
"Tinha uma mulher falando portugu�s. Esperei ela terminar e brinquei: 'Nossa, tem muito brasileiro por aqui, n�?!' Isso j� aconteceu v�rias vezes", conta ela.
Ana se mudou para l� em setembro do ano passado, para trabalhar como bab� e dar entrada no seu pedido de cidadania italiana — seu trisav�, no caminho inverso, emigrou da It�lia para o Brasil no final do s�culo 19.
A vontade de fazer isso bateu quando a pandemia come�ou. Ela decidiu que n�o queria mais em Belo Horizonte, onde estudava Nutri��o na Universidade Federal de Minas Gerais.
O gosto por viajar e conhecer novas culturas se somou � falta de perspectiva.
"Ia me formar, ganhar pouco, sem muitas chances de crescer", diz a estudante de 22 anos, que hoje cursa Economia de forma gratuita, por ser italiana e ter uma renda baixa.
"O que me atraiu na It�lia foi a possibilidade de estar aqui como cidad�, com todos os direitos. E aqui tem muita oportunidade e qualidade de vida. Tem problema tamb�m, mas n�o como o Brasil, onde a situa��o est� ruim agora.
Est� tudo muito dif�cil, ainda mais para quem � jovem."
Em Arzignano, ela conheceu v�rios outros brasileiros que tamb�m trocaram o Brasil pela It�lia.
"A maioria dos estrangeiros aqui s�o indianos, mas a gente brinca que os brasileiros est�o quase superando os indianos", diz Ana.
A experi�ncia dela se reflete nos n�meros oficiais do governo brasileiro.
O levantamento mais recente do Itamaraty mostra que quase dobrou em dois anos o tamanho da comunidade brasileira na It�lia, onde o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participa no final de semana de uma reuni�o do G20.
Em 2018, 85,7 mil brasileiros viviam no pa�s e, em 2020, eram 161 mil, um aumento de 88%.
Os n�meros s�o uma estimativa do Minist�rio de Rela��es Exteriores que leva em conta os registros dos consulados brasileiros, dados de outros �rg�os nacionais, como a Receita Federal, e informa��es de autoridades italianas.
Ou seja, na pr�tica, os n�meros podem ser ainda maiores.
Crise e pandemia
� verdade que esse fen�meno n�o se restringe � It�lia. Muita gente se mudou do Brasil nesse per�odo.
O n�mero de brasileiros no exterior passou de 3,59 milh�es para 4,22 milh�es, quase 18% a mais. Em compara��o com 2015, quando a tend�ncia de alta come�ou, o aumento foi de 54% at� 2020.
Mas a It�lia foi um dos principais destinos dos recentes imigrantes brasileiros. Em 2018, o pa�s tinha a 11ª maior comunidade brasileira no mundo. Em 2020, a 6ª.
Os relatos � reportagem de v�rios profissionais que trabalham ajudando brasileiros no processo de imigra��o tamb�m mostram isso.
"Comecei a sentir esse aumento entre o final de 2018 e o in�cio de 2019 e, em 2020, explodiu e ficou ainda mais forte neste ano", afirma Anna Katarina Vieira, advogada especializada em processos de cidadania.
Ela diz que a crise econ�mica que o Brasil atravessa � um dos motivos. Muitas pessoas perderam o emprego e decidiram tentar uma nova vida l� fora.
A pandemia e a restri��o de entrada em muitos pa�ses imposta aos brasileiros tamb�m fizeram muita gente voltar a tocar o processo de cidadania para ter um passaporte alternativo para viajar.
"Mas a maioria dos meus clientes s�o pais que querem que os filhos tenham a oportunidade de estudar na Europa", conta.
A advogada Ana Paula Dias Marques, especializada em imigra��o, tamb�m percebeu uma maior procura pelos seus servi�os.
"Acho que tem a ver com a pandemia e com a crise que o pa�s atravessa. Quando a pessoa v� que a crise vai demorar a passar, que o Brasil vai levar um tempo para se recuperar, ela tenta come�ar uma vida em outro lugar", afirma.

Brasileiros v�o morar na It�lia para tirar cidadania
Uma vantagem da It�lia � que a concess�o de cidadania n�o tem um limite geracional, como por exemplo Portugal, que s� permite isso para at� os netos de portugueses.
Por esse motivo, e tamb�m porque houve uma grande imigra��o de italianos para o Brasil no passado, muitos brasileiros t�m direito � cidadania italiana e, depois de conseguir isso, podem morar na It�lia.
"Hoje, s�o aproximadamente 25 milh�es de descendentes de italianos no Brasil", explica Marques.
O pr�prio Bolsonaro � descendente de italianos e deve, ao visitar cidades no pa�s nos pr�ximos dias, receber o t�tulo de cidad�o honor�rio de Anguillara Veneta, ber�o de sua fam�lia.
H� tr�s formas principais de um descendente brasileiro se tornar cidad�o italiano. A primeira, por meio dos consulados no Brasil, onde a fila dos processos pode chegar a dez anos.
Ou entrar com uma a��o na Justi�a italiana, alegando que os consulados no Brasil n�o respeitam os prazos legais para a an�lise dos pedidos. A decis�o costuma ser favor�vel e sai em m�dia em dois a tr�s anos.
Ou a op��o mais r�pida: ir morar na It�lia e dar entrada no processo em uma Prefeitura local. Quanto menor a cidade, mais rapidamente o tr�mite costuma ser. A espera leva geralmente de tr�s a seis meses, mas pode ser ainda mais curta.
O consulado-geral do Brasil em Mil�o lan�ou h� dois anos uma cartilha para orientar quem busca servi�os de assessoria no processo de cidadania por causa do "grande aumento no n�mero de brasileiros descendentes que buscam ter a nacionalidade de seus ancestrais".
A ideia � prevenir que essas pessoas caiam em golpes, que estavam se tornando bastante frequentes, segundo o consulado.
'� uma pena que n�o viemos antes'

Muita gente volta para o Brasil ou se muda para outros pa�ses da Europa depois de conseguir a cidadania. Muitos tamb�m v�o para se estabelecer na It�lia.
Adriane Pignatti chegou, com o marido e as duas filhas adolescentes, em fevereiro do ano passado. Eles queriam ter a experi�ncia de viver no exterior e dar �s meninas a oportunidade de estudar em outro pa�s.
Escolheram uma cidade bem pequena, a Tuscania, de pouco mais de 8 mil habitantes, na regi�o central do pa�s.
No final de julho, ela virou cidad� italiana — foi a primeira da sua fam�lia a fazer esse processo. Seus bisav�s eram italianos.
Os planos eram inicialmente morar no norte do pa�s, mas eles n�o puderam se mudar por causa das restri��es impostas pelo governo para conter a pandemia.
Decidiram ent�o se estabelecer em Viterbo, capital da mesma Prov�ncia onde estavam e que fica a 1h30 de Roma. "Aqui tem muito brasileiro", diz ela.
Adriane era servidora p�blica e pediu uma licen�a n�o remunerada. Hoje, ela presta servi�os para brasileiros que querem virar cidad�os italianos. Seu marido � chef de cozinha e d� aula de gastronomia.
Pouco mais de um ano e meio depois de se mudar, eles est�o felizes com essa decis�o.
"Aqui a gente ganha pouco, mas vive com dignidade. Parece que o dinheiro rende mais. O imposto � alto, mas a gente tem qualidade de vida, escolas boas de gra�a, servi�os de sa�de que n�o custam um absurdo como no Brasil", diz Adriane.
"� uma pena que a gente n�o veio antes."
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