
Enquanto o mundo se prepara para a Confer�ncia das Na��es Unidas sobre Mudan�as Clim�ticas de 2021, tamb�m conhecida como COP26 e marcada para novembro, o governo brasileiro chega �s v�speras do encontro convencido de que o problema do pa�s � principalmente "de imagem".
Isto �, de uma suposta percep��o equivocada que os demais pa�ses — particularmente da Europa — teriam do desmatamento no Brasil, fruto de interesses comerciais.
Para ambientalistas e especialistas em rela��es internacionais, essa linha de argumenta��o n�o deve convencer ningu�m e o pa�s desperdi�a com isso a chance de avan�ar em medidas mais ousadas de combate �s mudan�as clim�ticas.
No agroneg�cio, h� posturas distintas. A CropLife Brasil — entidade criada em 2019, a partir de uma fus�o de associa��es dos segmentos de defensivos agr�colas, inova��o em sementes e biotecnologia —, por exemplo, credita a imagem ruim do pa�s na �rea ambiental a "maus brasileiros" que jogam contra o pa�s e a "entidades que passaram a viver dessa agenda".
J� o presidente da Abag (Associa��o Brasileira do Agroneg�cio), Marcello Brito, que se diz um "agroambientalista", admitiu em entrevista recente ao Roda Viva da TV Cultura que "o Brasil vai chegar na COP devendo" e "n�o entre os l�deres, mas entre os liderados".

'Problema de imagem'
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, apresentou sua vis�o quanto � quest�o ambiental brasileira em um evento sobre mudan�as clim�ticas promovido pela CNI (Confedera��o Nacional da Ind�stria) no fim de agosto. O F�rum Brasil Pr�-Clima foi transmitido ao vivo pelas redes sociais da entidade representativa da ind�stria, mas teve pouca repercuss�o. A �ntegra do encontro est� no YouTube .
"Todos aqui sabemos das caracter�sticas da nossa agricultura tropical, que se singulariza como uma das mais produtivas, inovadoras e descarbonizantes do mundo", iniciou a ministra, em sua fala na abertura do evento.
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"No entanto, muitas vezes nos surpreendemos ao descobrir o qu�o pouco se sabe efetivamente sobre a nossa agropecu�ria fora do Brasil. Esse desconhecimento acaba sendo aproveitado por aqueles que querem avan�ar narrativas tendenciosas, que buscam transferir para este setor parte do �nus hist�rico pela emiss�o de gases do efeito estufa", seguiu ela.
Reconhecendo o aumento da urg�ncia para que os pa�ses tomem medidas concretas para o enfrentamento do aquecimento global, Tereza Cristina defendeu a import�ncia de o Brasil mostrar ao mundo que sua agropecu�ria "promove a conserva��o ambiental".
"Precisamos apresentar o verdadeiro agro brasileiro ao mundo", disse a ministra, considerada uma voz moderada do agroneg�cio no governo Jair Bolsonaro.

Tamb�m presente, o embaixador Orlando Ribeiro, secret�rio de Com�rcio e Rela��es Internacionais do Minist�rio da Agricultura, Pecu�ria e Abastecimento (Mapa), aprofundou em sua fala a vis�o da pasta quanto ao "problema de imagem" brasileiro.
"� preciso a gente diferenciar o problema que n�s temos do problema da imagem", disse Ribeiro. "N�s temos sim um problema com n�meros crescentes de desmatamento, o governo est� ciente disso e procurando reverter essa tend�ncia que n�o nos ajuda."
"Mas existe um outro problema maior, que � a percep��o no exterior dessa situa��o. No imagin�rio popular europeu, a Amaz�nia est� queimando, est�o extraindo madeira no cora��o da Amaz�nia e a gente sabe que n�o � isso", afirmou, destacando a grandeza do bioma amaz�nico e o fato de que o desmatamento ocorre mais nas "franjas" de maior ocupa��o humana, como o norte do Mato Grosso e o sul do Par�. "� um problema muito localizado."
Interesse comercial europeu
O moderador do debate questionou Ribeiro sobre at� que ponto as cr�ticas ao Brasil focadas nos desmatamentos, nos inc�ndios florestais e na quest�o da preserva��o ambiental seriam "uma tentativa de impor uma barreira comercial � exporta��o e ao desenvolvimento do agroneg�cio brasileiro".

O secret�rio respondeu que o Brasil est� atento a iniciativas como a inten��o do Reino Unido de criar uma obriga��o de rastreamento das importa��es de alimentos oriundos de �reas de desmatamento (obriga��o de "due diligence", na express�o em ingl�s) e a implementa��o da pol�tica "Farm to Fork" (da fazenda ao garfo) pela Uni�o Europeia, que busca implementar a��es para maior sustentabilidade da cadeia produtiva alimentar do bloco.
"Essas iniciativas poder�o sim ter impactos na competitividade das exporta��es agr�colas do Brasil", afirmou o diplomata.
"De fato, essa press�o internacional, sobretudo da Uni�o Europeia, veio ap�s a conclus�o das negocia��es do Acordo Mercosul-Uni�o Europeia", acrescentou, ponderando que n�o se trata de uma press�o de todos os pa�ses europeus, mas de alguns pa�ses que desde o princ�pio manifestam contrariedade com a tratativa. Esses pa�ses, segundo ele, usam da quest�o ambiental como "uma desculpa para n�o avan�ar na implementa��o do acordo".
"A agricultura brasileira � muito competitiva e isso �s vezes assusta. Ent�o � normal esse tipo de rea��o por parte de alguns pa�ses que querem defender seus sistemas ineficientes e seus modelos tradicionais", afirmou.
'Maus brasileiros'
Tamb�m parte do debate, o presidente executivo da CropLife Brasil, Christian Lohbauer, levou as cr�ticas al�m.
"Tem muitos brasileiros l� fora, em universidades, em institui��es e institutos, que fazem um servi�os que n�o ajuda o Brasil de dentro. Isso tem que ser dito. S�o os 'maus brasileiros', como a gente costuma dizer, n�s que estamos na ind�stria, na produ��o, no agroneg�cio, no front ", afirmou Lohbauer.
"Al�m da quest�o comercial, que acho que � essencial — existe uma resist�ncia sim, uma tentativa de se conter o acordo por interesse comercial. Mas tem uma outra quest�o que � uma corpora��o internacional: todas as entidades que passaram a viver dessa agenda ambiental, institutos de pesquisa, organiza��es n�o-governamentais de toda natureza, que recebem dinheiro privado de doa��o do bom contribuinte holand�s, noruegu�s, alem�o", disse o executivo.
"S�o bilh�es de d�lares dispon�veis, cada vez mais, e se criou uma corpora��o de pessoas que t�m um trabalho e uma responsabilidade que n�o querem mais perder. Essa corpora��o trabalha para que essa agenda fique mais complicada do que ela �", afirmou.
"Essas institui��es vivem do confronto porque recursos bilion�rios s�o direcionados a elas, se n�o tiver recurso, o sujeito n�o tem trabalho — acho que a� come�a a solu��o do problema."

'Parte da elite n�o entende que o jogo mudou'
Maur�cio Santoro, professor do Departamento de Rela��es Internacionais da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) avalia como "surpreendente" que esse tipo de discurso persista diante do avan�o evidente das crises clim�ticas.
"Esses argumentos foram usados em outras ocasi�es, principalmente na �poca da campanha eleitoral e no in�cio do governo Bolsonaro", lembra Santoro.
"O que � surpreendente � que esse tipo de ret�rica ainda seja utilizado hoje, depois de tr�s anos de governo e de uma s�rie de crises que temos visto no meio ambiente e na economia. J� era hora de ter mudado", considera o internacionalista.
Segundo ele, parece haver uma dificuldade de aceita��o de um cen�rio internacional que se tornou mais complexo para o Brasil.
"O que estamos vendo agora no mundo s�o impactos muito duros da mudan�a clim�tica. Vemos isso, por exemplo, nos grandes inc�ndios florestais no hemisf�rio Norte, nas queimadas na Amaz�nia e no Pantanal e j� vemos o in�cio de retalia��es econ�micas contra o Brasil por causa do desrespeito ao meio ambiente", diz Santoro.
"H� uma dificuldade de parte da elite brasileira de entender que o jogo mudou e que, se o Brasil quiser continuar a ser relevante e a ter acesso aos grandes mercados globais, vai precisar se adaptar a essas novas regras internacionais", afirma.

'� preciso sinais claros de intoler�ncia � ilegalidade'
Para Natalie Unterstell, ativista clim�tica e presidente do instituto Talanoa, � "sintom�tico" que a estrat�gia do governo para lidar com os maus resultados e os parcos esfor�os p�blicos para conter emiss�es seja tratar a quest�o como um problema de rela��es p�blicas.
"N�o temos resultados bons para mostrar, os resultados s�o de aumento das emiss�es em todos os setores, principalmente do desmatamento. E os esfor�os s�o muito pouco cr�veis, como fazer GLO atr�s de GLO", diz a ambientalista, fazendo refer�ncia �s opera��es de Garantia da Lei e da Ordem, em que militares das For�as Armadas s�o empregados no combate aos crimes ambientais na Amaz�nia.
Para Unterstell, o governo deveria ter como prioridade dar sinais corretos de intoler�ncia � ilegalidade. "Quando o presidente diz que tudo bem garimpo ilegal, quando fala em nenhum mil�metro a mais de terra ind�gena, s�o sinais incentivadores de a��es ilegais e de conflito."
O segundo ponto, de acordo com ela, seria a realiza��o de esfor�os concentrados nas �reas com maior press�o de desmatamento, sob lideran�a dos �rg�os ambientais como Ibama e ICMBio, que t�m compet�ncia t�cnica para essa a��o, diferentemente das For�as Armadas.
Por fim, a ativista defende que o pa�s precisa ter metas ambiciosas para uma redu��o consistente do desmatamento. A meta da gest�o Jair Bolsonaro, apresentada durante a C�pula do Clima em abril, de zerar o desflorestamento ilegal at� 2030, � considerada insuficiente e Unterstell lembra que metas anteriores n�o chegaram a ser cumpridas.
'Amaz�nia � problema de todos'
Ex-ministra do Meio Ambiente (2010-2016), a bi�loga Izabella Teixeira destaca que a agricultura brasileira acontece de maneira expressiva fora da Amaz�nia, uma parte na Amaz�nia Legal (�rea que engloba nove estados pertencentes � Bacia Amaz�nica) e parte da pecu�ria na Amaz�nia propriamente dita.
"A agricultura brasileira n�o se posiciona politicamente de forma afirmativa contra o desmatamento ilegal da Amaz�nia", considera a ex-ministra. "Eles t�m um racioc�nio de que 'eu n�o planto na Amaz�nia, ent�o a Amaz�nia n�o � meu problema'. Mas a Amaz�nia � um problema de todos, pois ela significa seguran�a clim�tica para o mundo e para o Brasil."
Assim, ela avalia que a agricultura brasileira deveria assumir uma posi��o pol�tica de exigir solu��es permanentes para o desenvolvimento sustent�vel da regi�o.
"Eu n�o vejo isso no agroneg�cio de uma maneira un�ssona. Pelo contr�rio, os que est�o hoje tomando decis�o n�o demonstram esse compromisso de maneira assertiva, optando por uma pol�tica da disputa, uma pol�tica de negar [o problema]", afirma a bi�loga.
Segundo ela, de fato h� um desconhecimento no exterior quanto � dimens�o da Amaz�nia e do territ�rio brasileiro. Mas ela avalia que o clima de desconfian�a com rela��o ao pa�s foi fomentado pela postura do governo brasileiro, que n�o se coloca de forma assertiva no combate ao desmatamento e esvaziou as institui��es que tinham essa prerrogativa, segundo ela.

Oportunidades perdidas
Para os especialistas, um dos problemas de tudo isso � que o Brasil perde oportunidades.
"H� uma busca por parte dos interlocutores internacionais do Brasil por sinais positivos. De alguma coisa que indique que o governo brasileiro vai estar disposto ao di�logo. Mas, na atual conjuntura pol�tica, com o Bolsonaro presidente e as pol�ticas ambientais do governo dele, a credibilidade para essa mudan�a � muito baixa", afirma Santoro, da UERJ, citando como exemplo como o Brasil tem sido deixado de lado nas tratativas com o governo Biden.
Segundo o professor de rela��es internacionais, o Brasil deixa de aproveitar com isso um cen�rio que � interessante para o pa�s. "Temos um potencial muito grande de atrair investimentos em economia verde, em desenvolvimento sustent�vel, em cadeias produtivas que n�o signifiquem uma destrui��o da floresta", afirma.
"S�o muitas as possiblidades importantes para o Brasil, que seriam muito ricas para um governo que entrasse com essa disposi��o em dialogar e negociar", completa.
Unterstell, do instituto Talanoa, lembra que, nas �ltimas semanas, o Brasil ficou de fora de uma decis�o do Banco Mundial para priorizar pa�ses que receber�o apoio para desenvolver seus mercados de carbono — que � a pr�tica de compra e venda de cr�ditos de carbono (certificados de redu��o da emiss�o de gases do efeito estufa) entre pa�ses e institui��es privadas, como estrat�gia de combate ao aquecimento global.
"Col�mbia, M�xico e Chile foram selecionados e o Brasil n�o. Isso � uma derrota importante para o governo", avalia a ativista. Ela lembra, por�m, que tramita no Congresso um projeto de autoria do deputado Marcelo Ramos (PL-AM) sobre o tema, que ela acredita que tem chance de decolar at� a COP26.
"Essa talvez seja uma das boas not�cias que a gente tenha para levar ao encontro", diz ela.

'� preciso considerar fatos e dados'
A BBC News Brasil procurou a CropLife Brasil para dar a Lohbauer a oportunidade de detalhar as cr�ticas feitas por ele no evento da CNI.
O presidente da entidade diz que o que chama de "maus brasileiros" s�o as pessoas que n�o consideram dados e fatos sobre o agroneg�cio nacional.
Ele cita como exemplos o aumento de produtividade da agropecu�ria, que reduz a necessidade de expans�o territorial da produ��o; o fato de que a matriz energ�tica nacional � muito mais limpa do que a de outros pa�ses; e dados que mostram que h� de fato um aumento do desmatamento desde 2018, mas que em 2004 esse desmatamento era mais do que o dobro do atual "e o mundo n�o estava acabando".
Todos esses dados constam do Atlas do Agroneg�cio Brasileiro: Uma Jornada Sustent�vel , documento lan�ado pela CropLife Brasil em junho deste ano.
Quanto � sua vis�o de uma suposta "corpora��o internacional" de entidades ambientalistas, Lohbauer afirma que a cr�tica sistem�tica contra o Brasil na imprensa nacional e internacional n�o se deve somente ao protecionismo comercial europeu.
"A principal causa — e � isso que eu estou chamando de 'corpora��o' — s�o centenas, milhares de institui��es que vivem dessa agenda e que s�o sustentadas por recursos privados e at� p�blicos no caso da comunidade europeia. S�o dezenas, centenas, milhares de pessoas que vivem disso e, se a gente chegar e mostrar com dados e fatos que n�o � bem assim, essas pessoas n�o v�o mais ter trabalho", afirma.
Ele cita como exemplo disso um document�rio feito pelo Brasil Paralelo — produtora audiovisual de conte�do voltado ao p�blico de direita — que mostra um diretor do Greenpeace que se desiludiu com a organiza��o ambientalista por ela ter se tornado "um grande neg�cio".
Tamb�m procurado, o Minist�rio da Agricultura disse o seguinte:
"A fala da ministra se explica pelo fato de o Brasil ser respons�vel por 3% das emiss�es globais, incluindo aquelas emitidas pelos setores industrial, energ�tico, agropecu�rio e uso do solo", diz a pasta, atrav�s de sua assessoria de imprensa.
"Apontar a produ��o agropecu�ria brasileira como principal respons�vel pelo aumento das emiss�es globais � desconhecer o processo produtivo brasileiro e a tecnologia de agricultura tropical que � parte da solu��o para uma economia de baixa emiss�o de carbono", completa.
O minist�rio destaca ainda diversas medidas de sustentabilidade adotadas pelo agro brasileiro, como o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) de redu��o de emiss�es e a rigorosa legisla��o ambiental brasileira, que prev� a preserva��o ambiental de 80% das propriedades situadas na Amaz�nia.
"O debate proposto pela ministra est� baseado em ci�ncia, e as medidas adotadas pelo agro brasileiro ajudam efetivamente no combate �s mudan�as clim�ticas", diz a pasta. "O que ocorre na Amaz�nia decorre de problemas fundi�rios hist�ricos sobre o qual o Minist�rio da Agricultura, Pecu�ria e Abastecimento (Mapa) est� trabalhando arduamente para solucionar."
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