Um dos pioneiros da internet no Brasil, o engenheiro Demi Getschko sentiu-se aliviado quando viu ser transformada em projeto de lei a Medida Provis�ria (MP) que definia regras para a remo��o de conte�dos em redes sociais. Ele v� falhas na proposta - especialmente a lista de situa��es em que haveria "justa causa" para a exclus�o de mensagens - mas diz que, ao menos agora, o Congresso poder� debater com calma os problemas de deixar na m�o de gigantes de tecnologia a decis�o sobre o que pode ou n�o ser tolerado.
No Legislativo, o projeto foi alvo de cr�ticas nesta semana. J� existe uma proposta sobre o mesmo assunto aprovada pelo Senado e em an�lise na C�mara, o que gerou reclama��es do relator da mat�ria, deputado Angelo Coronel (PSD-BA).
Ele e outros congressistas defendem que o projeto do presidente da Rep�blica, Jair Bolsonaro, seja anexado ao texto que j� est� em tramita��o, batizado de PL das Fake News, com prioridade para o que j� foi aprovado por senadores - ou seja, as propostas do presidente podem ficar em segundo plano.
Professor de ci�ncias da computa��o na Pontif�cia Universidade Cat�lica (PUC-SP) e hoje na presid�ncia do Comit� Gestor da Internet, Getschko pediu modera��o no debate sobre discurso de �dio e fake news na internet.
O projeto de lei que trata de remo��o de conte�do de plataformas, que vai na mesma dire��o de uma MP j� recusada, traz alguma preocupa��o mais grave?
Ningu�m � a favor de remo��o aleat�ria de conte�do. Tanto a legisla��o nos Estados Unidos, na Sess�o 230 norte-americana, quanto o Marco Civil da Internet, em seu artigo 19, dizem que um intermedi�rio na internet n�o � respons�vel pelo conte�do que seus usu�rios colocam e, portanto, deve ser imune em rela��o a isso. Isso � completamente claro em outros casos cl�ssicos: se voc� recebe uma carta ofensiva pelo correio, a culpa n�o � dos Correios, por exemplo. O principal problema da tal Medida Provis�ria � que o Marco Civil resultou de seis anos de discuss�o. N�o pode mudar com uma decis�o 'top-down', na qual algu�m simplesmente chega e diz 'isso � permitido e aquilo � proibido'. Deve ser algo origin�rio de um consenso da comunidade. O segundo ponto � que, se quiser catalogar tudo aquilo que � permitido ou n�o, voc� vai errar em excesso ou falta. A tecnologia torna o que � novidade de hoje em coisas obsoletas amanh�. Um projeto de lei que fosse discutido longamente na C�mara, como j� tem sido discutida no Congresso a responsabiliza��o no provedor, � saud�vel. Pode sair algo de �til da�. Eu n�o jogaria fora ou condenaria automaticamente porque veio de A, B ou C. Eu gostaria de discutir o m�rito.
O Marco Civil da Internet, na sua opini�o, precisa de ajustes?
Sou totalmente a favor do Marco Civil desde o come�o. O problema � definir o que � esse intermedi�rio. Eu acho que ele deve ser isento de responsabilidade, desde que seja mesmo s� um intermedi�rio. Um dos motivos que levaram ao Marco Civil foi quando tiraram o YouTube do ar (por determina��o judicial) porque havia ali um v�deo da Daniella Cicarelli. O juiz disse "como o v�deo reapareceu, tira o YouTube do ar". N�o parecia razo�vel, assim como alguns anos atr�s tiraram o WhatsApp do ar por outro motivo. N�o estou defendendo plataforma, mas precisamos definir claramente onde est� a imunidade e onde come�a a responsabiliza��o.
O governo justifica que o projeto d� balizas para os provedores fazerem a modera��o. Vale a pena regular esse tipo de detalhe ou as plataformas devem ter autonomia para moderar o conte�do?
Em primeiro lugar, as plataformas devem ser transparentes sobre quais s�o as regras de uso para se entrar em uma delas. Quando se diz que n�o pode nada "inadequado", o que isso quer dizer? Outra coisa complicada � dizer simplesmente que n�o se quer fake news. N�o h� um detector de mentira que diga o que � e n�o � verdade. A mentira factual � mais clara. Se voc� falar que o Brasil tem 50 mil habitantes, a mentira � factual. Outras est�o em uma regi�o cinzenta, e eu n�o queria que fossem usadas como muleta para algu�m dizer que removeu algo porque "achou que era mentira". � preciso definir com cuidado o que � fake news, e n�o pode deixar na m�o da plataforma todo o poder de dizer o que � verdade e o que � mentira. Estar�amos entregando a moral na m�o deles.
Qual � o v�cuo na legisla��o que poderia ser preenchido na regula��o desse tema?
Existe um ponto a ser preenchido. O Marco Civil da Internet, ao dizer que o intermedi�rio do conte�do � imune, n�o pode envolver aqueles intermedi�rios editoriais. Ningu�m pode ter a vantagem de ser imune � responsabiliza��o e, ao mesmo tempo, ter capacidade de editar. As plataformas est�o jogando um jogo de ganha-ganha. Se a modera��o for exercida de forma realmente editorial, ela deixa de ser imune. Essa discuss�o precisa acontecer, e est� ocorrendo tamb�m nos EUA. J� temos um outro projeto de lei no Congresso que debate o tema, que trata de fake news. Ao menos isso n�o foi uma decis�o de cima para baixo na forma de uma Medida Provis�ria, o que seria uma barbaridade.
O projeto tem 24 situa��es em que haveria "justa causa" para a exclus�o de conte�do. Casos de "apologia impl�cita" a drogas, por exemplo, poderiam ser punidos. O governo diz que visa proteger usu�rios de censura, mas n�o poderia ocorrer justamente o contr�rio? O que � uma "apologia impl�cita"?
� claro que isso precisa ser melhor discutido, � um tema extremamente complicado. Por exemplo, sabemos que v�rios escritores e artistas famosos eram adeptos a uso de drogas. Quando se inclui o termo "impl�cito" tudo fica mais complicado. Isso quer dizer que temos de vetar refer�ncias a livros de quem � conhecido por usar algum tipo de estimulante? Eu teria muito cuidado. Estamos entrando numa �poca um tanto quanto obscurantista. E temos de evitar que, nessa briga contra o obscurantismo, nos tornemos obscurantistas. Nietzsche tem uma frase boa para isso. Ele dizia que "se voc� olhar longamente para um abismo, o abismo tamb�m olha para dentro de voc�".
As informa��es s�o do jornal
O Estado de S. Paulo.
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