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Estado de Minas

Celina Guimar�es: a hist�ria da primeira brasileira a votar

H� 50 anos morria potiguar que entrou para a hist�ria como a primeira mulher registrada a votar no pa�s. Por esse e outros motivos, ela era considerada uma cidad� � frente do seu tempo.


10/07/2022 08:13 - atualizado 10/07/2022 09:48


Celina Guimarães Viana
Celina Guimar�es Viana, em foto de autor desconhecido, data de cerca de 1910. (foto: Reprodu��o)

H� exatos 50 anos, em 11 de julho de 1972, morria uma pioneira: a professora potiguar que entrou para a hist�ria como a primeira eleitora mulher registrada a votar no pa�s. Mas n�o foi s� pela participa��o nas urnas que Celina Guimar�es Viana (1890-1972) demonstrava ser uma cidad� � frente do seu tempo.

"Ela exerceu protagonismo ativista em seu trabalho, sendo uma professora que, naquele in�cio de s�culo, praticava uma educa��o progressista", comenta a soci�loga e cientista pol�tica Mayra Goulart, professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Al�m disso, ela atuou como ju�za de futebol entre 1917 e 1919 — muito possivelmente, foi a primeira mulher brasileira a apitar jogos, embora n�o haja registro oficial.

A luta pelo voto

O protagonismo de Viana no que tange � participa��o feminina no processo pol�tico brasileiro n�o pode ser elencado como um fator isolado. "N�o foi uma conquista individual, mas resultado de estrat�gia, articula��o pol�tica e avan�o do movimento feminista no pa�s", avalia a soci�loga e cientista pol�tica Joyce Martins, professora na Funda��o Escola de Sociologia e Pol�tica de S�o Paulo (FESPSP), coordenadora do Observat�rio Abrapel (da Associa��o Brasileira de Pesquisadores Eleitorais) e autora do livro 'O novo jogo eleitoral brasileiro'.

"O contato deste [movimento] com congressistas do Rio Grande do Norte foi fundamental para que Celina e outras mulheres potiguares pudessem se alistar", acrescenta ela. "Isso porque, naquela �poca, os estados tinham autonomia em mat�ria de legisla��o eleitoral e n�o havia nada na Constitui��o do pa�s que efetivamente proibisse as mulheres de votar."

Em 25 de outubro de 1927, entrou em vigor uma nova legisla��o no Rio Grande do Norte para regular o servi�o eleitoral. As novas normas estabeleciam o fim da "distin��o de sexo". No m�s seguinte, Viana, que vivia na cidade de Mossor�, deu entrada em seu pedido de alistamento eleitoral.

Segundo pesquisas realizadas pelo escritor e advogado potiguar Jo�o Batista Cascudo Rodrigues (1934-2009), o despacho, assinado pelo juiz de direito Israel Ferreira Nunes, afirmou que "tendo a requerente satisfeito as exig�ncias da lei para ser eleitora, mando que inclua-se na lista de eleitores". O documento, escrito a m�o, com caneta tinteiro em folha pautada, acabou inclu�do no acervo do Museu Hist�rico Lauro da Esc�ssia, em Mossor�.

O despacho foi assinado no dia seguinte ao pedido feito pela professora, conforme informa��es publicadas no Dicion�rio Mulheres do Brasil, de Schuma Schumaher e Erico Vital Brazil. "Antes, muitas, muitas, mulheres em v�rias partes do pa�s haviam pedido alistamento e receberam negativas", conta a historiadora Teresa Cristina de Novaes Marques, professora da Universidade de Bras�lia (UnB) e autora do livro 'O voto feminino no Brasil'.

"O debate sobre o voto feminino vinha aumentando desde os trabalhos constituintes, que ocorreram em 1880 e 1881 e deram origem a uma reforma significativa no sistema eleitoral brasileiro, instituindo o t�tulo de eleitor, o voto direito para v�rios cargos, proibindo o voto dos analfabetos e garantindo que todo brasileiro com t�tulo cient�fico pudesse votar, sem mencionar sexo", contextualiza Martins.

Goulart ressalta que � preciso situar esse direito concedido a ela dentro do "bojo do movimento sufragista que ocorria no Rio Grande do Norte". Era um ativismo que ecoava o trabalho realizado pela bi�loga, educadora e feminista Bertha Lutz (1894-1976).

"Bertha Lutz capitaneava essa luta em um momento em que vinha sendo regulamentado anteprojeto da Constitui��o de 1932 [que tornaria o sufr�gio feminino um direito em todo o pa�s]", pontua Goulart.

Tal movimento ganhou a ades�o de alguns homens, entre eles o advogado, jornalista e pol�tico Juvenal Lamartine de Faria (1874-1956), que ocupou postos de deputador, senador e governador do Rio Grande do Norte.

"Ele fez parte dessa articula��o. Foi um tipo de feminismo que se articulava com lideran�as masculinas. E Lamartine j� se encantava com a ideia do voto feminino", comenta Goulart.

Quando o congresso estadual do Rio Grande do Norte preparava uma nova lei eleitoral, em 1927, Lamartine de Faria mandou um telegrama solicitando que ficasse claro que ambos os sexos teriam direito ao voto. E por isso ali o voto feminino se tornou poss�vel antes do que no restante do pa�s.

"Justino Lamartine era um pol�tico do Rio Grande do Norte que somava v�rios mandatos como deputado federal quando foi contatado pelas feministas da Federa��o Brasileira pelo Progresso Feminino", explica Novaes Marques. "Em 1927, ele deixou o mandato de senador e concorreu ao governo do seu estado, com sucesso. Negociou com o judici�rio local promover o alistamento das mulheres potiguares que preenchessem os requisitos legais aplic�veis aos homens. Isso representava uma manobra para esticar os limites do federalismo em vigor".

E a primeira vota��o a contar com essa participa��o feminina foi justamente a "elei��o complementar para a vaga de senador deixada por Juvenal Lamartine", conta a historiadora, sobre a lacuna havida quando o pol�tico se tornou governador.

"Mas o pessoal n�o desistia, n�?", comenta ela. "[Logo em seguida] a comiss�o de verifica��o do Senado que tinha a compet�ncia para averiguar o resultado eleitoral decidiu anular os votos das mulheres do Rio Grande do Norte."


Foto de autor desconhecido, do acervo da Prefeitura de Mossoró, mostra Celina votando em 1928
Foto em dom�nio p�blico, de autor desconhecido, do acervo da Prefeitura de Mossor�, mostra Celina votando em 1928 (foto: Reprodu��o)

"Sempre que as mulheres avan�am, minimamente, em dire��o ao alcance da cidade, ainda hoje conquistada de modo incompleto, h� rea��o", argumenta Martins. "O voto de Celina, e das suas conterr�neas que votaram pela primeira vez na mesma elei��o, foi considerado 'inapur�vel'. Qual a diferen�a mais not�vel entre aquele tempo e o atual? Os direitos pol�ticos das mulheres se tornaram incontorn�veis. No Brasil, questionam-se as cotas ou a reserva de financiamento do fundo partid�rio, mas j� n�o h� condi��es pol�ticas ou sociais para a defesa do impedimento ao voto ou � candidatura de mulheres."

Para o soci�logo e cientista pol�tico Paulo Ramirez, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o ato de Celina Guimar�es Viana precisa ser compreendido como algo que "abriu brechas" em uma "sociedade de cunho patriarcal, com valores machistas", como a brasileira.

"[A partir de ent�o], outras mulheres se inscreveram para passar a votar. Muitas, apoiadas por advogados, come�aram a reivindicar o direito de votar. Antes de 1932 [quando houve a nova Constitui��o], chegou-se a um ponto em que v�rios ju�zes de v�rios estados decretaram a impossibilidade de as mulheres votaram. Essa situa��o seria revertida com a Constitui��o e a universalidade do voto, independentemente do g�nero".

Goulart ressalta que se o t�tulo de eleitor de Viana abriu um precedente, � preciso entend�-lo dentro de "um processo de luta de movimentos sociais que estavam buscando o voto feminino". "O voto dela n�o � um voto isolado, que instaura o processo. � resultado de um processo", afirma a professora.

Pioneirismos n�o eram novidade na vida de Celina Guimar�es Viana. Nascida em Natal, mudou-se para Acari, em 1912 e, dois anos mais tarde, para Mossor�, na companhia do marido, o tamb�m professor Elyseu de Oliveira Viana — ambos se conheceram na Escola Normal de Natal.

Em Mossor�, assumiu a educa��o infantil no grupo escolar. Segundo a soci�loga Mayra Goulart, em suas aulas Viana aboliu uma pr�tica comum na �poca: os castigos f�sicos para punir alunos. "E incorporou o teatro como forma de exercer a doc�ncia", afirma. "� interessante que ela tenha sido protagonista n�o s� na dimens�o eleitoral e pol�tica, mas tenha trazido isso na dimens�o da sociedade, na escola, ou seja, na institui��o fulcral para o avan�o de um ide�rio progressista."

Por sua profiss�o, ela "tinha um grande status na �poca", ressalta Martins. Ramirez lembra que tanto ela quanto seu marido eram "ativos no processo educacional".

"Ela viveu em uma cidade de muita luta pol�tica e car�ter emancipat�rio", contextualiza o soci�logo. "Como professora e leitora de jornais, ela era consciente. N�o necessariamente liderou um movimento feminista, mas, claro, acabou servindo de inspira��o para os movimentos feministas na busca de amplia��o de direitos pol�ticos."

"Seu nome inspira o feminismo at� hoje em termos de amplia��o da participa��o da mulher na luta pol�tica. Como pioneira, ela se tornou um modelo de tudo aquilo que as mulheres ainda t�m para adquirir politicamente no pa�s", conclui Ramirez.

O futebol tamb�m se tornou um elemento trazido por ela para a sala de aula. Com seus estudantes, ela encarregou-se de traduzir as regras do esporte importado da Inglaterra, inclusive procurando sin�nimos em portugu�s para nomes das posi��es de de lances do esporte.

Em um tempo em que era comum que personalidades de respeito na sociedade fossem chamadas para atuar como �rbitros em partidas, foi nessa �poca que ela se tornou, muito provavelmente, a primeira mulher a apitar jogos de futebol no Brasil, entre 1917 e 1919.

"Ela foi pioneira por trabalhar no espa�o p�blico, por dedicar-se ao conhecimento, por defender o voto das mulheres, por ter sido tamb�m ju�za de futebol", acrescenta Martins. "Ela foi influenciada pelo movimento feminista daquela �poca, por Bertha Lutz, pela Federa��o Brasileira pelo Progresso Feminino. Mas � complicado dizer que se tornou 'uma ativista feminista' quando olhamos o termo com os olhos de hoje. O feminismo naquela �poca tinha outras preocupa��es. Lutava pelo m�nimo: para que as mulheres fossem consideradas gente, para que fossem percebidas como sujeitos de direito."

- O texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62100807

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