Os atos e manifesta��es do bolsonarismo n�o precisam mais da presen�a de Jair Bolsonaro para acontecer. Dezoito meses de mobiliza��o das ruas deixaram como heran�a uma extrema-direita rapidamente mobilizada em torno de pautas que v�o do combate �s medidas de isolamento social � defesa do voto impresso e � guerra contra institui��es.
� o que mostra pesquisa in�dita coordenada pela antrop�loga Isabela Kalil, Democracia Sitiada e Extremismo no Brasil: 18 meses de manifesta��es bolsonaristas, do N�cleo de Etnografia Urbana e Audiovisual da Funda��o Escola de Sociologia e Pol�tica de S�o Paulo (NEU-FESPSP). Ao todo foram mapeadas 45 manifesta��es entre mar�o de 2020 e setembro deste ano, em que o bolsonarismo atuou por meio do que os pesquisadores classificaram como "extremismo estrat�gico".
Mas o que seria esse extremismo e por que essa hist�ria n�o acaba com a declara��o � na��o feita por Bolsonaro para recuar dos ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na manifesta��o de 7 de Setembro? Para Kalil, apesar de ser imposs�vel saber se o presidente continuar� a participar desses eventos ap�s o recuo, � certo que os atos n�o precisam mais de Bolsonaro para ocorrer. "H� v�rios exemplos na pesquisa. Bolsonaro pode moderar o tom e mudar a performance sem que os atos sejam desmobilizados."
Como exemplo, a antrop�loga citou as a��es recentes de caminhoneiros e grupos como o 300 do Brasil. "Nas manifesta��es, sua base cobra mais radicalismo e diz: �eu autorizo o que for necess�rio�. Mas institucionalmente n�o aconteceu nada." Ao n�o poder entregar o radicalismo esperado pelos extremistas, Bolsonaro "entrega a performance". � assim, segundo ela, que se explica o desfile de carros de combate da Marinha em Bras�lia, no dia da vota��o da PEC do voto impresso, rejeitada pelo Congresso.
Para o cientista pol�tico Jos� �lvaro Mois�s, a hist�ria das manifesta��es � marcada pelo crescimento do que chamou de "express�es mais radicais do bolsonarismo". O professor da USP alerta, no entanto, que os fracassos do governo desativaram a for�a do bolsonarismo radical para se impor ao Pa�s. "A declara��o � na��o de Bolsonaro foi um recuo t�tico. � preciso ainda entender seu impacto sobre o movimento."
A resposta para isso tem rela��o com as t�ticas e a estrat�gia do movimento at� as elei��es de 2022. Mois�s acredita que Bolsonaro deve adotar a vis�o escatol�gica, da luta final contra o petismo e o comunismo, como forma de mobilizar sua base, ainda mais do que o discurso antissistema que alimentou o extremismo estrat�gico nos 18 meses de atos de rua.
A pesquisa do NEU-FESPSP mostra que a forma��o desse extremismo � indissoci�vel da covid-19. De acordo com ela, a pandemia se transformou em uma oportunidade para mobilizar os apoiadores do presidente. A maioria dos atos em 2020 trazia como pauta a defesa do tratamento precoce e o ataque a governadores e prefeitos que defendiam medidas de isolamento social, como o fechamento do com�rcio.
A pesquisa tamb�m detectou uma mudan�a da ret�rica bolsonarista. Antes da pandemia, os alvos priorit�rios eram os pol�ticos e partidos tradicionais. Depois, passaram a ser institui��es, como o Congresso e o STF. O deslocamento das pautas dos protestos � acompanhado pelo aumento do radicalismo, incluindo "atos de insurg�ncia". Um exemplo foi a tentativa de invas�o do Congresso, em 13 de junho de 2020, quando o grupo 300 do Brasil subiu na c�pula do pr�dio ap�s ter seu acampamento desmontado em Bras�lia.
Os pesquisadores identificaram ainda a presen�a cada vez maior de s�mbolos militares e de novos tipos de protestos, como os encontros de motociclistas - as motociatas -, que predominaram nos atos em 2021. Onze delas contaram com a participa��o presidencial - Bolsonaro esteve presente em 25 dos 45 eventos estudados.
Trump
As motociatas, segundo a pesquisa, atraem pessoas que se comunicam por grupos fechados, no Instagram e no Telegram. "Elas parecem se dar de forma espont�nea, mas n�o s�o. Uma motociata anuncia a data da outra. Algumas s�o anunciadas na live do presidente", diz Kalil.
Foi s� no 22.� evento analisado que nasceu esse tipo de ato. A data que marca o come�o foi 7 de maio deste ano, quando o empres�rio Luciano Hang andou na garupa de Bolsonaro durante a inaugura��o de uma ponte em Rond�nia. Dias depois, ocorreria a primeira motociata oficial, em Bras�lia.
Esse tipo de evento seria inspirado no tradicional encontro de motocicletas de Sturgis, na Dakota do Sul, que atrai um p�blico antissistema. "(Donald) Trump foi muito h�bil para falar com esse p�blico e associar sua imagem ao Rally de Sturgis, um encontro que aconteceu mesmo durante a pandemia", afirma Kalil. Como em outras �reas, aqui tamb�m a inspira��o do bolsonarismo seria a extrema-direita americana, ancorada no trumpismo.
Repetidas 19 vezes em 2021, as motociatas foram interiorizadas e viraram um modelo bem-sucedido de mobiliza��o. "� importante notar que Eduardo Bolsonaro participou de uma motociata, em Miami, depois de se reunir com Steve Bannon (ex-estrategista de Trump), na Dakota do Sul." O evento na Fl�rida aconteceu dias depois do encontro de Sturgis.
Os passeios de motocicleta compuseram a escalada at� o ato de 7 de Setembro, visto pelos pesquisadores como "parte de uma a��o de insurg�ncia", que se desenvolveu de forma "gradativa, com planejamento, t�tica e objetivos definidos". Essa estrat�gia recorreu a determinados temas, pautas e agendas, que formaram o chamado "extremismo estrat�gico". Em dez eventos, a pauta principal foi a defesa do voto impresso. Em cinco deles, foi a "interven��o militar".
Mas nem s� o p�blico radical compareceu aos atos. As maiores manifesta��es inclu�ram um p�blico mais amplo, envolvendo conservadores e suas fam�lias que d�o apoio ao presidente e �s pautas ligadas aos costumes. "H� duas manifesta��es que aconteceram dessa forma: a do 1.� de maio e a do 7 de Setembro", conta Kalil.
Para a pesquisa, durante os atos, os manifestantes comuns foram estimulados a experimentar tipos de conduta extrema. L�deres do movimento, como o caminhoneiro Marcos Ant�nio Pereira Gomes, o Z� Trov�o, geraram situa��es em que foram investigados e presos e, assim, se transformaram em "v�timas do sistema", levando a apoiadores o sentimento de que a democracia e as liberdades foram vilipendiadas.
"Esses acontecimentos servem de argumento para os apoiadores de que a insurg�ncia � a �nica alternativa poss�vel para a pol�tica." Assim era at� o 7 de Setembro. Os pesquisadores v�o continuar o trabalho at� janeiro de 2023. Querem verificar a futura estrat�gia do bolsonarismo e por quanto tempo e locais as t�ticas e dispositivos ser�o empregados e o que ser� bem-sucedido. O desafio � compreender os caminhos do movimento que cresceu al�m de seu l�der e transformou as ruas em laborat�rio de a��es em meio ao avan�o global do extremismo contra a democracia.
Valores
A transforma��o da identidade do bolsonarista, deixando a �nfase no "cidad�o de bem" para explorar a imagem do "patriota", foi uma das constata��es da pesquisa do N�cleo de Etnografia Urbana e Audiovisual da Funda��o Escola de Sociologia e Pol�tica de S�o Paulo.
Esse itiner�rio se reflete no momento de maior abalo do movimento: a demiss�o do ent�o ministro da Justi�a S�rgio Moro. "Quando Moro saiu, a gente pensou que [o governo] ia desmoronar", disse o advogado Luciano dos Santos, de 59 anos. Ele foi �s ruas de Salvador apoiar o presidente. "Bolsonaro quis demonstrar que o povo d� autoridade e autonomia � gest�o".
Luciano conheceu Bolsonaro pelas redes sociais e participou dos atos da campanha, em 2018. Para ele, o candidato representava o nome ideal contra o PT. "Se tiver que chamar as For�as Armadas para p�r ordem na casa, ele tem todo apoio."
Ele destaca que a diversidade das pessoas foi o que mais chamou sua aten��o no 7 de Setembro: manifestantes de diversas idades, evang�licos e pessoas de verde e amarelo. Em 2022, assegura que votar� em Bolsonaro. E afirma que ir� a um outro ato caso seja convocado.
Mobiliza��o para novas manifesta��es n�o deve faltar. � o que diz o empres�rio Beto Okazaki, de 44 anos, de Ponta Grossa (PR). Al�m de organizar dois protestos na cidade a favor do "tratamento precoce" contra a covid-19 e do voto impresso, ele compareceu ao 7 de Setembro em Bras�lia. "Foram dois �nibus para Bras�lia e tr�s para a Paulista."
Okazaki disse respeitar as institui��es que sustentam a democracia, mas critica a atua��o do STF quando ele passa "dos seus limites". "A gente v� um cerceamento da liberdade de express�o." Para o empres�rio, "um cidad�o de bem, geralmente, vai ser patriota". "E geralmente um patriota � um cidad�o de bem."
O discurso � pr�ximo daquele do general Roberto Peternelli, deputado federal pelo PSL. Peternelli esteve no ato do 7 de Setembro. "Foi uma manifesta��o da fam�lia por valores, pela Constitui��o e pela legalidade." Para ele, as manifesta��es devem continuar. "Elas ser�o democr�ticas. Sem espa�o para extremismos, conforme a carta que o presidente escreveu." As informa��es s�o do jornal
O Estado de S. Paulo.
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