
At� porque, segundo o acad�mico, as condi��es atuais s�o significativamente diferentes do que eram em 1964 - ano em que ocorreu o golpe militar e que, portanto, tem import�ncia simb�lica para o bolsonarismo.
"Ele (Bolsonaro) excita a base radical (...) e ao mesmo tempo incute nos inimigos a cren�a de que ele � capaz de dar o golpe. Explora-se uma fantasia do eterno retorno de 64, como se o Brasil fosse a mesma coisa (que nos anos 1960). (Mas) esse golpe � absolutamente imposs�vel de acontecer", opina em entrevista � BBC News Brasil.
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Lynch � doutor em ci�ncia pol�tica, professor no Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Pol�ticos) da UERJ, historiador e editor da revista acad�mica Insight Intelig�ncia.
Com duras cr�ticas ao governo Bolsonaro, ele conversou com a reportagem sobre o momento pol�tico atual no Brasil e no mundo e quais compara��es hist�ricas s�o, em sua opini�o, fact�veis ou n�o.
Leia os principais trechos da entrevista, divididos em t�picos:
'Espet�culo de confronto'
Para Lynch, caiu-se em uma esp�cie de armadilha ao achar-se que o governo, que vive baixa popularidade e relativo isolamento, seria capaz de promover uma ruptura institucional (ou um golpe) nas circunst�ncias atuais, mesmo angariando um n�mero representativo de apoiadores no 7 de setembro.

"Se voc� observar a conduta do Bolsonaro desde o in�cio da carreira, ele sempre joga o jogo de simula��o de poder, de subvers�o reacion�ria em defesa de uma imagem de bom governo associado ao regime militar e seus her�is (os militares, os PMs e os repressores). Ele se vende como algu�m que est� organizando um motim que nunca explode. O que interessa � fam�lia Bolsonaro � reiterar a pol�tica como espet�culo do confronto. A gente v� isso na Cultura, nas Rela��es Exteriores (com o ex-ministro Ernesto Ara�jo)", diz.
Ao mesmo tempo, prossegue Lynch, "s�o v�rias as atitudes n�o compat�veis com a ideia de que ele queira ou possa dar um golpe. Veja a rea��o de personagens gra�dos da Rep�blica, sejam auxiliares do Pal�cio do Planalto, sejam (ministros do Supremo) como Gilmar (Mendes) e (Lu�s Roberto) Barroso, ou de Pacheco (Rodrigo Pacheco, presidente do Senado) ou (o presidente da C�mara, Arthur) Lira: todos criticam o golpismo, mas sempre passam (a ideia) de que ningu�m acredita naquilo ali - at� porque eles t�m contato com os generais e monitoram (a situa��o)."
Sobre os atos de 7 de setembro, Arthur Lira afirmou na quinta-feira (2/9) que "o �nico a perder" se houver tumultos nas manifesta��es ser� o pr�prio Bolsonaro.
'Um golpe absolutamente imposs�vel'
O presidente da Rep�blica, por sua vez, manteve o tom de amea�a, dizendo a apoiadores nos �ltimos dias que "n�o precisamos sair das quatro linhas da Constitui��o, mas podemos jogar fora dessas quatro linhas".
Para Lynch, isso � parte dessa estrat�gia de intimida��o.
"Bolsonaro quer meter medo para impor os termos dele e tentar dizer 'olha o que eu vou fazer se voc�s tentarem prender a minha fam�lia'. Ele est� ganhando tempo e provando que tem for�a de barganhar, negociar", opina.
"Existe a explora��o de um sistema de intimida��o. Ele excita a base radical, faz com que eles acreditem no mito do golpe - o populismo reacion�rio explora o mito do l�der do povo que vai conseguir restaurar o passado de ouro, que � uma fantasia do regime militar - e ao mesmo tempo incute nos inimigos a cren�a de que ele � capaz de dar o golpe. A intimida��o gera esses dois efeitos em p�blicos diferentes."

"Voc� explora tamb�m uma fantasia do eterno retorno de 64. Como se o Brasil fosse a mesma coisa, o Ex�rcito fosse igual, como se estiv�ssemos no mesmo ponto e com a ideia um pouco fantasiosa de que � f�cil dar um golpe, chamar as For�as Armadas e fechar o Congresso. Esse golpe � absolutamente imposs�vel de acontecer. Em 64, metade do pa�s ou mais era contra o governo (ent�o n�o era um autogolpe), o Congresso queria o golpe."
Um cen�rio muito diferente do atual, diz Lynch, quando o Poder Executivo federal enfrenta fortes resist�ncias no Congresso, na opini�o p�blica e entre grande parte dos governadores estaduais.
Esse "blefe de que s� Bolsonaro segura o povo", opina Lynch, seria uma esp�cie de tentativa de obter algum tipo de imunidade, anistia ou garantias para si e para seus filhos - uma vez que todos eles s�o investigados em diferentes inqu�ritos no Supremo Tribunal Federal, na Pol�cia Federal e na Justi�a.
Um dos desdobramentos mais recentes diz respeito ao filho Carlos Bolsonaro, vereador no Rio que teve seu sigilo quebrado pela Justi�a em meio a investiga��es de um suposto esquema de contrata��o de funcion�rios fantasmas em seu gabinete.
Como exemplo da preocupa��o do presidente da Rep�blica com o destino de sua fam�lia, Lynch cita o exemplo da famosa reuni�o entre Bolsonaro e seus ministros, em 22 de abril de 2020, cujo teor foi tornado p�blico por decis�o do STF.
Naquela reuni�o, diz o cientista pol�tico, "Bolsonaro n�o (demonstra) nenhum interesse em nada do que est� acontecendo nos assuntos administrativos (citados pelos ministros). Ele s� entra para falar quando envolve a fam�lia dele. Queria intervir na PF do Rio e diz 'eu n�o vou esperar f**er minha fam�lia toda'.
Essa � a grande preocupa��o dele o tempo todo. (...) Ele vai usar os radicais para barganhar a imunidade dele e ir ganhando tempo. � o Jo�o Kleber da pol�tica (em refer�ncia ao apresentador de TV que tentava sempre demonstrar que seu programa estava prestes a fazer alguma grande revela��o): 'vou dar golpe, mas n�o agora, depois dos comerciais'."
O perigo, diz Lynch, � esse tensionamento sair do controle, assim como aconteceu em 6 de janeiro nos EUA, com a invas�o do Capit�lio por parte de extremistas apoiadores de Donald Trump.
"Como a coisa est� escalonando muito, eles (figuras centrais do poder, como Arthur Lira) est�o advertindo que, se sair do controle, o jogo pode acabar para Bolsonaro, porque se acontecer algum incidente s�rio os custos podem ficar muito altos", opina Lynch.
A dificuldade maior, prossegue, "� que a elei��o est� muito longe (para manter esse jogo por mais um ano)."

Compara��es hist�ricas
"� cedo para dizer o que vai acontecer, mas a experi�ncia no mundo indica que a gente n�o pode comparar (o cen�rio) com o passado brasileiro ipsis litteris . H� ciclos parecidos - estamos num ciclo conservador, como de 60 para 70 e na d�cada de 30 -, mas que nunca se repetem igualmente do ponto de vista da anti-democracia", opina.
"O Estado Novo foi muito mais ditatorial do que o regime militar, e um regime autorit�rio hoje, se houvesse, seria mais frouxo do que foi o regime militar. Isso porque a sociedade muda, vai democratizando."
"Por exemplo, os governos que se pretendem autocr�ticos na Pol�nia ou na Hungria n�o s�o os governos do tempo do comunismo. (O presidente da R�ssia Vladimir) Putin, por mais horroroso que seja, n�o � igual a St�lin ou ao czar Nicolau 2°. Porque tem um processo de equaliza��o das condi��es; as pessoas v�o ficando mais cultas e lidas, a sociedade fica mais plural, vem a tecnologia, e voc� n�o tem como impor uma ordem autocr�tica daquele tipo."
No Brasil, diz Lynch, "n�o � porque se tem uma imagina��o do regime militar que tem como restaurar o regime militar. Assim como n�o d� para acreditar em uma revolu��o de esquerda que mudaria tudo do dia para a noite. Isso n�o significa que o imagin�rio n�o conte, mas essa inspira��o n�o (� suficiente para) replicar o governo do passado."
'Ciclo de nacionalismo e populismo'
"A democracia tem muito mais (pilares) do que tinha no passado. Mas a gente tamb�m n�o pode imaginar que o futuro � ter sempre a mesma democracia que teve na Nova Rep�blica. A gente n�o vai voltar para (o mesmo ambiente global de) 2010 se o Lula for eleito. A globaliza��o como ideologia de que todo mundo vai se dar bem, de livre circula��o de mercadorias, de (cria��o da) Uni�o Europeia, aquilo acabou. A gente entrou num ciclo de retra��o, de nacionalismo, num equivalente � d�cada de 1930. Mas hoje Hitler n�o conseguiria fazer o que ele fez naquela �poca - a gente tem mudan�as."
Lynch acha que o exemplo global mais pr�ximo do cen�rio brasileiro atual � o dos EUA sob Donald Trump.
"Os EUA s�o mais como o Brasil: um pa�s enorme, com muitas assimetrias, com federalismo e mais fragmenta��o do poder (em rela��o a outros pa�ses atualmente sob l�deres populistas, como Hungria e Pol�nia). E ainda assim Trump tinha um partido (o Republicano). Bolsonaro nem partido tem, (...) n�o domina o Congresso, nem a Suprema Corte, n�o tem penetra��o institucional, s� manda no Executivo federal."

De qualquer modo, Lynch e outros pesquisadores opinam que o avan�o no populismo e do nacionalismo dever� ir al�m dos governos de Trump, Bolsonaro e demais governos vigentes atualmente em todo o mundo.
Um futuro poss�vel para Bolsonaro, opina Lynch, caso o presidente n�o seja reeleito no pleito do ano que vem, � conseguir eleger ao Congresso ou a cargos estaduais alguns aliados importantes - al�m dos filhos, nomes como o ex-ministro Abraham Weintraub ou o presidente da Funda��o Palmares, S�rgio Camargo.
"Ele (Bolsonaro) pode ficar igual a fam�lia (francesa da direita radical) Le Pen, atazanando por d�cadas a Fran�a com um partido fascista familiar. Minha impress�o � de que isso � um meio de vida para eles - s�o menos golpistas do que parasitas, que vivem de explorar a democracia, como faz o parasita do seu hospedeiro. Eles vivem do �dio da democracia, mas n�o t�m nada para colocar em seu lugar. Querem viver �s custas dela."
"E o discurso nacionalista voltou, seja com Lula ou com quem vier, porque o mundo inteiro est� assim. O cosmopolitismo meio que morreu. H� teorias que dizem que o populismo veio para ficar, n�o necessariamente para destruir a democracia liberal, mas como estilo de pol�tica para acabar com a modorra e a sensa��o de n�o representa��o que existia antes no mundo inteiro. � um estilo que ativa as paix�es, mobiliza, mesmo sendo meio irracional - justamente por ser meio irracional. Pode ser um tipo de pol�tica que vai ficar a� por um bom tempo, at� passar esse ciclo. Mas o meu ponto � que isso n�o necessariamente � uma ditadura."
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