
"� Lula e Bolsonaro, n�?", responde de pronto a diarista Maria Salom� Lopes, de 59 anos, quando a BBC News Brasil pergunta se ela sabe quem est� concorrendo � presid�ncia da Rep�blica nas elei��es de 2022. Enquanto a elei��o se aproxima e a disputa entre o ex-presidente Lula (PT) e o atual presidente Bolsonaro (PL) se acirra, Maria ainda parece longe da defini��o sobre quem deve levar seu voto. "Eu sou meio indecisa. Na outra elei��o (2018), eu anulei, n�o confiei nas palavras de ningu�m. Esse ano, acho que vou decidir s� no dia mesmo", afirmou.
Maria � parda, cat�lica de ir � missa "quase todo domingo" e estudou apenas at� a quarta s�rie.

Ela tamb�m � a cara do eleitorado que chega indeciso pouco mais de 40 dias antes de uma das elei��es mais discutidas e antecipadas da hist�ria recente do Brasil.
Segundo uma pesquisa Genial/Quaest, que entrevistou 2 mil pessoas presencialmente entre os dias 11 e 14 de agosto em todo o pa�s, e � qual a BBC News Brasil teve acesso com exclusividade, a maioria dos atuais indecisos s�o mulheres (64%), cat�licos (50%), pardos (48%), vivem na regi�o Sudeste do pa�s (47%), t�m renda familiar de at� 5 sal�rios m�nimos (83%), n�o conclu�ram o Ensino Fundamental (40%), t�m idade entre 45 e 59 anos (26%).
Diferente de Maria, no entanto, a maioria dos atuais indecisos escolheu algu�m em 2018: 34% deles votaram em Bolsonaro, contra 25% que optaram pelo petista Fernando Haddad. S� 14% votaram branco ou nulo, como Maria.

Menor n�mero de indecisos em d�cadas
As elei��es de 2022 ficar�o marcadas como aquelas com menor n�mero de indecisos nas �ltimas d�cadas.
A tend�ncia j� estava clara desde o primeiro semestre deste ano, quando o agregador de pesquisas do site Jota verificou que 58% eleitores brasileiros j� sabia indicar, espontaneamente, a quem direcionaria seu voto em outubro. Em 2018, em compara��o, eram cerca de 22%.
"Os (totais de) indecisos, principalmente na pergunta espont�nea, s�o os mais baixos da nossa hist�ria e os indicadores de interesse s�o os mais altos em todos os estratos, em todos os segmentos", afirma o cientista pol�tico Felipe Nunes, diretor da Quaest.

A pergunta espont�nea � aquela feita em um levantamento eleitoral sem que o pesquisador tenha que mostrar ao eleitor um cart�o com o nome dos candidatos dispon�veis.
� considerada uma medida importante n�o para descobrir o resultado do pleito em si, mas para saber o grau de consolida��o desses votos.
Pessoas que nomeiam seu candidato sem ajuda tendem a ter menos chance de mudar de ideia at� o dia da elei��o.
Para o cientista pol�tico Carlos Melo, do Insper, a escassez de indecisos em 2022 est� ligada � antecipa��o da disputa.
"Esta elei��o est� colocada para o brasileiro h� muito tempo. De fato, a elei��o de 2018 parece nunca ter acabado. O presidente Bolsonaro n�o desceu do palanque, nunca fez um discurso mais amplo, pra abarcar a popula��o toda. E, em mar�o do ano passado, Fachin anulou os processos contra o Lula, o reabilitando pra disputa, o que aumentou a especula��o sobre o pleito", afirma Melo.
Mas o fato de serem poucos, n�o torna os eleitores indecisos menos decisivos nesta elei��o.
Primeiro porque eles s�o um dos poucos bols�es de votos ainda dispon�veis para os candidatos, j� que as �ltimas sondagens eleitorais mostram que mais de 80% dos que declaram voto tanto em Lula quanto em Bolsonaro j� n�o consideram reavaliar suas op��es.
Segundo porque, embora insuficientes para inverter a ordem entre o primeiro (Lula) e o segundo (Bolsonaro) colocados nas pesquisas, esses quase 11 milh�es de pessoas em d�vida, ou 7% do eleitorado, segundo pesquisa mais recente do Ipec, seriam suficientes para liquidar a disputa ainda no primeiro turno.
Mas afinal, o que querem os indecisos?
De acordo com o levantamento da Quaest que mapeou o grupo, os indecisos n�o est�o na classe m�dia ou entre os mais ricos. N�o s�o tamb�m, necessariamente, os que est�o em pior situa��o de renda ou escolaridade.
S�o, na verdade, uma camada intermedi�ria, que sonhou ter consumo de classe m�dia, mas empobreceu recentemente.
"A maior concentra��o de indecisos est� dada nas regi�es metropolitanas das capitais, principalmente do Sudeste do Brasil. A gente est� falando, portanto, de gente que perdeu renda nos �ltimos anos", afirma Nunes, mostrando que as campanhas de Lula e Bolsonaro est�o afiadas com os dados ao focar suas aten��es de campanha na regi�o.

Perguntada sobre o principal problema do Brasil, Maria, que nunca recebeu parcelas do aux�lio emergencial, n�o tem d�vida: "Essa fome do povo, minha filha, essa carestia dessas coisas". E complementa: "As pessoas sem casa para morar, n�, sem nada."
Maria diz que no �ltimo ano a condi��o financeira da fam�lia piorou, mas n�o a ponto de passar fome ou n�o pagar o aluguel. A mesma resposta � dada por 56% dos indecisos, segundo o levantamento da Quaest.
Com base nessa resposta, seria f�cil imaginar que esse grupo tenderia a votar em Lula, j� que nas pesquisas de inten��o de votos ele costuma ser apontado pela maior parte dos eleitores como uma refer�ncia no combate � fome.
Mas a escolha do voto � uma quest�o multifatorial. E, segundo Nunes, a localiza��o geogr�fica desse grupo ajuda a explicar porque seguem indecisos: as regi�es metropolitanas das cidades sudestinas s�o conhecidas por terem sofrido historicamente com altos �ndices de viol�ncia urbana. E Bolsonaro faz campanha com base na no��o do armamento de civis para combater o crime e propagando a redu��o nacional na taxa de homic�dios, que aconteceu nos �ltimos anos.
"Bolsonaro � visto como quem representa a melhor solu��o para a viol�ncia e o Lula, a melhor solu��o pra economia. Esse eleitor que est� na margem, na borda das grandes cidades, � um eleitor que est� dividido entre essas duas quest�es. Ele sabe o que um representa, sabe o que o outro representa. Mas n�o sabe o que pesa mais (em sua vida) nesse momento", diz Nunes.
A quest�o da seguran�a se torna ainda mais complexa quando olhada pela perspectiva das mulheres, maioria entre os indecisos.
"As mulheres se preocupam muito com o combate � criminalidade, mas n�o a qualquer custo. Muitas s�o m�es solo e t�m filhos que est�o na criminalidade ou filhos que podem ser alvo da viol�ncia policial nas favelas", afirma Nara Pav�o, professora da Universidade Federal de Pernambuco e estudiosa do tema g�nero e prefer�ncia eleitoral.
Bolsonaro amarga rejei��o em torno de 50% entre as mulheres, em parte por sua imagem armamentista.

O tema seria um dos motivos pelos quais, mesmo tendo muita identifica��o com o p�blico evang�lico, o presidente ainda encontra resist�ncia entre as fi�is, que v�m sendo cortejadas pelo ex-presidente Lula. De acordo com o mapeamento da Quaest, 29% dos indecisos se dizem evang�licos.
Para as mulheres tamb�m pesa negativamente a abordagem de Bolsonaro em rela��o � sa�de p�blica. Pesquisas t�m mostrado que elas s�o mais propensas a tomar medidas de distanciamento social e preven��o de doen�as do que os homens.
"Eu achei um desaforo ele falar que a pandemia, que aquilo tudo, era uma coisinha de nada", afirma Maria, que perdeu um cunhado para a covid-19, referindo-se ao fato de o presidente ter chamado a doen�a de "gripezinha".
N�o � surpreendente que a maior parte dos atuais indecisos seja feminina. Historicamente, mulheres costumam compor a maior parte do eleitorado indeciso no Brasil. A ci�ncia pol�tica sempre ofereceu duas raz�es principais para isso, de acordo com as pesquisas feitas com o eleitorado brasileiro.
A primeira seria uma maior avers�o delas ao risco — o que significa que s� tomariam uma decis�o quando se sentissem bem informadas o suficiente pra dar esse passo.
O segundo motivo � o suposto menor interesse das mulheres pelo cotidiano da pol�tica partid�ria, o que as levaria a ter menos informa��o de antem�o e a tomar uma decis�o tardia.
No caso de Maria, no entanto, a falta de informa��o n�o parece ser o problema. Embora admita que em seu conv�vio as pessoas falem pouco de pol�tica, ela diz que n�o gostou "de nada" do que fez Bolsonaro. Questionada sobre Lula, n�o titubeia: "tamb�m n�o". Afirma que nunca votou em nenhum dos dois.
Segundo Carlos Melo, assim como em 2018, essa ser� de novo uma elei��o pautada pelas rejei��es dos eleitores. H� quatro anos, era um voto sobre o antipetismo. Agora, sobre o antibolsonarismo. Os indecisos, ou os nem-nem, nas palavras de Melo, ter�o que se definir entre o que lhes parece o menos pior entre esses dois mundos.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62640887
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