaro em entrevista, em julho de 2018, � TV Cidade, de Fortaleza. J� no governo, em 2020, o ent�o ministro da Educa��o, Abraham Weintraub, chegou a dizer em uma reuni�o ministerial que ministros do STF deveriam ser presos.
O pr�prio presidente colecionou duros embates com diversos ministros da Corte. O mais recente deles tem sido com o ministro Barroso, a quem j� chamou de idiota e mentiroso, e com Alexandre de Moraes, a quem qualificou como "ditatorial" e alertou que "a hora dele vai chegar".
Bolsonaro n�o ficou s� em ataques verbais. Em seu primeiro ano de governo, tentou emplacar na Reforma da Previd�ncia uma regra que retirava a especifica��o de idade-limite para a aposentadoria dos integrantes do STF. A ideia seria determinar uma nova idade, menor do que a atual, via lei complementar. Assim, ele abriria uma grande quantidade de vagas para nomear nomes alinhados aos seus interesses.
A manobra, no entanto, foi detectada pelo Congresso, que a desmontou. Esse ano, conforme a previs�o legal, Bolsonaro dever� nomear seu segundo ministro (o primeiro foi K�ssio Nunes Marques), em substitui��o a Marco Aur�lio Mello. O indicado � Andr� Mendon�a, ex-advogado-geral da Uni�o e ex-ministro da Justi�a sob Bolsonaro.
Interfer�ncia em �rg�os de investiga��o
Em outra frente, Bolsonaro desfez regras t�citas sobre a defini��o dos comandos de �rg�os de investiga��o e controle. Ele ignorou a lista tr�plice do Minist�rio P�blico Federal, na qual os procuradores indicam tr�s lideran�as da carreira aptas a assumir o posto de Procurador-Geral, e nomeou para o posto um aliado, Augusto Aras. Embora seja uma prerrogativa do presidente, uma interven��o como essa no �rg�o de investiga��o n�o acontecia desde o in�cio do governo de Lula, em 2003, e foi recebida como um golpe sobre a autonomia investigativa do �rg�o.

Do mesmo modo, o ent�o ministro da Justi�a de Bolsonaro, Sergio Moro, se demitiu acusando o presidente de tentar interferir na autonomia investigativa da Pol�cia Federal. De acordo com Moro, Bolsonaro queria trocar a chefia nacional e o comando de superintend�ncias estaduais da PF, como a do Rio de Janeiro, sem apresentar uma justificativa plaus�vel para isso. O presidente reiterou que a mudan�a era uma prerrogativa de seu cargo.
Desde a posse de Bolsonaro, j� houve quatro nomea��es para chefes da PF, al�m de afastamentos locais, como o do delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente do Amazonas, retirado do cargo um dia ap�s pedir que o STF investigasse o ent�o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, um dos mais fi�is aliados ao presidente.
Bolsonaro, no entanto, n�o inventou a estrat�gia. Em 2000, Ch�vez conseguiu aprovar na Assembleia Nacional seu ent�o vice-presidente, Isa�as Rodriguez, para o posto equivalente ao de procurador-geral, desalojando da cadeira um servidor que questionara a legalidade de algumas a��es de seu governo.
De acordo com a oposi��o ao regime chavista, os �rg�os de investiga��o passaram a se comportar de maneira totalmente comprometida com os interesses do mandat�rio. A nova procuradoria sob Ch�vez passou a considerar cr�ticas ao governo como atentados aos interesses nacionais.
No Brasil de Bolsonaro, algo semelhante aconteceu. O ent�o ministro da Justi�a, Andr� Mendon�a, pediu � Pol�cia Federal investiga��o de cr�ticos do governo sob a alega��o de que feriam a Lei de Seguran�a Nacional. Um dos alvos foi o ex-ministro Ciro Gomes, investigado por ter dito que "Bolsonaro para mim � um bo�al, irrespons�vel e criminoso. E ladr�o". Inqu�ritos semelhantes tamb�m surgiram por iniciativa de pol�cias locais. A Pol�cia Civil do Rio chegou a abrir apura��o contra o youtuber Felipe Neto por ele ter chamado Bolsonaro de "genocida".
Armamento da popula��o civil

"O melhor ex�rcito que pode existir para conseguir a liberdade � o povo armado. Eu n�o quero ditadura no Brasil, quero liberdade", disse Bolsonaro, durante reuni�o ministerial, em 2020. E seguiu: "Eu quero, ministro da Justi�a e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que � a garantia que n�o vai ter um filho da puta pra impor uma ditadura aqui! Que � f�cil impor uma ditadura! Fac�limo!"
Desde o in�cio do governo, Bolsonaro tem editado decretos que facilitam o acesso da popula��o civil ao armamento. Boa parte deles t�m sido barradas no STF. Ainda assim, o n�mero de armas entre civis no Brasil bate recorde. Nos dois primeiros anos do governo do governo Bolsonaro, 274 mil novas armas de fogo foram registradas, um aumento de 183% em rela��o ao total de novos registros no bi�nio anterior e o maior patamar da s�rie hist�rica, medida desde 2009.
As justificativas dadas por Bolsonaro para expandir o acesso ao armamento � popula��o civil — a necessidade de defender a liberdade do povo e a soberania do pa�s — ressoam �quelas dadas por Ch�vez, em 2006, quando deliberadamente iniciou a forma��o de uma mil�cia, que hoje conta com quase 1 milh�o de civis, como ele mesmo planejava.
"A Venezuela precisa ter 1 milh�o de homens e mulheres bem equipados e bem armados", disse o l�der venezuelano, ap�s ter negociado a importa��o de 100 mil fuzis da R�ssia e fechar acordo bilion�rio com a Espanha para a compra de equipamentos militares. "Pe�o permiss�o para comprar outro carregamento de armas, porque os gringos querem nos desarmar. Temos de defender nossa p�tria", complementou Ch�vez.

A mil�cia de Ch�vez � uma esp�cie de ex�rcito paralelo e pol�tico e foi gestada depois da tentativa de golpe sofrida por ele em 2002, quando ficou claro que apenas o Ex�rcito poderia n�o ser o bastante para assegur�-lo no comando. Os alistados na mil�cia s�o pessoas comuns, que recebem um treinamento de 5 dias de tiro, disciplina militar e doutrina nacional. Na pr�tica, funcionam tamb�m como olheiros do regime para qualquer sinal de subleva��o social.
O governo Ch�vez tamb�m distribuiu armas para os chamados coletivos, grupos paramilitares politicamente alinhados aos partidos e que j� se envolveram em atos mais extremos.
"A compara��o tem limites porque embora haja a flexibiliza��o para acesso a armas no caso de Bolsonaro, n�o h� um planejamento, uma organiza��o hier�rquica orientando o contingente de pessoas que compra essas armas. No caso de Ch�vez, n�o. Ele realmente preparou a popula��o para a Guerra Civil", diz Rafael Ioris, cientista pol�tico da Universidade do Colorado.
A despeito do discurso favor�vel ao armamento de grupos espec�ficos e aliados, Ch�vez lan�ou campanha de redu��o � circula��o de armas entre a popula��o em geral, restringindo o acesso a elas �s For�as Armadas, �s mil�cias e aos coletivos. A tentativa de desarmamento foi, ali�s, uma das raras pautas em que chavistas e a oposi��o concordaram e trabalharam juntos.
Persegui��o a funcion�rios p�blicos n�o alinhados
A gest�o Ch�vez ficou marcada por persegui��es a funcion�rios p�blicos n�o alinhados ao regime Bolsonaro. Em novembro de 2006, o canal televisivo RCTV chegou a transmitir imagens do ent�o ministro da Energia de Ch�vez dizendo aos funcion�rios da empresa estatal de petr�leo, a PDVSA, que eles deveriam se demitir se n�o apoiassem a agenda pol�tica do presidente.

No Brasil, situa��es semelhantes t�m acontecido. Uma das mais not�rias foi a demiss�o, em 2019, do ent�o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Ricardo Galv�o. Embora tivesse um mandato, Galv�o foi dispensado depois de divulgar dados sobre o desmatamento na Amaz�nia que desagradaram Bolsonaro.
Na ocasi�o, o presidente chegou a afirmar que Ricardo Galv�o estava "agindo a servi�o de uma ONG". "Com toda a devasta��o que voc�s nos acusam de estar fazendo e de ter feito no passado, a Amaz�nia j� teria se extinguido", declarou Bolsonaro.
Em outro caso com paralelo na Venezuela sob Ch�vez, Bolsonaro tem descumprido uma regra t�cita, que vigorava desde os anos 1990, de nomea��o do reitor de universidades federais. Historicamente, o nomeado � eleito pelos professores, funcion�rios e alunos das institui��es. Bolsonaro, no entanto, tem optado por exercer o direito de escolher seus nomes preferidos, eventualmente at� mesmo fora da lista tr�plice elaborada pelas universidades.
Segundo c�lculo da Folha de S.Paulo, isso j� aconteceu ao menos em um quarto das nomea��es. Embora n�o haja uma explica��o oficial para tais decis�es, a leitura das universidades � de que h� interfer�ncia pol�tica na gest�o universit�ria. Em mar�o de 2019, Bolsonaro deixou claro que agiria conforme suas possibilidades e se justificou: "O ambiente acad�mico com o passar do tempo vem sendo massacrado pela ideologia de esquerda que divide para conquistar e enaltece o socialismo e tripudia o capitalismo. Neste contexto, a forma��o dos cidad�os � esquecida e prioriza-se a conquista dos militantes pol�ticos".
Tamb�m em 2019, o sucessor de Ch�vez, Nicol�s Maduro, obteve uma vit�ria no Tribunal Supremo do pa�s para alterar as regras de vota��o de reitores de universidades nacionais e retirar o peso dos professores na escolha. O ambiente acad�mico venezuelano � considerado pelo governo como um dos �ltimos basti�es de oposi��o � chamada revolu��o bolivariana.
Pol�micas com estat�sticas oficiais
Em maio de 2020, o governo de Nicol�s Maduro anunciou o que foi tomado como um "absurdo" pela Universidade John Hopkins: a Venezuela teria tido, at� ent�o, apenas 10 mortos por covid-19. O l�der venezuelano defendia que seu combate � pandemia — baseado em parte no uso da cloroquina, um medicamento cuja inefic�cia foi comprovada e que tamb�m foi adotado por Bolsonaro como tratamento para covid-19 no Brasil — era um grande sucesso.
A m�dica da Universidade Jonh Hopkins Kathleen Page, que entrevistou equipes de sa�de venezuelanas para o relat�rio da institui��o sobre a pandemia, disse � AFP que se tratava de um dado falso. Em uma estimativa conservadora, segundo ela, o n�mero de �bitos pelo v�rus no pa�s chegaria "em pelo menos 30 mil" naquele momento.

Os dados sobre mortalidade da covid-19 se tornaram apenas o exemplo mais recente da falta de confiabilidade das estat�sticas do governo Ch�vez-Maduro. O problema se acentuou conforme o pa�s se aprofundava na crise. A Venezuela passou ao menos dois anos sem publicar dados sobre mortalidade infantil, por exemplo, para n�o dar muni��o aos que criticam o regime. Ch�vez chegou a expulsar do pa�s integrantes de organismos internacionais, como a Human Rights Watch, que denunciavam os problemas nos dados, entre outras cr�ticas ao governo venezuelano.
No caso brasileiro, o governo Bolsonaro foi duramente criticado quando, na gest�o do ministro Eduardo Pazuello, tentou alterar o c�lculo de v�timas da covid-19 no Brasil. Em junho de 2020, o governo deixou de divulgar os dados completos de mortalidade e o hist�rico de v�timas da pandemia, e manteve acess�veis apenas os dados sobre �bitos registrados nas 24h anteriores, o que reduzia drasticamente o dado. Alterou ainda o hor�rio de divulga��o dos boletins epidemiol�gicos, das 19h para as 22h. Ao comentar o assunto pela primeira vez, Bolsonaro afirmou: "Acabou mat�ria no Jornal Nacional."

Diante do apag�o de dados, o site da Universidade John Hopkins chegou a tirar o Brasil de sua contagem. E �rg�os de imprensa criaram um cons�rcio para apurar os n�meros junto aos Estados. Os dados do Conselho Nacional de Secretarias de Sa�de (Conass) passaram a balizar as an�lises. Diante da press�o, o governo recuou.
Essa, no entanto, n�o foi a primeira vez que a gest�o Bolsonaro se debateu com dados oficiais negativos. Como mostra o caso da demiss�o do diretor do Inpe, o governo federal tentou repetidas vezes alterar a forma de c�lculo e divulga��o dos dados sobre a devasta��o ambiental. Recentemente, chegou a anunciar que o monitoramento ficaria sob responsabilidade do Minist�rio da Agricultura. Diante das cr�ticas — j� que o desmatamento � impulsionado justamente por atividades de parcela do setor ruralista — o governo voltou atr�s.
H� outros exemplos. No fim de julho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, atacou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) diante da nova estat�stica de desemprego — que aponta 15 milh�es de brasileiros sem emprego. Segundo Guedes, o IBGE "est� na idade da pedra lascada" e seu dado n�o deveria ser considerado. O governo tamb�m n�o destinou recursos suficientes para realiza��o do Censo populacional, atrasado em dois anos.
Militares no poder
"A chegada de Ch�vez e Bolsonaro � Presid�ncia marca tamb�m o retorno, com for�a, dos militares � m�quina do Estado. A verdade � que at� esse momento, os militares j� n�o faziam parte da pol�tica cotidiana nem no Brasil, nem na Venezuela", afirma Fernando Bizzarro, da Universidade Harvard.
Tanto Venezuela quanto Brasil viveram per�odos de ditadura militar. Mas no caso venezuelano, o regime havia se encerrado em 1958, o que significa que os militares estavam fora do centro nervoso pol�tico h� mais de 40 anos quando Ch�vez ascendeu.

O hist�rico brasileiro � mais complexo. A ditadura se encerrou em 1984, e o retorno dos militares a fun��es centrais no Estado � iniciado pela gest�o de Michel Temer. Impopular e diante de uma crise econ�mica, Temer recria o GSI, um �rg�o de seguran�a nacional que controla a Abin (Ag�ncia Brasileira de Intelig�ncia) extinto em 2015. Para o comando da pasta, ele nomeou S�rgio Etchegoyen, que at� ent�o ocupava o cargo de Chefe do Estado-Maior do Ex�rcito e passou a ser uma das vozes mais influentes do c�rculo do presidente.
Esse teria sido o ponto de in�cio de um processo que Bolsonaro aprofundaria de maneira que n�o encontra paralelos nem com a pr�pria ditadura brasileira. Um levantamento feito pelo Tribunal de Contas da Uni�o (TCU) em 2020 identificou 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo Bolsonaro. O n�mero � mais que o dobro do que havia em 2018, na gest�o Temer (2.765) e supera as cifras registradas durante os governos militares no per�odo 1964-84.
Mais do que isso, em fevereiro de 2020 a BBC News Brasil mostrou que, naquele momento, o Brasil tinha mais militares na chefia de minist�rios do que a pr�pria Venezuela.
E embora esse n�mero possa flutuar, o dado aponta o patamar de import�ncia que as For�as Armadas adquiriram no governo de Jair Bolsonaro, j� que a manuten��o do regime chavista se fia hoje basicamente no apoio militar que ainda det�m.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto, a presen�a de militares na gest�o Ch�vez foi aumentando ao longo dos anos, como resposta a diferentes crises que o governo enfrentava: a tentativa de golpe contra Ch�vez ou uma greve geral na PDVSA (a estatal petrol�fera venezuelana). Em contraponto, eles afirmam, Bolsonaro j� iniciou a gest�o cercado de militares. O resultado, no entanto, � bastante semelhante.
Assim como Bolsonaro, Ch�vez tamb�m investiu no aumento da educa��o militar no pa�s, nomeou um general para o comando da petroleira estatal, do mesmo modo que Bolsonaro, em 2021, com a Petrobras, e alocou um militar at� no Minist�rio da Sa�de, o que Bolsonaro repetiria anos mais tarde com Eduardo Pazuello � frente da pasta.
"Ambos tamb�m foram operando expurgos nas For�as Armadas para deixar em melhor posi��o os seus aliados", afirma Daniela Campello, da FGV, citando o caso da demiss�o do ent�o ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva, e dos tr�s chefes das for�as em mar�o de 2021. Para o lugar de Azevedo e Silva, Bolsonaro indicou o general Walter Braga Netto.

Braga Netto se envolveu em ao menos dois epis�dios recentes vistos por parlamentares e analistas pol�ticos como intromiss�o das For�as Armadas na pol�tica brasileira. O primeiro, quando admoestou o senador Omar Aziz, por nota, junto aos demais chefes das for�as, por coment�rios do presidente da CPI acerca da "banda podre das For�as Armadas". A CPI investiga o poss�vel envolvimento de militares que ocupavam cargos no Minist�rio da Sa�de em esquemas fraudulentos de compras de vacina. O segundo quando se posicionou, tamb�m por nota, em favor do voto impresso, posi��o tamb�m apoiada pelos Clubes Militares.
Bolsonaro tem afirmado publicamente que se n�o houver voto impresso nas elei��es de 2022, n�o haver� o pleito.
No caso da Venezuela, o pre�o do apoio dos quart�is a Ch�vez foi alto. Al�m do loteamento de cargos estatais, o chavismo franqueou aos comandantes aliados generosos espa�os em diferentes setores da economia venezuelana.
O grupo de militares, chamado de "boliburguesia", a burguesia bolivariana, assumiu o controle da cadeia de produ��o petroleira, al�m da extra��o de outros min�rios, incluindo ouro. Empresas vinculadas aberta ou sigilosamente a comandantes militares firmaram contratos p�blicos para atuar em ramos t�o diversos quanto produ��o de alimentos e bens de consumo a servi�os de coleta de lixo. Esses la�os ajudariam a explicar porque o regime se mant�m, a despeito da enorme crise. A oposi��o venezuelana tem acenado com anistia para que os militares troquem de lado.
No caso do Brasil, os militares como classe j� experimentam benef�cios bem palp�veis: foram exclu�dos da reforma da previd�ncia, que imp�s mais anos de trabalho e menor benef�cio � popula��o brasileira, e s�o a �nica categoria que poder� receber reajuste salarial em 2021. Em meio � crise fiscal, o or�amento do Minist�rio da Defesa tem sido relativamente preservado e chegou a patamares semelhantes ao do Minist�rio da Educa��o, por exemplo.
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam ser imposs�vel saber o grau de compromisso das For�as Armadas com o projeto de poder de Bolsonaro e o qu�o dispostas estariam em bancar alguma eventual tentativa de ruptura democr�tica. "Acredito que isso n�o aconteceria. Mas, veja, s� o fato de estarmos discutindo aqui o que querem as For�as Armadas do Brasil, que deveriam ser totalmente subordinadas aos civis, j� � extremamente preocupante", aponta Trinkunas, da Universidade Stanford.
Braga Netto tem negado que haja uma politiza��o das For�as Armadas.
Rela��es com a imprensa
"Hugo Ch�vez foi o primeiro presidente na Am�rica Latina a ter perfil consistente nas redes sociais, comunica��o que Bolsonaro dominaria anos mais tarde", afirma Campello, da FGV.

Enquanto Bolsonaro tem encontro direto com o eleitor toda quinta-feira, em lives de Facebook, Ch�vez costumava comandar um programa televisivo dominical batizado de Al�, Presidente. Em 2020, a equipe de comunica��o de Bolsonaro chegou a lan�ar um piloto de programa no qual Bolsonaro responderia a perguntas de eleitores, batizado igualmente de Al�, Presidente. A revela��o pela imprensa de que os supostos entrevistados nesse piloto na verdade n�o existiam, e que suas fotos eram imagens gen�ricas compradas de ag�ncia, aliada � compara��o com o programa de Ch�vez, no entanto, fizeram com que a Secretaria de Comunica��o abandonasse a ideia.
Nos programas de Ch�vez e Bolsonaro, o governo se faz ao vivo. O presidente venezuelano chegou a anunciar, em 2008, na TV que enviaria batalh�es do Ex�rcito para a fronteira com a Col�mbia, gerando uma crise diplom�tica s�ria com o pa�s vizinho. J� Bolsonaro usa seus programas para endossar aliados fustigados por den�ncias, fornecer interpreta��es sobre fatos pol�ticos que possam ser usados como propaganda por sua milit�ncia ou defender medidas que quer adotar no governo.
No fim de julho, passou mais de duas horas em uma live em defesa do voto impresso, para a qual n�o conta com votos no Congresso nem respaldo no Supremo, e apelou at� para not�cias falsas para argumentar que o atual sistema eleitoral brasileiro n�o � seguro, Por causa do epis�dio, Bolsonaro est� sob investiga��o no inqu�rito das Fake News no STF.
Al�m disso, como o evento foi retransmitido pela emissora estatal TV Brasil, Bolsonaro foi alvo de not�cia-crime enviada ao STF por parlamentares petistas, que o acusam de a improbidade administrativa, propaganda eleitoral antecipada e abuso de poder pol�tico e econ�mico. A ministra Carmen L�cia qualificou as acusa��es como "graves" e pediu parecer � Procuradoria-Geral da Rep�blica.
A comunica��o direta com o eleitor n�o � s� uma prefer�ncia dos dois l�deres, mas tamb�m uma forma de driblar perguntas inc�modas da imprensa, com quem Ch�vez e Bolsonaro acumularam embates. Em 2020, Bolsonaro chegou a p�r em d�vida a renova��o da concess�o p�blica da TV Globo, emissora mais vista do pa�s. "Voc�s v�o renovar a concess�o em 2022. N�o vou persegui-los, mas o processo vai estar limpo. Se o processo n�o estiver limpo, legal, n�o tem renova��o da concess�o de voc�s, e de TV nenhuma. Voc�s apostaram em me derrubar no primeiro ano e n�o conseguiram", disse, acusando a cobertura de seu mandato de ser "porca"e uma "patifaria".
Ch�vez foi mais longe. "N�o ser� renovada a concess�o para este canal golpista de televis�o que se chama Radio Caracas Televisi�n (RCTV)", anunciou em 2006, cumprindo amea�as que fazia n�o apenas porque o ve�culo trazia reiteradas den�ncias contra seu governo como tamb�m porque n�o dava destaque �s manifesta��es a favor de Ch�vez na cobertura. A emissora saiu do ar em 2007.
A RCTV chegou a ter alguma sobrevida como canal por assinatura, mas mesmo isso acabou em 2010. Uma determina��o da Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou, em 2015, que a TV fosse reaberta, mas o regime chavista ignorou a decis�o. O governo de Ch�vez tamb�m abriu investiga��es administrativas contra outros ve�culos de imprensa quando avaliava que a cobertura n�o lhe era favor�vel, segundo relat�rios da ONG Human Rights Watch. Tais processos resultaram algumas vezes em sufocamento financeiro desses �rg�os de imprensa. Em outras situa��es, o governo usou seu poder de financiamento por meio de compra de an�ncios para obter a simpatia de ve�culos em sua cobertura.
Entre 2003 e 2019, ao menos 200 �rg�os de imprensa, entre emissoras de r�dio e televis�o e jornais, tiveram seus trabalhos interrompidos. E, de acordo com o levantamento do Instituto Prensa y Sociedad, que monitora as condi��es de trabalho da imprensa no pa�s, houve ao menos 213 viola��es ao trabalho jornal�stico apenas no primeiro semestre de 2021, entre elas dez pris�es arbitr�rias de rep�rteres.
Pela primeira vez em 20 anos, o relat�rio da ONG Rep�rteres sem Fronteiras colocou o Brasil na zona vermelha, a mais restrita em termos de liberdade de imprensa, a mesma em que est� a Venezuela. No relat�rio, no entanto, a ONG destaca que a situa��o venezuelana (em 148º lugar num ranking de 180 pa�ses) segue sendo pior do que a do Brasil (111ª posi��o). "O trabalho da imprensa brasileira tornou-se especialmente complexo desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, em 2018. Insultos, difama��o, estigmatiza��o e humilha��o de jornalistas passaram a ser a marca registrada do presidente brasileiro", afirma o relat�rio de 2021 da organiza��o.
As rela��es de Bolsonaro com a imprensa se revelam tamb�m por meio da maneira como o governo federal aloca seus recursos publicit�rios.
Um relat�rio do Tribunal de Contas da Uni�o de 2020 mostrou que, sem demonstrar os crit�rios para as decis�es, a gest�o Bolsonaro cortou em 60% a verba destinada � propaganda federal na TV Globo, l�der de audi�ncia. Por outro lado, os repasses para SBT e TV Record, cuja linha editorial � considerada menos cr�tica ao governo, aumentaram em cerca de 25% para cada uma delas.

Al�m disso, investiga��es da Pol�cia Federal e da Procuradoria-Geral da Rep�blica sobre atos antidemocr�ticos apontaram que 12 canais no YouTube de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro receberam cerca de US$ 1,1 milh�o em monetiza��o dos v�deos. O valor, que vai de junho de 2018 a maio de 2020, corresponde a cerca de R$ 4,2 milh�es em valores convertidos com o c�mbio m�dio da �poca. Esses canais s�o conhecidos por dissemina��o de conte�do falso e j� sofreram diferentes san��es de plataformas como Youtube e Facebook.
Com todas essas semelhan�as, o que impede o Brasil de 'virar uma Venezuela'?
Ao menos 3 aspectos s�o centrais para entender os limites do uso do manual chavista por Bolsonaro: a popularidade presidencial, a quantidade de recursos dispon�veis e a for�a das institui��es desafiadas.
"Quando Bolsonaro chega ao poder, chega com bem menos do que os mais de 60% dos votos que Ch�vez teve em sua primeira elei��o. E tamb�m teve o caminho facilitado na vit�ria porque Lula foi impedido de concorrer. Ent�o h�, de sa�da, uma diferen�a no grau de popularidade deles", afirma Jorge Casta�eda, da New York University.
Ch�vez aproveitou o embalo das urnas e a insatisfa��o popular no pa�s para lan�ar uma Constituinte, na qual 9 em cada 10 membros eram aliados a ele. Era o in�cio do que o cientista pol�tico Luis Vicente L�on chamou de um processo de "coloniza��o das institui��es". O pr�prio L�on, por�m, observa que a forte popularidade de Ch�vez nos anos iniciais do regime dispensou a necessidade de qualquer tipo de fraude eleitoral para que ele vencesse as elei��es presidenciais de 2000, 2006 e 2012 e os pleitos legislativos de 2000, 2005 e 2010. Sua �nica derrota aconteceu em 2007, quando ele tentou aprovar por referendo popular um terceiro mandato. Dois anos mais tarde, o presidente refez a consulta e venceu.
Mas, afinal, o que fez de Ch�vez um presidente t�o popular a despeito de seus ataques a institui��es democr�ticas?

O per�odo dele no poder coincide com uma alta hist�rica no pre�o do petr�leo, base primordial da economia venezuelana e cuja receita se concentra na m�o do Estado, j� que o recurso � explorado por uma estatal. Ch�vez encaminhou a abund�ncia de verba para a popula��o mais pobre do pa�s e de fato gerou impacto imediato na vida de milh�es de pessoas.
De acordo com o Instituto Nacional de Estat�sticas, em 1999, 20,1% dos venezuelanos viviam na extrema pobreza. Em 2007, o �ndice havia ca�do para 9,5%. Suas pol�ticas, no entanto, n�o eram estruturantes e quando o pre�o do barril de petr�leo voltou a cair, a pobreza retornou com mais for�a do que antes ao pa�s.
De forma semelhante, Bolsonaro experimentou o incremento de popularidade que a transfer�ncia direta de renda pode trazer. O aux�lio emergencial federal de R$ 600 durante a pandemia alavancou seus �ndices de popularidade a 37% em agosto, segundo o Datafolha (ante aos atuais 24%).
Seis vezes maior que a economia da Venezuela, a do Brasil � tamb�m muito mais diversa, din�mica e muito menos atrelada ao Estado. "Al�m disso, o governo enfrenta uma crise fiscal, o que reduz muito as possibilidades de gastos do governo", afirma Daniela Campello, da FGV. Justamente o Or�amento apertado for�ou a redu��o e interrup��o do aux�lio, que Bolsonaro tenta relan�ar at� o fim do ano como um substituto ao programa Bolsa Fam�lia. Agora, o valor seria de R$ 400 (hoje � de R$ 190) e o nome do programa seria Aux�lio Brasil.
Dada a falta de recurso p�blico para fazer esse aumento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu que o governo estuda formas de n�o cumprir os pagamentos dos precat�rios, d�vidas do Estado chanceladas judicialmente, para bancar o programa, o que causou alarme nos mercados e derrubou a bolsa na semana passada.
"� importante lembrar que Bolsonaro partiu de uma pauta bastante elitista, de austeridade fiscal, e chegou a ser contra o aux�lio emergencial de R$ 500, at� que se deu conta de que isso lhe trazia ganhos de popularidade. Ele tenta agora uma reedi��o disso, mas � muito dif�cil dada a situa��o da economia", afirma o cientista pol�tico Rafael Ioris, especialista em Am�rica Latina da Universidade do Colorado.

Por fim, o Brasil possui institui��es e uma oposi��o pol�tica consideradas mais s�lidas do que as da Venezuela pelos especialistas. "Na Venezuela, o descr�dito das institui��es democr�ticas, da classe pol�tica, da elite empresarial entre 1999 e 2003 era muito maior do que hoje no Brasil. Logo, � mais dif�cil para Bolsonaro intervir nas regras do jogo", afirma Casta�eda, para quem as tentativas de Bolsonaro de lan�ar descr�dito sobre as urnas eletr�nicas t�m poucas chances de levar a algum resultado pr�tico em 2022.
No in�cio de agosto, a Proposta de Emenda Constitucional do voto impresso, encampada por Bolsonaro, foi derrotada na comiss�o especial da C�mara onde era analisada. Ainda assim, deve ser levada ao plen�rio da C�mara, onde tamb�m se espera uma derrota.
Will Grant, da BBC, tamb�m chama a aten��o para a condi��o da oposi��o tanto no Brasil quanto na Venezuela. Em quase todo o per�odo que esteve no poder, de 1999 a 2013, Ch�vez contou com maioria folgada na Assembleia Nacional, o equivalente ao Congresso brasileiro, e com controle sobre a Suprema Corte do pa�s. O que n�o conseguiu fazer manipulando os outros dois Poderes, ele fez por meio de referendos.
Bolsonaro, apesar de ter sido o presidente que mais liberou recursos para emendas parlamentares, segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, foi tamb�m o presidente que menos aprovou seus projetos no Congresso nos �ltimos 18 anos. No STF, a interlocu��o com os ministros foi interrompida ap�s os insultos que o presidente lan�ou contra alguns membros da Corte.
E enquanto na Venezuela, os partidos contr�rios a Ch�vez tiveram que lidar com a quase impossibilidade de se financiar, j� que a maior parte dos recursos que a economia girava passavam diretamente pelo governo, no Brasil, essa quest�o n�o existe. O fundo eleitoral p�blico de R$ 4 bilh�es ser� distribu�do entre os partidos para o pleito de 2022 e o principal benefici�rio dos recursos � o PT, partido do principal advers�rio de Bolsonaro nas urnas, o ex-presidente Lula.
Em forma de protesto contra as condi��es de competi��o pol�tica, a oposi��o venezuelana optou por boicotar elei��es-chave, como ao Legislativo em 2005, o que na pr�tica apenas facilitou a perman�ncia de Ch�vez no poder. "Na Venezuela, Ch�vez passou a ser o pr�prio Estado. Ou os pol�ticos e grupos de oposi��o da sociedade civil encontravam espa�o pol�tico para operar dentro da revolu��o bolivariana, ou n�o havia espa�o real fora dali. No caso brasileiro � diferente, Bolsonaro n�o tem o dom�nio das institui��es e tem como antagonista um personagem forte, Lula. Em �ltima inst�ncia, isso o impede de realmente ser capaz de assumir as r�deas do poder no Brasil por mais de dois mandatos", afirma Grant.
Ioris, da Universidade do Colorado, vai mais longe. Para ele, a escalada de tens�o do presidente brasileiro em rela��o �s demais institui��es por meio de ataques verborr�gicos � um dos poucos recursos que sobram a Bolsonaro nesse momento. "Diferente de Ch�vez, o governo Bolsonaro sequer chega a ter uma agenda muito clara. Defende acabar com muitas coisas, mas n�o sabe bem o que colocar no lugar. Ent�o escolhe quest�es pontuais pra defender. Devemos ver cada vez mais lives raivosas", aposta.
Elas, no entanto, podem ter um efeito negativo para o pr�prio presidente. A live de duas horas em que defendeu o voto impresso e disseminou informa��o falsa sobre o sistema eleitoral renderam a Bolsonaro a abertura de inqu�ritos tanto pelo Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal. Se o Judici�rio concluir que houve abuso de poder econ�mico e pol�tico e crime eleitoral, Bolsonaro poder� at� mesmo ser barrado da disputa presidencial em 2022.
"H� mais consci�ncia dos perigos do populismo autorit�rio na Am�rica Latina, do que havia com Ch�vez, no come�o dos anos 2000. Todos n�s j� vimos esse filme. Sabemos como isso termina. E essa consci�ncia, tanto dentro quanto fora do Brasil, � certamente uma das diferen�as mais importantes entre as situa��es dos pa�ses de Ch�vez e Bolsonaro", resume Jorge Casta�eda, da New York University.
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