Um bolsonarista-raiz, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que foi preso por insultar e amea�ar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), deve estar entre os primeiros beneficiados do fim pr�ximo da Lei de Seguran�a Nacional. A mesma ironia envolve a situa��o do presidente do PTB, Roberto Jefferson, detido e enquadrado na LSN, entre outros crimes, na �ltima sexta-feira, ap�s postar v�deos incitando atos de viol�ncia.
A revoga��o da norma tamb�m poder� beneficiar opositores do presidente Jair Bolsonaro, como o petista Rodrigo Pilha, preso em Bras�lia ap�s divulgar faixa chamando-o de "genocida" por causa das mortes provocadas pela covid-19 no Brasil. Al�m de enquadrado na LSN, ficou quatro meses preso por crime comum.
Advogados de r�us processados sob a velha lei esperam que Bolsonaro sancione o texto aprovado pelo Congresso para recorrer � Justi�a em favor de seus clientes. Em tese, crimes enquadrados na norma antiga que n�o tenham sido acolhidos na nova tipifica��o, a ser incorporada ao C�digo Penal, deixar�o de existir. Isso possibilitar� a extin��o de acusa��es. Pela Constitui��o, n�o h� delito sem norma legal pr�via que o tipifique. O presidente tem o poder legal de vetar a mudan�a, mas, se o fizer, prejudicar� tamb�m aliados.
"Estamos preparados para essa nova roupagem dos crimes que dizem respeito � Seguran�a Nacional e, ap�s um estudo, verificamos que nenhum deles alcan�a o deputado", diz o advogado Jean Cleber Garcia, que defende Silveira. "T�o logo seja sancionada, vamos estudar os recursos cab�veis."
No lugar da LSN, os parlamentares inclu�ram no C�digo Penal (CP) artigos que determinam crimes contra o estado democr�tico de direito. O objetivo � proteger a democracia e n�o deixar impunes ataques ao regime democr�tico.
A proposi��o com as duas iniciativas - revoga��o da velha lei e cria��o dos novos crimes no CP - foi votada pela C�mara dos Deputados, em maio, e pelo Senado na semana passada. Os novos artigos do C�digo Penal incluem os crimes de atentado � soberania; atentado � integridade nacional; golpe de Estado; espionagem; aboli��o violenta do estado democr�tico de direito; interrup��o do processo eleitoral; comunica��o enganosa em massa; viol�ncia pol�tica; sabotagem e atentado ao direito de manifesta��o.
Como mostrou o Estad�o, o n�mero de procedimentos abertos no governo Bolsonaro com base na legisla��o pela Pol�cia Federal para apurar supostos delitos contra a seguran�a nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos da gest�o em compara��o ao mesmo per�odo dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Entre 2015 e 2016 foram 20 inqu�ritos instaurados, enquanto entre 2019 e 2020, foram 77.
Um dos s�mbolos do recente uso da LSN foi a pris�o de Rodrigo Pilha. Militante petista, ele foi detido em mar�o, em Bras�lia. Ap�s enquadr�-lo na LSN, agentes recorreram a um antigo processo por desacato ao qual o militante respondia. Essa acusa��o, por um crime comum, o deixou na pris�o por cerca de quatro meses. Hoje, ele cumpre regime aberto, conquistado ap�s uma greve de fome.
O deputado federal e advogado Alencar Santana (PT-BA), defensor de Pilha, reconhece que o caso do seu cliente � mais complexo, por envolver outra acusa��o, fora da LSN. "Sem d�vida alguma, o Pilha � o s�mbolo mais forte desses abusos (da LSN)", disse. "Policiais tentaram coibir seu direito de manifesta��o."
Outro poss�vel beneficiado pela mudan�a � Jo�o Reginaldo da Silva J�nior, de 24 anos. Ele foi preso em flagrante pela Pol�cia Militar de Minas Gerais ap�s fazer um tu�te no qual "convocava", em tom de brincadeira, outros moradores de Uberl�ndia para agir contra o presidente: "Gente, Bolsonaro em Udia (Uberl�ndia) amanh� Algu�m fecha virar her�i nacional?".
Caso a caso
Caber� ao juiz de cada processo espec�fico avaliar se um acusado com base na LSN vai ser beneficiado pela revoga��o (que ainda depende da san��o presidencial) e se livrar da acusa��o. Salo de Carvalho, professor de Direito Penal na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que, nos casos de revoga��o total da lei que embasava a puni��o ou na ocorr�ncia de altera��es que possam favorecer o r�u, costuma-se aplicar a nova lei. "S�o mantidos, por�m, os efeitos penais nos casos em que a conduta incriminada e a pena permanecem id�nticas. Por isso, ser� o juiz de cada caso que far� esse ju�zo do novo texto legal", disse.
Assim, uma pessoa punida por alguma atitude que agora est� prevista de forma id�ntica na nova norma legal pode ter a pena mantida pelo juiz. Isso vai acontecer se o magistrado entender que a justificativa para a decis�o anterior se mant�m.
A norma em vias de acabar � resqu�cio da Doutrina de Seguran�a Nacional origin�ria dos EUA, no in�cio da Guerra Fria, e regeu as ditaduras do Brasil e todo o Cone Sul nos anos 1960, 70 e 80. O texto era a �ltima vers�o da regra, de 1983. Foi editado ainda no governo de Jo�o Figueiredo, o �ltimo da ditadura militar. A LSN perdeu relev�ncia ap�s a volta do regime democr�tico e a promulga��o da Constitui��o de 1988, mas ganhou destaque novamente no governo Bolsonaro.
"A revoga��o foi muito importante, porque, ap�s 30 anos da publica��o da Constitui��o Federal, o Brasil finalmente superou o modelo autorit�rio de seguran�a nacional, com a ado��o do modelo de prote��o e defesa das institui��es democr�ticas", diz Alexandre Wunderlich, professor da Pontif�cia Universidade Cat�lica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). "Demorou muito mais do que era poss�vel e esperado, por inefici�ncia do sistema legislativo."
Bolsonaro tem direito a vetar a decis�o do Congresso, mas a �ltima palavra ser� dos deputados e senadores, que podem derrubar um eventual veto do presidente. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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