Falta quase tudo em Momba�a, no sert�o cearense. Com uma economia baseada na agricultura familiar, o munic�pio do semi�rido enfrenta problemas de infraestrutura e de abastecimento de �gua. Mas n�o precisava ser assim: Momba�a est� a apenas 79 km de Tau�, uma das campe�s nacionais das emendas de relator (c�digo RP-9), verbas que est�o na base do esquema do or�amento secreto revelado pelo Estad�o/Broadcast. A Uni�o j� empenhou R$ 151,4 milh�es dessas verbas para Tau�, mas s� R$ 2,9 milh�es para Momba�a. � como se o governo destinasse R$ 2.606,14 para cada morador de Tau�, mas apenas R$ 67,12 para os vizinhos.
Ao contr�rio do que disseram l�deres do Congresso ao Supremo Tribunal Federal (STF), a distribui��o do or�amento secreto n�o prioriza servi�os essenciais, mas a conveni�ncia pol�tica de alguns parlamentares. Cidades que s�o base eleitoral de aliados do Pal�cio do Planalto ou de parlamentares em posi��es influentes no Congresso recebem centenas de milh�es de reais, enquanto munic�pios pr�ximos ou vizinhos ficam � m�ngua. Juntas, as quatro cidades campe�s em verbas do or�amento secreto que n�o s�o capitais estaduais receberam empenhos de pouco mais de R$ 731 milh�es em 2020 e 2021. � mais que os 2.261 munic�pios da base da pir�mide, somados.
As cidades que n�o s�o capitais mais beneficiadas pelas emendas at� agora foram Pouso Alegre (MG), com R$ 237,2 milh�es empenhados; Petrolina (PE), R$ 195,6 milh�es; Tau� (CE), R$ 151,5 milh�es, e Santana (AP), R$ 146,6 milh�es. Em comum, todas t�m em suas proximidades lugares que receberam pouco ou mesmo nada das emendas de relator. S�o ainda redutos eleitorais do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco; do l�der do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE); do relator-geral do or�amento de 2020, Domingos Neto (PSD-CE); e do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O princ�pio da igualdade, ess�ncia da Constitui��o, n�o � levado em conta na distribui��o dos repasses.
A partir de ter�a-feira, o plen�rio virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) deve analisar decis�o da ministra Rosa Weber que decidiu liberar os repasses do or�amento secreto. Ela aceitou a vers�o dos presidentes da C�mara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e de Pacheco, de que a suspens�o dos recursos, que tinha sido aprovada por 8 a 2 pelo plen�rio em novembro, era um "potencial" risco aos servi�os de Sa�de e Educa��o. N�o h� garantia alguma de que esse dinheiro v� para �reas essenciais. A distribui��o das emendas n�o atende crit�rios t�cnicos, muito pelo contr�rio.
Ao liberar os repasses no dia 6, Rosa Weber citou dados levantados a pedido da c�pula do Congresso ao afirmar que as emendas de relator beneficiaram 86,9% dos munic�pios brasileiros - o que, para a ministra, seria suficiente para demonstrar o "equil�brio" na distribui��o das verbas. N�o � bem assim. Na verdade, dos 5.570 munic�pios, mais da metade (2.564) receberam valores irris�rios, de menos de R$ 1 milh�o. Juntos, esses 2,5 mil munic�pios da parte de baixo da tabela tiveram pouco mais de R$ 1 bilh�o empenhados - os demais munic�pios ficaram com os R$ 29 bilh�es restantes.
SEM DIFEREN�AS
Momba�a e Tau� diferem no recebimento das verbas, mas t�m condi��es econ�micas e sociais parecidas. Momba�a, de 43 mil habitantes, e Tau�, de 58 mil, t�m �ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) m�dio, uma com 0,604 e a outra com 0,633. Pouco mais da metade da popula��o dos dois munic�pios ganha at� meio sal�rio m�nimo.
O prefeito de Momba�a, Orlando Filho (MDB), trabalha para desenvolver as cadeias produtivas do gado leiteiro e do mel. Ele diz que o trabalho poderia ser mais efetivo com o apoio do Minist�rio do Desenvolvimento Regional e do Minist�rio da Agricultura. "Eu n�o gosto muito de falar de problemas e de dificuldades, porque aqui tem todas, t� entendendo? Tem falta de dinheiro, o povo � carente, a gente faz da tripa o cora��o para conseguir entregar a melhor estrutura para os produtores (rurais)", disse. "Mas, obviamente, se tivesse uma m�quina perfuratriz, por exemplo, ajudaria a solucionar o problema de falta de �gua."
Na pol�tica local do Sert�o dos Inhamuns, onde est�o Tau� e Momba�a, Orlando Filho faz parte do grupo pol�tico oposto ao do relator do Or�amento de 2020, o deputado federal Domingos Neto (PSD-CE). Al�m de ser a terra natal do relator, Tau� � governada pela m�e dele, Patr�cia Aguiar (PSD). "Os problemas s�o todos os imagin�veis. Temos que usar a intelig�ncia para tentar superar um por um", diz Orlando Filho. Dos R$ 2,9 milh�es recebidos por Momba�a at� agora, a maior parte (R$ 2,5 milh�es) foi para a Sa�de.
Outros pol�ticos com votos na regi�o tamb�m reclamam de n�o conseguir resolver problemas em suas bases sem usar as emendas de relator. "No ano passado, os moradores de Canind� (CE) estavam reclamando de falta de �gua. Fui falar com o (ent�o) presidente da Funasa (Funda��o Nacional de Sa�de), o (coronel) Geovanne (Gomes da Silva). E ele me disse que n�o tinha como. N�o tinha verba. E sugeriu que eu procurasse o relator-geral, Domingos Netto, que tinha R$ 100 milh�es para obras", diz o deputado Danilo Forte (PSDB-CE).
Em Catarina (CE), a apenas 48 km da cidade de Patr�cia Aguiar e Domingos Neto, as emendas RP-9 levaram R$ 562 mil desde 2020, cerca de 262 vezes menos do que em Tau�. � como se cada morador de Catarina recebesse R$ 29,99 da Uni�o, ante R$ 2,6 mil de Tau�. O munic�pio de 18 mil habitantes tamb�m tem indicadores econ�micos e sociais piores que Momba�a, com um IDH de 0.580, considerado baixo.
Casos como este n�o seguem a Lei de Diretrizes Or�ament�rias (LDO): no art. 86, ela determina que as transfer�ncias levem em conta os "indicadores socioecon�micos da popula��o beneficiada".
CONTAS
Economista e fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco explica que a concentra��o de recursos em poucas cidades se deve ao excesso de programa��es gen�ricas no Or�amento - isto �, quando a Lei Or�ament�ria n�o destina as verbas para um local espec�fico, deixando que isso seja feito apenas na hora do empenho do dinheiro. "O or�amento � aprovado com programa��es gen�ricas e, depois, isso passa a ser disputado para saber quem ser�o aqueles que far�o as indica��es", diz Castello Branco.
O problema j� ocorria quando as verbas discricion�rias (que podem ser usadas livremente) estavam sob poder do Executivo, mas se agravou com as emendas de relator. "O que acontece? Voc� distorce as pol�ticas p�blicas ao liberar desse modo uma verba bilion�ria. O dinheiro passa a ser destinado com crit�rios meramente pol�ticos, pessoais ou partid�rios." A solu��o do problema, segundo ele, � minimizar a quantidade de "programa��es gen�ricas". "A LDO j� postula assim, mas isso tem sido letra morta, pois n�o h� nenhum interesse do Legislativo nem do Executivo para que seja diferente."
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
POL�TICA