
Nem mesmo a experi�ncia de quem acompanha a pol�tica e as elei��es na Am�rica Latina h� mais de 30 anos foi suficiente para evitar o espanto que o professor americano Scott Mainwaring sentiu ao saber da morte de Marcelo Arruda, um membro do PT morto a tiros por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL).
"� um fato grave, n�o lembro de nada parecido no Brasil", disse � BBC News Brasil.
Scott Mainwaring � um dos maiores especialistas do mundo em pol�tica, democracias e ditaduras na Am�rica Latina. Ele j� morou em pa�ses como a Argentina e o Brasil (onde fez pesquisa de campo para o seu doutorado) e fala portugu�s fluentemente. Nestes pa�ses, ele investigou a redemocratiza��o na regi�o e viu como, em alguns casos, esse processo envolveu casos de viol�ncia pol�tica.
Mainwaring foi professor na Universidade de Harvard, da qual � um membro associado. Em 2019, ele foi apontado como um dos 50 cientistas pol�ticos mais citados em trabalhos acad�micos do mundo. Atualmente, � professor de Ci�ncias Pol�ticas da Universidade de Notre Dame.
O americano � autor de dezenas de livros sobre a pol�tica da Am�rica Latina, entre eles: Decay and Collapse (Sistemas Partid�rios na Am�rica Latina: Institucionaliza��o, Decad�ncia e Colapso), Democracies and Dictatorships in Latin America: Emergence, Survival and Fall (Democracias e Ditaduras na Am�rica Latina: Surgimento, Sobreviv�ncia e Queda), e Party Systems in Latin America: Institutionalization (Sistemas partid�rios na Am�rica Latina: Institucionaliza��o).� com essa experi�ncia que ele analisa, com preocupa��o, a escalada de viol�ncia �s v�speras das elei��es deste ano no Brasil.
Em entrevista � BBC News Brasil, Mainwaring diz que a morte de Marcelo Arruda � resultado da "rela��o t�xica" entre a viol�ncia e poder pol�tico presente no pa�s.
Segundo ele, o Brasil, assim como os Estados Unidos, vive um ambiente de "�dio pessoal e polariza��o pol�tica".
Para o professor, a polariza��o no Brasil n�o vai desaparecer e os principais pr�-candidatos � Presid�ncia da Rep�blica, Jair Bolsonaro e Luiz In�cio Lula da Silva (PT), precisam condenar atos de viol�ncia.
"Voc� n�o pode reduzir a zero a possibilidade de um cara desequilibrado atacar a outra pessoa. Mas a mensagem das lideran�as � muito importante", disse o professor.
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Confira os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - Nas �ltimas semanas, ocorreram alguns incidentes violentos no Brasil relacionados � campanha pol�tica. O �ltimo foi o assassinato de um membro do Partido dos Trabalhadores (PT) praticado por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro. E isso lan�a algum tipo de alerta sobre o que est� ocorrendo no Brasil?
Scott Mainwaring - Certamente. N�o pode ter espa�o para esse tipo de viol�ncia pol�tica. � um ato de criminalidade comum e, al�m disso, � um tipo de ato que atinge a democracia.
BBC News Brasil - Que sinal a morte de algu�m nessas circunst�ncias manda para a comunidade internacional?
Mainwaring - Para mim, � mais um indicador de uma rela��o t�xica entre viol�ncia e poder pol�tico. Como fato isolado, n�o acho preocupante. O que � preocupante � quando voc� combina isso com outros incidentes de viol�ncia.

BBC News Brasil - O que o Sr. quer dizer com isso?
Mainwaring - Me refiro a outros incidentes de viol�ncia. Estou pensando na rela��o da pol�tica com as mil�cias, com o crime organizado, nos assassinatos de candidatos a prefeitos, vereador. Quando voc� combina tudo isso, a�, sim, � preocupante.
BBC News Brasil - Considerando o hist�rico pol�tico do Brasil, qu�o grave � a morte de um militante pol�tico por um oposicionista?
Mainwaring - � um fato grave. N�o lembro de acontecimentos parecidos no Brasil. Isso lembra, por exemplo, os brownshirts (camisas marrons) da Alemanha nos anos 1920 e come�o dos 1930. Atinge de forma profunda a democracia.
[Nota: "camisas marrons" era o nome pelo qual ficaram conhecidos os primeiros integrantes de uma organiza��o paramilitar nazista fundada por Adolf Hitler em 1921]
BBC News Brasil - O senhor mencionou os camisas marrons. Na sua avalia��o, esse epis�dio lembra a Alemanha pr�-nazismo ou a Alemanha nazista?
Mainwaring - N�o quero exagerar. Na Alemanha pr�-nazista isso era comum. Tanto os nazistas como os comunistas tinham mil�cias muito grandes, inclusive maiores que o Ex�rcito alem�o naquela �poca. Mas vai nesse sentido. Vai nessa dire��o.
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BBC News Brasil - Quais foram os fatores que levaram o Brasil a esse n�vel de animosidade que resultou, por exemplo, na morte desse membro do Partido dos Trabalhadores?
Mainwaring - Desde 2014, o Brasil sofre um processo muito grave de polariza��o pol�tica. E isso se acentua pela presen�a das m�dias sociais, que exacerba a polariza��o pol�tica e cria uma animosidade. Elas levam essa polariza��o para um processo de animosidade, de �dio. � poss�vel ter um processo de polariza��o que n�o se baseia em �dios pessoais. Mas no Brasil de hoje, como tamb�m nos Estados Unidos, voc� tem essa mistura t�xica de �dio pessoal e polariza��o pol�tica.
BBC News Brasil - Considerando essa escalada de viol�ncia, o Sr. acredita que o Brasil poderia ser palco de algo semelhante � invas�o do Capit�lio, nos Estados Unidos, caso um candidato n�o aceite o resultado das elei��es?
Mainwaring - � um risco.
BBC News Brasil - � um risco alto, m�dio, baixo? Como o senhor classificaria?
Mainwaring - N�o acho que seja grande, mas eu diria que � m�dio. O fato de Bolsonaro denunciar os mecanismos eleitorais brasileiros e dar sinais de que pode n�o aceitar o resultado caso ele perca as elei��es, � a� que reside o maior risco. Isso, para a democracia, � muito grave.
BBC News Brasil - O Brasil tem sido descrito por especialistas como um dos pa�ses da terceira onda de democratiza��o onde os fundamentos e funcionamento da democracia iam relativamente bem. Esses epis�dios violentos mais recentes indicam uma deteriora��o da democracia brasileira?
Mainwaring - Sem d�vida. A democracia brasileira entre 1985 e 2012 ou 2014, realmente, tinha muitos aspectos altamente positivos. Acho que a degrada��o da democracia brasileira nos �ltimos cinco ou seis anos � real.
A elei��o de um presidente com perfil t�o autorit�rio como o Bolsonaro � um sinal em si mesmo.
Quando voc� elege um presidente iliberal, com tra�os muito autorit�rios, isso j� representa um perigo para a democracia.
Os problemas antecediam a elei��o de Bolsonaro, como a corrup��o, os problemas econ�micos, o aumento da viol�ncia e a perda de credibilidade, por um lado, do PT, e por outro do establishment ao centro e � direita.

BBC News Brasil - Considerando a quantidade de armas circulando no Brasil, o Sr. teme que o pa�s v� na dire��o de uma realidade em que atos de viol�ncia pol�tica sejam mais comuns? H� ambiente para uma deteriora��o ainda maior?
Mainwaring - Isso � poss�vel e acho que n�o dev�amos subestimar o quanto isso j� aconteceu. O exemplo mais famoso � o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL). Mas tamb�m j� aumentou o n�mero de assassinatos de candidatos a prefeito e vereador. Isso � grave e poderia se acentuar, mas n�o vejo como algo inevit�vel.
BBC News Brasil - O n�vel de polariza��o tende a piorar ou melhorar at� as elei��es?
Mainwaring - Acho que vai piorar, porque a campanha pol�tica vai ser, certamente, entre Lula e Bolsonaro. E 40% do pa�s tem �dio do Lula e outros 40% t�m �dio do Bolsonaro. A tend�ncia prov�vel de Lula n�o vai ser polarizar. Ele vai polarizar contra o Bolsonaro, mas n�o vai assumir posi��es radicais. Mas Bolsonaro sempre polariza e certamente ele vai pintar Lula como um diabo. Eu acho quase inevit�vel que a polariza��o se exacerbe nos pr�ximos meses. Agora, depois da elei��o � um momento de poss�vel diminui��o da polariza��o. Os dois candidatos v�o ter que costurar alian�as para governar o pa�s.
BBC News Brasil - Qual � a responsabilidade de Lula nesse cen�rio de polariza��o?
Mainwaring - Acredito que o Lula poderia polarizar contra Bolsonaro, mas buscar o eleitor m�dio. Lula, provavelmente, vai se posicionar para ganhar o centro do Brasil. A probabilidade de ele ganhar aumenta se ele pode capturar o centro do pa�s. Para mim, a estrat�gia mais �bvia do Lula seria l�gico denunciar o Bolsonaro, polarizar contra ele, mas se posicionar como uma alternativa sensata, uma alternativa vi�vel ou uma alternativa que no governo n�o vai ser radical, n�o vai polarizar.
BBC News Brasil - O presidente Bolsonaro tem sido acusado por alguns cr�ticos de incentivar os seus apoiadores contra esquerdistas. Por outro lado, alguns dias atr�s, o presidente Lula agradeceu a um membro do Partido dos Trabalhadores que atacou um manifestante antilula. Na sua avalia��o, � justo dizer que Lula e Bolsonaro s�o igualmente respons�veis por esse ambiente de tens�o que a gente v� no Brasil?
Mainwaring - Teria que estar no Brasil para fazer uma avalia��o mais equilibrada sobre essa pergunta.

BBC News Brasil - O presidente Bolsonaro tem questionado, ainda que sem apresentar provas, a legitimidade do sistema eleitoral brasileiro. Os militares, que s�o muito pr�ximos do presidente, t�m colocado a integridade do sistema em d�vida. O senhor acredita que as For�as Armadas brasileiras v�o aceitar o resultado das elei��es se Bolsonaro perder?
Mainwaring - Se Lula ganha por uma vantagem razo�vel, acho que a tend�ncia dos militares, neste caso, � aceitar o resultado. E se a elei��o for muito apertada? A�, digamos, teria mais espa�o para os militares n�o aceitarem. Acho, de qualquer maneira, pouco prov�vel que os militares n�o aceitem [o resultado]. Mas essa possibilidade aumenta se a elei��o for extremamente apertada.
BBC News Brasil - O senhor � um dos principais especialistas em democracia, ditaduras e ditaduras militares na Am�rica Latina. Na sua avalia��o, existe algum espa�o para uma ruptura democr�tica no Brasil hoje?
Mainwaring - Para a ruptura cl�ssica via golpe militar, acho que n�o h� espa�o. Desde o fim da Guerra Fria, a maneira mais frequente de a democracia se romper � pela via do que chamamos de "executive takeover". Seria, digamos, quando o presidente, ao longo do tempo, degrada a democracia a tal ponto que ela deixa de ser um regime democr�tico. Um exemplo cl�ssico � a Venezuela p�s-Hugo Ch�vez. Outro exemplo claro � a Nicar�gua e o regime de Daniel Ortega. Mas poder�amos pegar um caso como a Hungria de Viktor Orb�n. Esse risco eu acho que � real, especialmente se Bolsonaro ganhar de novo. O risco de ele procurar concentrar mais o poder... os ataques dele ao STF s�o um indicador nefasto. Agora, Bolsonaro n�o dever� ter uma maioria no Congresso e isso dificulta as coisas para ele.
BBC News Brasil - Nos �ltimos anos, houve um relaxamento das normas no Brasil em rela��o � compra de armas e alguns especialistas dizem hoje que o Brasil tem mais armas circulando hoje do que no passado. Considerando todo esse ambiente de tens�o das nossas elei��es, qu�o preocupante � termos uma elei��o neste ambiente?
Mainwaring - N�o sei qu�o preocupante isso � para a elei��o. Acho que (assassinatos como o de Marcelo) s�o um epis�dio raro e que n�o se repetem muito. O que � mais preocupante em termos do aumento de n�mero de armas � a pr�tica quotidiana da democracia nas �reas pobres do Brasil como as favelas do Rio de Janeiro. � o controle que as mil�cias e as organiza��es criminosas exercem nessas �reas e na regi�o amaz�nica. Eu diria que a� a democracia brasileira sofre muito e isso n�o � uma novidade.
BBC News Brasil - O senhor sente que h� uma preocupa��o maior neste ano, fora do Brasil, em rela��o �s elei��es deste ano na compara��o com outros anos?
Mainwaring - Certamente. A preocupa��o n�o � porque o sistema eleitoral seja fr�gil, mas � que um dos candidatos, Bolsonaro, poderia n�o aceitar o resultado.
BBC News Brasil - Existe, na sua avalia��o, algum sinal de que essa tens�o que existe hoje possa se dissipar depois das elei��es? Ou esse n�vel de polariza��o � algo que veio para ficar e que vai demorar um tempo para desaparecer, se � que vai desaparecer?
Mainwaring - Se Lula ganhar, vai depender de como ele governar�. A polariza��o n�o vai se dissipar. N�o h� nenhuma forma para que isso passe, mas poderia diminuir. E de qu� maneira? Se o governo de Lula for exitoso, a tend�ncia � diminuir a polariza��o. Por outro lado, se ele toma posi��es mais moderadas, isso ajudaria a diminuir a polariza��o. Por outro lado, se se repetem os casos de corrup��o, se a economia n�o retomar um caminho mais positivo, se a viol�ncia n�o diminuir, a� a polariza��o provavelmente n�o vai diminuir.
BBC News Brasil - O Sr. mencionou que a morte de Marcelo Arruda � mais um indicador de uma rela��o t�xica entre viol�ncia e poder pol�tico. O que � exatamente os atores pol�ticos podem ou deveriam fazer para que epis�dios como esses n�o acontecessem?
Mainwaring - Para os candidatos Bolsonaro e Lula, sobretudo porque s�o os �nicos que t�m uma chance vi�vel, eles t�m que denunciar essa viol�ncia. Isso � muito importante. Voc� n�o pode reduzir a zero a possibilidade de um cara desequilibrado atacar a outra pessoa. Mas a mensagem das lideran�as � muito importante. Voc� tem que renunciar o uso da viol�ncia.
BBC News Brasil - Numa declara��o, o presidente Bolsonaro disse o seguinte: "Voc�s viram o que aconteceu ontem? Uma briga entre duas pessoas l� em Foz do Igua�u? Bolsonaro isso n�o sei o que ela. Agora ningu�m fala que o Ad�lio", que � a pessoa que o esfaqueou em 2018 e que foi filiado ao PSOL. Nas suas redes sociais, ele n�o chegou a lamentar a morte do Marcelo e acusou a esquerda de violenta. Esse tipo de declara��o ajuda a acalmar os �nimos?
Mainwaring - Evidente que n�o. Agora, eu n�o sabia do incidente no qual o Lula aplaudiu a agress�o de um petista contra um Bolsonaro. E isso tamb�m, no meu ver, � lament�vel. Os dois t�m que se pronunciar contra o uso da viol�ncia.
- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62144553
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