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Estado de Minas

Petista morto por bolsonarista: 6 vezes em que viol�ncia pol�tica pode ter sido estimulada em discursos

Policial penal federal atirou e matou guarda municipal que comemorava o anivers�rio de 50 anos com uma festa decorada com fotos de Lula e s�mbolos do PT. Crime gerou debate sobre os efeitos de discursos de �dio de pol�ticos e sua rela��o com atos concretos de viol�ncia.


11/07/2022 16:01 - atualizado 11/07/2022 17:08


Enterro de Marcelo Arruda
No s�bado, um policial penal federal atirou e matou um guarda municipal que comemorava o anivers�rio de 50 anos com uma festa decorada com fotos de Lula e s�mbolos do PT. (foto: REUTERS/Christian Rizz)

O assassinato na noite de s�bado (9/7) de um guarda municipal petista por um policial penal federal apoiador do Jair Bolsonaro (PL) chocou o Brasil e refor�ou o temor de uma elei��o presidencial permeada pela viol�ncia.

Marcelo Aloizio Arruda comemorava o anivers�rio de 50 anos quando foi morto a tiros por Jorge Jos� da Rocha Guaranho, que invadiu a festa em Foz do Igua�u, no Paran�, aos gritos de "Aqui � Bolsonaro!", segundo informa��es de testemunhas � Pol�cia Civil. O tema da festa de Arruda era o PT e a candidatura do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva.

O guarda municipal petista, que tamb�m estava armado, revidou depois de ser atingido e, antes de morrer, baleou Guaranho, que foi encaminhado para o hospital em estado grave.

Ap�s o crime, as redes sociais se inflamaram com discuss�es sobre se declara��es de Bolsonaro estariam incitando o �dio e abrindo caminho para esses atos expl�citos de viol�ncia. No dia 16 de maio, por exemplo, ao mencionar que Lula estava organizando alian�as e se reunindo com candidatos a outros cargos eletivos, Bolsonaro disse: "� bom, um tiro s� mata todo mundo ou uma granadinha s� mata todo mundo".


Marcelo Arruda
Morte de lideran�a petista gerou debate sobre se discurso de �dio de pol�ticos estimula atos concretos de viol�ncia (foto: REUTERS/Christian Rizzi)

Por outro lado, defensores do presidente lembraram que Lula agradeceu nesta semana, ao participar de ato em Diadema, em S�o Paulo, um militante petista que, em 2018, foi preso por agredir gravemente um empres�rio bolsonarista.

Para o soci�logo e professor da Universidade Federal de S�o Carlos (UFSCar) Gabriel Feltran, o assassinato nesta semana do guarda municipal petista n�o � "ato isolado", mas sim reflexo da ret�rica de viol�ncia na pol�tica que, segundo ele, come�ou a ganhar for�a a partir de 2013 e se intensificou no governo Bolsonaro.

"Esse � um crime de viol�ncia pol�tica muito cl�ssico, marcado por �dio, porque os dois homens n�o se conheciam. Uma grande maioria dos homic�dios no Brasil acontecem entre pessoas que se conhecem e que v�o acumulando conflitos ao longo do tempo, at� que estoura. Nesse caso n�o, trata-se de um crime de �dio", diz.

"O policial penal soube que havia uma festa de um petista. Ele vai l� e ele fala: 'eu vou matar todo mundo'. Porque ele imagina na cabe�a dele que o petismo � um c�ncer da sociedade, que tem que ser extirpado, uma ideia alimentada no governo Bolsonaro."

J� Bolsonaro rebateu afirma��es de que suas declara��es produzem atos concretos de viol�ncia dizendo: "Falar que n�o s�o esses e muitos outros atos violentos, mas frases descontextualizadas que incentivam a viol�ncia � atentar contra a intelig�ncia das pessoas. Nem a pior, nem a mais mal utilizada for�a de express�o ser� mais grave do que fatos concretos e recorrentes".

- Falar que n�o s�o esses e muitos outros atos violentos mas frases descontextualizadas que incentivam a viol�ncia � atentar contra a intelig�ncia das pessoas. Nem a pior, nem a mais mal utilizada for�a de express�o, ser� mais grave do que fatos concretos e recorrentes.

— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) July 10, 2022

Ele ainda acusou a esquerda de ser violenta e resgatou o epis�dio em que foi alvo de uma facada na campanha de 2018. Segundo as investiga��es policiais, o autor da facada, Ad�lio Bispo, que havia sido filiado no passado ao PSOL, uma legenda de esquerda, tem transtornos mentais e agiu sozinho. Tamb�m na elei��o passada, a caravana da pr�-campanha de Lula foi recebida com tiros no Paran�, mas ningu�m se feriu. E, na �ltima sexta-feira (8/7), um homem jogou um artefato explosivo com fezes e urina no meio de um com�cio do ex-presidente, no Rio de Janeiro.

Pelo Twitter, Lula prestou solidariedade �s fam�lias de Arruda e de Guaranho, al�m de argumentar que o bolsonarista agiu "estimulado por um presidente irrespons�vel". "Tamb�m pe�o compreens�o e solidariedade com os familiares de Jos� da Rocha Guaranho, que perderam um pai e um marido para um discurso de �dio estimulado por um presidente irrespons�vel", disse.

Bolsonaro tamb�m se manifestou sobre o caso nas redes sociais, mas n�o lamentou a morte do guarda municipal nem apresentou condol�ncias � fam�lia de Arruda. "Dispensamos qualquer tipo de apoio de quem pratica viol�ncia contra opositores. A esse tipo de gente, pe�o que por coer�ncia mude de lado e apoie a esquerda", escreveu ao republicar uma mensagem de 2018 no Twitter.

A BBC News Brasil re�ne a seguir seis epis�dios em que a viol�ncia pol�tica pode ter sido estimulada por discursos pol�ticos.

'Granadinha para matar todo mundo'


Bolsonaro
Bolsonaro j� falou em 'fuzilar' petistas e usar 'granadinha' para matar Lula e pol�ticos opositores (foto: Carla Carniel)

Em 16 de abril desde ano, Bolsonaro falou em "tiro" e "granada" quando criticava Lula em discurso no Apas Show, da Associa��o Paulista de Supermercados, em S�o Paulo.

"Agora t� todo mundo reunido ao lado do nine [refer�ncia a Lula] para organizar a campanha dos caras, p�. A vantagem que a gente t� vendo nisso tudo � que tudo que n�o presta t� se juntando", afirmou.

"Igual (disse ao) Paulo Guedes, em 2018, quando juntou aquele mont�o de candidatos, e eu falei: '� bom que um tiro s� mata todo mundo ou uma granadinha s� mata todo mundo'", completou Bolsonaro.

'Fuzilar a petralhada'

Uma das cenas mais emblem�ticas de alus�o � viol�ncia contra opositores foi em setembro de 2018, quando o ent�o candidato Jair Bolsonaro, em com�cio na cidade de Rio Branco, no Acre, segurou um trip� como se fosse uma metralhadora e disse: "Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre, hein? Vamos botar esses picaretas para correr no Acre. J� que eles gostam tanto da Venezuela, essa turma tem de ir pra l�. S� que l� n�o tem nem mortadela, hein, galera. V�o ter de comer � capim mesmo".

Enquanto falava, ele fingia atirar com o trip�, sendo ovacionado pela multid�o de apoiadores presentes.

Questionado na segunda-feira (11/7) por jornalistas sobre se o epis�dio tem rela��o com o assassinato em Foz do Igua�u, Bolsonaro respondeu:

"Voc� sabe o que � sentido figurado? Voc� sabe o que � sentido figurado? Voc� estudou portugu�s na sua faculdade ou n�o?", perguntou. "Olha o Lula, o Lula defende ladr�es de celular, que � para tomar uma cervejinha. A� est� claro que ele est� estimulando roubo de celular".

'Bandeira vermelha de sangue'

Em discuso de posse, em janeiro de 2019, Bolsonaro declarou que, com sua elei��o, o povo brasileiro come�ava a se "libertar do socialismo" e do "politicamente correto" e que a bandeira do Brasil s� ser� vermelha se for preciso "sangue" para mant�-la verde e amarela.

"Nossa bandeira jamais ser� vermelha!", disse Bolsonaro segurando uma bandeira brasileira, enquanto a multid�o gritava "mito".

"S� ser� vermelha se for preciso o nosso sangue para mant�-la verde e amarela", acrescentou, sendo aplaudido pelos milhares de apoiadores que acompanharam o discurso feito no parlat�rio do Pal�cio do Planalto.

'Voc�s sabem o que devem fazer'

Em transmiss�o ao vivo nas suas redes sociais, no dia 8 de julho deste ano, Bolsonaro atacou o sistema eleitoral de urnas eletr�nicas e declarou que os eleitores "sabem como se preparar" antes das elei��es.

"N�o preciso dizer o que estou pensando, mas voc� sabe o que est� em jogo. Voc� sabe como voc� deve se preparar, n�o para o novo Capit�lio, ningu�m quer invadir nada, mas sabemos o que temos que fazer antes das elei��es", disse o presidente aos apoiadores durante a live.

A declara��o gerou preocupa��o entre os que temem atos antidemocr�ticos antes ou depois da elei��o, embora o presidente n�o tenha especificado a que ele se refere quando diz que os eleitores "sabem o que t�m que fazer" antes do pleito.

'S� saio morto', '�ltimato' e 'canalha'

Em discursos em Bras�lia e S�o Paulo nas manifesta��es do dia 7 de setembro do ano passado, Bolsonaro fez uma s�rie de amea�as ao Supremo Tribunal Federal (STF) e � democracia. Ele chamou as elei��es de "farsa", disse que s� sai da presid�ncia "preso ou morto", exaltou a desobedi�ncia � Justi�a e chamou um ministro do STF de "canalha".

"S� saio preso, morto ou com vit�ria. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso", declarou.

Bolsonaro concentrou suas cr�ticas ao STF na figura do ministro Alexandre de Moraes, que havia determinado no dia 5 de setembro a pris�o de apoiadores do presidente que publicaram amea�as ao tribunal e a seus membros.

"N�o podemos continuar aceitando que uma pessoa espec�fica da regi�o dos Tr�s Poderes continue barbarizando a nossa popula��o. N�o podemos aceitar mais pris�es pol�ticas no nosso Brasil", disse o presidente.

"Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que n�o queremos, porque n�s valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da Rep�blica", completou Bolsonaro, conclamando o presidente do STF, Luiz Fux, a interferir nas decis�es de Moraes - algo que seria inconstitucional.

Em S�o Paulo, Bolsonaro citou Moraes nominalmente e o chamou de "canalha", dizendo que "n�o pode mais admitir" que ele "continue a�oitando o povo brasileiro."

Lula agradece homem que agrediu Bolsonarista


Lula em ato de campanha
Em ato pol�tico no fim de semana, Lula agradeceu a um colega de partido que agrediu gravemente um empres�rio bolsonarista em 2018. Fala foi criticada (foto: EPA/Ricardo Stuckert)

No domingo (10/7), durante ato em Diadema (SP), Lula fez um agradecimento ao ex-vereador Manoel Eduardo Marinho, o Maninho do PT, preso em maio de 2018 ap�s agredir com gravidade um manifestante pr�-Bolsonaro na porta do Instituto Lula, na capital paulista.

"Esse companheiro Maninho, por me defender, ficou preso sete meses, porque resolveu n�o permitir que um cara ficasse me xingando na porta do Instituto (Lula). Ent�o, Maninho, eu quero agradecer, porque foi o Maninho e o filho dele que estiveram nessa luta. Essa d�vida que eu tenho com voc� jamais a gente pode pagar em dinheiro. A gente pode pagar em solidariedade e companheirismo", disse Lula.

Maninho foi denunciado por tentativa de homic�dio, ap�s empurrar, em abril de 2018, o empres�rio Carlos Alberto Bettoni contra um caminh�o no dia em que o ent�o juiz Sergio Moro decretou a pris�o de Lula. Bettoni bateu a cabe�a no para-choque do ve�culo e teve traumatismo craniano. Imagens registraram o momento da agress�o, e Maninho ficou preso por sete meses at� ser liberado por um habeas corpus.

Como o discurso de �dio vira viol�ncia

Autor do artigo cient�fico "A pol�tica como viol�ncia", que aborda a politiza��o das pol�cias e o impacto da linguagem violenta do governo Bolsonaro, o soci�logo Gabriel Feltran tamb�m critica a postura de Lula ao agradecer Maninho por uma agress�o a um Bolsonarista.

"Isso est� errado. Hoje, embora a esquerda seja muito menos armada do que a direita no Brasil, eu tamb�m vejo circulando em parte da esquerda esse discurso que procura criminalizar um grupo que n�o faz parte da minha comunidade, que n�o tem que ser ouvido, que n�o tem que dizer nada, que tem que s� se fechar, se calar, tem que voltar para o bueiro, voltar para o esgoto. Essas declara��es n�o ajudam a construir um pa�s democr�tico", disse Feltran, que tamb�m � autor do livro Irm�os: uma hist�ria do PCC (Companhia das Letras, 2018)

Mas ele avalia ser preciso destacar a diferen�a de propor��o do uso da viol�ncia no Bolsonarismo que, segundo ele, � muito maior. "Sem d�vida, (a apologia � viol�ncia entre pol�ticos da esquerda) n�o se d� na mesma propor��o (que no bolsonarismo). E isso � concreto, efetivo."

Para Feltran, a mesma l�gica difundida entre camadas conservadoras do Brasil de que "bandido bom � bandido morto" est� se expandindo, por meio de discursos de �dio, para a pol�tica, com a defesa de que um grupo considerado corrupto ou "bandido" seja extirpado.

"O perfil de 75% a 85% dos nossos homic�dios no Brasil � homem, jovem, negro, favelado. Para esses, constr�i-se a l�gica antidemocr�tica de que se pode matar � vontade, porque seriam bandidos. Eles n�o teriam direito algum, n�o fariam parte da cidadania. Agora, essa fronteira (de exclus�o) est� se alargando para grupos que n�o apoiam o projeto de na��o de Bolsonaro", diz.

Feltran cita como exemplos de epis�dios violentos recentes o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), na cidade do Rio de Janeiro, e a execu��o do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips por pescadores ilegais na Amaz�nia. Tamb�m aponta para a crescente viol�ncia em opera��es policiais, como no Jacarezinho, em 2021, e na Vila Cruzeiro, neste ano, consideradas as duas mais letais da hist�ria do Estado do Rio de Janeiro.

"N�o precisa de muita sofistica��o para a gente ver as conex�es entre esses eventos. Eu n�o trataria esse evento (do assassinato de Marcelo Arruda) como um algo isolado. Como um epis�dio de um maluco que decidiu ir l� e dar um tiro numa outra pessoa que ele n�o conhecia. N�o se trata disso, ao contr�rio. Para mim, a gente tem que encadear os eventos de viol�ncia que v�m acontecendo no Brasil, no quadro social, no quadro pol�tico, no quadro econ�mico."

- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62098719

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