O presidente Jair Bolsonaro editou nesta quinta-feira (9) um decreto com normas para dar publicidade aos pagamentos feitos por meio das chamadas emendas de relator, base do or�amento secreto, revelado em maio pelo Estad�o. O mecanismo tem sido usado pelo Pal�cio do Planalto para enviar bilh�es de reais a um grupo de parlamentares em troca de apoio no Congresso. A medida do governo atende em parte a uma determina��o do Supremo Tribunal Federal, que considerou ilegal a distribui��o de recursos p�blicos por crit�rios pol�ticos.
Pelo texto do decreto, os pedidos de verbas feitos pelos congressistas e recebidos pelo Executivo dever�o ser tornados p�blicos na Plataforma +Brasil, que re�ne informa��es sobre transfer�ncias de recursos do governo. Tamb�m poder�o ser repassados ao p�blico por meio de pedidos via Lei de Acesso � Informa��o (LAI). A avalia��o de especialistas � de que a medida representa um avan�o, mas ainda permite ao governo manter ocultos os nomes dos parlamentares beneficiados.
Por se tratar de ato do Executivo, n�o h� qualquer men��o sobre como deve proceder o relator do Or�amento, que � quem concentra as informa��es de pedidos de deputados e senadores para libera��o de verbas.
"O decreto faz refer�ncia apenas ao autor da emenda, que formalmente ser� sempre o relator do Or�amento, e �s solicita��es que as justificaram, sem estabelecer o dever de divulgar a identifica��o do parlamentar que solicitou os recursos", afirmou o cientista pol�tico Marcelo Issa, da Transpar�ncia Partid�ria.
Desde maio, uma s�rie de reportagens do Estad�o vem mostrando como os recursos da Uni�o t�m sido distribu�dos por meio das emendas de relator sem crit�rios t�cnicos, a um grupo de parlamentares, principalmente �s v�speras de vota��es de interesse do Pal�cio do Planalto. Trata-se da nova fisionomia da pol�tica do "toma l�, d� c�", usada pelo governo em troca de apoio no Congresso.
Supremo
O decreto � assinado por Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Em nota, a pasta afirma que a medida atende a ordem do Supremo, al�m de recomenda��es do Tribunal de Contas da Uni�o (TCU), que tamb�m havia apontado irregularidades na distribui��o de recursos a parlamentares por meio das emendas de relator.
No m�s passado, a ministra Rosa Weber, do STF, suspendeu os pagamentos feitos pelo governo, mas recuou da decis�o nesta semana ap�s o Congresso aprovar projeto regulamentando as transfer�ncias. A decis�o ser� julgada no plen�rio virtual da Corte entre os dias 14 e 16.
A ministra tamb�m havia ordenado que o governo desse "ampla publicidade" aos of�cios encaminhados por parlamentares em 2020 e 2021 para aloca��o dos recursos em seus redutos eleitorais. Para isso, ela exigiu a publica��o de todos os pedidos "em plataforma centralizada de acesso p�blico".
O texto publicado por Bolsonaro e Guedes, no entanto, prev� que cada minist�rio d� publicidade aos documentos relacionados �s libera��es, de forma descentralizada, e ainda permite a continuidade dos pagamentos mesmo antes da publica��o das informa��es.
"Essa me parece ser uma tentativa de dar um cumprimento � decis�o (do STF), mas burlando valores centrais impostos ao governo. N�o se trata apenas de ter os dados p�blicos, mas de ter transpar�ncia", disse Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV.
Especialistas veem avan�o, mas dizem que decreto n�o garante transpar�ncia
O Estad�o submeteu o texto do decreto a advogados especializados em direito p�blico, congressistas envolvidos com o assunto e especialistas em transpar�ncia p�blica. A maioria considera que, apesar de representar um avan�o, o decreto publicado pelo Executivo est� longe de ser suficiente para garantir a transpar�ncia das emendas de relator e atender a decis�o do Supremo.
Para o advogado e professor da Faculdade de Direito da USP Fernando Facury Scaff, a publica��o do decreto n�o garante que todas as informa��es sobre qual pol�tico indicou o qu� vir�o a p�blico. "A regra como um todo n�o deixa claro se constar� nas informa��es publicizadas quem pediu a emenda. O (trecho no decreto) que trata do assunto n�o deixa isso claro. Logo, pode at� ser p�blico e transparente, mas n�o ser� impessoal, republicano", disse ele.
Advogado e mestre em Direito Constitucional, Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues avalia que a reda��o do decreto � suficiente para dar transpar�ncia �s informa��es sobre as emendas de relator - ao menos �quelas que s�o de posse do Executivo federal. "O ato determina que haja a publica��o das informa��es na Plataforma +Brasil. Permite uma fiscaliza��o muito mais efetiva da sociedade (do que o que existe hoje). Pelo que eu vi neste decreto, ele segue a l�gica do que foi determinado pelo Congresso (no projeto de resolu��o). Ent�o, eu acredito que nessa queda de bra�o a transpar�ncia prevaleceu", disse Rodrigues.
"Eu sigo entendendo que as emendas de relator s�o um esc�ndalo. N�o � verdade que ser� poss�vel dar transpar�ncia a tudo, pois n�o necessariamente os deputados que pediram as emendas ser�o informados ao p�blico (com o decreto). E mais que isso: o problema n�o � s� de transpar�ncia. O decreto n�o resolve a viola��o aos princ�pios (constitucionais) da impessoalidade. N�o muda o fato de que alguns parlamentares indicam as emendas e outros n�o", diz a l�der do PSOL na C�mara, a deputada Tal�ria Petrone (RJ). O PSOL ingressou com a a��o no STF que resultou na decis�o da Corte sobre o assunto.
"A princ�pio, parece atender (a decis�o do STF), inclusive dando transpar�ncia a emendas de 2020 e 2021. Resta saber se a informa��o que ser� lan�ada realmente ser�o os of�cios de indica��o com o nome de cada deputado. Ou se simplesmente v�o inventar of�cios do relator geral pra esconder os verdadeiros autores e colocar tudo sob o guarda chuva dele", disse o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).
Avalia��o parecida � feita pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP). Assim como Kataguiri, ela � cr�tica ao uso das emendas de relator. "Tivemos um pequeno avan�o, mas poderemos ter o mesmo problema se os documentos referentes �s solicita��es n�o deixarem expl�citos os nomes do parlamentares que fizeram as indica��es. Tudo pode sair com o nome Relator Geral, o que n�o resolver� o ponto X: a transpar�ncia. E neste caso, continuaremos com o balc�o de neg�cios", disse ela.
POL�TICA