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Estado de Minas POL�TICA

Como o Congresso Nacional capturou o or�amento


17/11/2021 17:02

Numa manh� ensolarada de fevereiro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro e ministros assistiam ao hasteamento da bandeira, no jardim do Pal�cio da Alvorada. Era uma ter�a-feira com poucas nuvens e pren�ncio de mau tempo pol�tico. O Congresso havia aprovado o Or�amento Geral da Uni�o daquele ano com R$ 30,1 bilh�es em emendas de relator, mecanismo de distribui��o de verbas para redutos de parlamentares. Foi ent�o que a transmiss�o oficial ao vivo captou a f�ria do ministro-chefe do Gabinete de Seguran�a Institucional (GSI), Augusto Heleno. "N�o podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se!", esbravejou o general.

Em 2018, durante a campanha de Bolsonaro, Heleno j� havia cantarolado uma m�sica na qual substitu�a a palavra "ladr�o" por "Centr�o", ao se referir ao grupo de partidos fisiol�gicos, de longeva atua��o na pol�tica. Eleito, Bolsonaro continuou dizendo que rejeitaria negocia��es no varejo, em troca de votos no Congresso. �quela altura, no entanto, o presidente j� tinha dado entrada nos pap�is do "casamento" com o Centr�o, bloco que historicamente adere ao governo para capturar o Or�amento.

Enquanto a frase de Heleno animava as redes bolsonaristas, o ent�o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, constru�a o que seria a base de sustenta��o do governo, mantida � custa de verbas p�blicas. Contava, para tanto, com o aval do ministro da Economia, Paulo Guedes.

O dinheiro do or�amento secreto - esquema de barganha pol�tica revelado pelo Estad�o - teve corte, mas, no ano passado, o Congresso bateu recorde em emendas parlamentares, verbas previstas em lei e de destina��o conhecida, executando R$ 35 bilh�es. Foi uma conquista do Centr�o, que sonhava com um controle mais amplo dos recursos. Com o apoio do bloco, Bolsonaro come�ou a movimentar sua campanha � reelei��o.

COALIZ�O

O manejo das verbas or�ament�rias � uma "ferramenta" do presidencialismo de coaliz�o para construir base de apoio na C�mara e no Senado. Mesmo sem a obrigatoriedade de o governo executar as indica��es feitas por parlamentares - j� que, no modelo brasileiro, o Or�amento � autorizativo -, a pr�tica do toma l�, d� c� est� por tr�s dessa rela��o fisiol�gica e h� tempos o Pa�s enfrenta esc�ndalos de desvio de recursos, como o dos an�es do Or�amento (1993), o das m�fias dos vampiros (2004) e o dos sanguessugas (2006).

A captura do Or�amento por um grupo de pol�ticos come�ou a ser ampliada a partir de 2014, quando Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) presidia a C�mara. Naquele ano, o debate da Proposta de Emenda � Constitui��o (PEC) que tornaria obrigat�ria a execu��o das emendas parlamentares individuais amadureceu. A PEC foi aprovada na C�mara sob o comando de Eduardo Cunha (MDB-RJ), em 2015, tornando essas emendas impositivas. Cunha, mais tarde, seria cassado.

Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, com Rodrigo Maia (ent�o no DEM-RJ) � frente da C�mara e Davi Alcolumbre (DEM-AP) no Senado, mais duas emendas � Constitui��o ampliaram esse poder. A primeira tamb�m tornou impositivas as emendas de bancadas estaduais, apresentadas por parlamentares de uma mesma unidade da Federa��o. A segunda os desvencilhou da supervis�o do governo ao permitir que as emendas individuais pudessem ser transferidas diretamente a fundos municipais. Nessa transfer�ncia especial, conhecida como "Pix or�ament�rio", n�o havia necessidade de conv�nios.

Com o argumento da independ�ncia, a divis�o proporcional de recursos - imune a contingenciamentos e desburocratizada - impediria o Executivo de barganhar apoio em troca da libera��o de recursos. Na Emenda Constitucional 100, o Congresso estabeleceu que a execu��o desses repasses deveria observar "crit�rios objetivos e imparciais".

ORIGEM

Depois de fincar a bandeira no Or�amento, por�m, o Congresso dobrou a aposta. O Centr�o avan�ou sobre os recursos, aproveitando a fragilidade da articula��o do governo e com Bolsonaro amea�ado por pedidos de impeachment.

O Congresso aprovou a cria��o do identificador de resultado prim�rio (RP) n.� 9, para emendas de relator do Or�amento, em outubro de 2019. A ideia era garantir que o governo executasse os valores conforme indica��o do Congresso, na figura do relator-geral. O Pal�cio do Planalto vetou a cria��o do RP9 ao sancionar a Lei de Diretrizes Or�ament�rias (LDO) de 2020, mas voltou atr�s ap�s acordo pol�tico costurado pelo general Ramos.

� �poca, o governo preparava um combo de PECs: a Emergencial, a do Pacto Federativo e a dos Fundos P�blicos, apresentadas em novembro. O Planalto, repleto de ministros e assessores fardados, tamb�m buscava aprovar a reforma da Previd�ncia dos militares. Faltava, ainda, o Or�amento de 2020. Para aprovar as propostas, o Congresso queria uma fatia maior de investimentos.

Uma reuni�o com pol�ticos do Centr�o, na Casa Civil, ajudou a selar o acordo. Al�m de Ramos e da equipe econ�mica, estavam presentes os l�deres do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). O governo encaminhou, ent�o, novo projeto para alterar a LDO, estabelecendo as emendas de relator. Desta vez, barrou a obriga��o de aceitar as indica��es de benefici�rios e as prioridades de pagamentos. Com o veto, mantido em sess�o do Congresso, o relator-geral poderia remanejar bilh�es do Or�amento, mas o Executivo n�o tinha obriga��o de executar os repasses.

Sem uma regulamenta��o definida, as emendas de relator viraram um monstrengo. Como o veto desobrigou o governo de acatar as indica��es do Legislativo, o Planalto teve a chance de liberar recursos apenas para os aliados. Surgiu a� o or�amento secreto.

ELEI��O

O esquema aumentou o poder dos presidentes da C�mara e do Senado e dos principais l�deres, al�m do relator-geral do Or�amento. No ano passado, a caneta estava com o deputado Domingos Neto (PSD-CE). Um total de R$ 140 milh�es foi reservado pelo governo para o munic�pio de Tau� (CE), onde a m�e do deputado, Patr�cia Aguiar (PSD), se elegeu prefeita. O deputado Arthur Lira (AL), ent�o l�der do PP, enviou mais de R$ 100 milh�es do or�amento secreto para contemplar aliados com obras e m�quinas. Mas o maior benef�cio de Lira est� ligado aos recursos despejados pelo governo para eleg�-lo presidente da C�mara, em fevereiro deste ano. A poucos dias das elei��es no Congresso, o Estad�o revelou que o governo liberou R$ 3 bilh�es, a pedido de 285 deputados e senadores, o que evidenciou a negocia��o para eleger Lira. Uma planilha secreta registrava nomes, benefici�rios, valores e situa��o do repasse.

'TRATORA�O'

Ao longo do ano, o jornal mostrou a exist�ncia de dezenas de conv�nios para compra de tratores e equipamentos agr�colas com valores acima dos praticados pelo mercado. A Controladoria-Geral da Uni�o e o Tribunal de Contas da Uni�o apuraram, at� agora, risco de sobrepre�o que atinge mais de R$ 150 milh�es. O "tratora�o" tamb�m irrigou empresas ligadas a pol�ticos. Al�m disso, parlamentares direcionaram repasses para Estados longe daqueles onde foram eleitos. Dos R$ 3 bilh�es liberados pelo Minist�rio do Desenvolvimento Regional, somente 4% foram para opositores de Bolsonaro.

Apesar de o governo dizer que emendas de relator s�o prerrogativa do Congresso, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rog�rio Marinho, indicou R$ 1,4 milh�o para a obra de um mirante tur�stico vizinho a um terreno onde ele pretende construir um condom�nio privado, em Monte das Gameleiras (RN). J� o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, enviou verbas do or�amento secreto para o Piau�, Estado onde tem fam�lia e propriedades. Os dois negam irregularidades nas transa��es.

'NEG�CIO'

Para a procuradora de Contas do Estado de S�o Paulo, Elida Graziane Pinto, as emendas de relator "implodem" o processo legislativo or�ament�rio. "A participa��o da minoria e dos parlamentares da oposi��o � esvaziada. � como se a gente questionasse a possibilidade de haver paridade de armas, de haver equidade na distribui��o dos recursos", disse a procuradora.

Na avalia��o do cientista pol�tico Murillo de Arag�o, com a modalidade do or�amento secreto o parlamentar "passou a gerir uma esp�cie de unidade de neg�cio, que termina por favorecer a reelei��o de quem est� no exerc�cio do mandato".

O Planalto e a c�pula do Legislativo sempre alegaram n�o haver nada secreto nem ilegal nesses repasses. No �ltimo dia 5, por�m, liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a execu��o das emendas de relator-geral e determinou que houvesse transpar�ncia na destina��o do dinheiro. No julgamento do plen�rio virtual, sete ministros acompanharam a relatora.

Para o ministro aposentado do Supremo Celso de Mello, a decis�o de Rosa n�o representa interfer�ncia no Legislativo. "A ocorr�ncia de desvios jur�dico-constitucionais nos quais incida o Congresso Nacional n�o pode nem deve ser tolerada", disse ao Estad�o o ex-decano da Corte.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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