
A menos de dez dias do primeiro turno das elei��es, os principais institutos de pesquisa do pa�s — como Ipec, Datafolha, Ipespe e Quaest — continuam mostrando o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) com uma vantagem folgada na corrida presidencial ante seu principal oponente, o presidente Jair Bolsonaro (PL), inclusive com chances de vencer no primeiro turno.
O atual mandat�rio, por�m, questiona a credibilidade dessas sondagens e diz que ele que vencer� j� no pr�ximo domingo (2 de outubro, dia de vota��o do primeiro turno). "Essas pesquisas n�o valem de nada. Erraram tudo em 2018 e agora, obviamente, potencializam o outro lado", disse Bolsonaro na ter�a-feira (23/09), durante viagem � Nova York para participar da Assembleia Geral da ONU.
O argumento do presidente e de seus apoiadores para contestar o cen�rio desfavor�vel captado pelas pesquisas nesta elei��o � dizer que os institutos tamb�m n�o apontaram sua vit�ria no pleito de 2018. Al�m disso, tamb�m acusam supostos erros das pesquisas em outras disputas daquele ano, como elei��es para governos estaduais e vagas no Senado.
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Especialistas no assunto ouvidos pela reportagem questionam a argumenta��o de Bolsonaro, j� que as sondagens de 2018 pr�ximas ao dia da vota��o mostravam a vit�ria do atual presidente.
Esses especialistas ressaltam ainda que pesquisas n�o s�o "progn�stico da elei��o", mas apenas um retrato do momento. Isso significa que o resultado das urnas pode ser diferente das sondagens eleitorais, na medida em que a decis�o de voto do eleitor pode mudar entre o momento de realiza��o da pesquisa e o dia da vota��o.
"Mesmo que algumas pesquisas eleitorais divulguem seus resultados no dia anterior � elei��o, elas ainda podem n�o captar certas mudan�as ou decis�es de voto ocorridas no dia da elei��o, no dia anterior ou at� mesmo dois dias antes, uma vez que muitas pesquisas come�am sua coleta de dados de dois a tr�s dias antes de sua divulga��o", refor�a o estat�stico Raphael Nishimura, diretor de amostragem do Survey Research Center, da Universidade de Michigan.Um fator, por exemplo, que pode influenciar a decis�o de �ltima hora � o chamado "voto �til", quando o eleitor decide votar num candidato que n�o � sua escolha inicial porque avalia que ele tem mais chances de derrotar um outro concorrente com mais rejei��o.
Neste ano, Lula tem tentado atrair para si ainda no primeiro turno os eleitores de outros candidatos como Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) com o discurso de que o voto �til no petista pode garantir sua vit�ria contra Bolsonaro j� no dia 2 de outubro.
Advers�rios de Lula t�m reagido, criticando a iniciativa como antidemocr�tica, enquanto apoiadores do petista dizem que faz parte da democracia tentar atrair o eleitor dos concorrentes e que seria importante vencer no primeiro turno para enfraquecer poss�veis tentativas de Bolsonaro de questionar o resultado das urnas.
Uma das principais bandeiras do presidente tem sido levantar suspeitas infundadas sobre a seguran�a da urna eletr�nica. Para cr�ticos de Bolsonaro, o discurso contra o sistema eletr�nico de vota��o e os ataques contra os institutos de pesquisa fazem parte da estrat�gia de preparar o terreno para questionar depois o resultado da elei��o, em caso de derrota.
Mas o que diziam as pesquisas de 2018?
As pesquisas de 2018 mostram que as sondagens sobre a disputa presidencial realizadas pelos principais institutos de pesquisa captaram com anteced�ncia a vantagem de Bolsonaro no primeiro turno da corrida eleitoral. Na campanha de segundo turno, as sondagens tamb�m sempre mostraram Bolsonaro bem � frente de seu advers�rio, o petista Fernando Haddad (confira os n�meros ao longo da reportagem).
J� antes da vota��o do primeiro turno, quando os institutos testavam em seus levantamentos poss�veis confrontos no segundo turno, as pesquisas mostraram diferentes resultados. Em alguns momentos indicavam que Bolsonaro perderia de Haddad, Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT). Outras, mais pr�ximas do dia 7 de outubro (data do primeiro turno), j� mostravam Bolsonaro � frente de Haddad em eventual segundo turno.

Apoiadores do presidente usam essas pesquisas que, inicialmente, indicavam derrota de Bolsonaro no segundo turno para contestar a credibilidade das sondagens, argumento contestado pelos institutos.
"Cabe esclarecer que as simula��es de 2º turno feitas no 1º turno das elei��es s�o hipot�ticas e nem sempre refletir�o o que acontecer� de fato no 2º turno", explicou � BBC News Brasil M�rcia Cavallari, diretora do Ipec (Intelig�ncia em Pesquisa e Consultoria Estrat�gica), instituto fundado por parte da equipe que atuava no antigo Ibope.
"O pr�prio resultado do 1º turno das elei��es tem impacto no posicionamento dos eleitores no 2º turno, al�m da reacomoda��o das for�as pol�ticas. � uma nova elei��o. N�o se pode comparar as simula��es de 2º turno feitas no 1º turno com as do 2º turno de fato. Os eleitores v�o se posicionando ao longo da campanha eleitoral", acrescentou.
J� em alguns pleitos estaduais, os resultados das urnas surpreendeu. Para especialistas, isso foi reflexo de uma elei��o at�pica, marcada por uma forte rejei��o ao sistema pol�tico, em que uma onda bolsonarista ganhou for�a muito pr�ximo do pleito, impulsionando a vota��o de concorrentes at� ent�o pouco conhecidos, como Wilson Witzel (PSC) e Romeu Zema (Novo), eleitos, respectivamente, governadores do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.
O cientista pol�tico Antonio Lavareda, que � presidente do Conselho Cient�fico do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Pol�ticas e Econ�micas), ressalta que, embora as pesquisas n�o tenham apontado a vit�ria dos dois, elas j� apontavam uma tend�ncia de crescimento.
"Nas pesquisas de v�spera da elei��o, pelo menos, j� havia sinaliza��o de crescimento do Witzel, do Zema, etc. Na verdade, o que houve nas �ltimas 48 horas, 24 horas antes da vota��o em 2018 — uma elei��o cr�tica, uma elei��o de mudan�a de paradigma de comportamento — foi uma onda bolsonarista que arrastou [para o cargo] alguns candidatos na reta final em alguns Estados", nota Lavareda.
Os n�meros das pesquisas presidenciais
Vamos relembrar a evolu��o das pesquisas na �ltima elei��o presidencial.
H� quatro anos, as sondagens dos institutos brasileiros mais tradicionais indicavam, inicialmente, Lula como favorito para vencer a elei��o. No entanto, o petista foi barrado daquela disputa presidencial em 1º de setembro de 2018 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) porque estava condenado em segunda inst�ncia (as condena��es foram anuladas em 2020).
Assim que o ex-presidente foi substitu�do por Fernando Haddad como candidato do PT na corrida presidencial daquele ano, Bolsonaro passou liderar as principais pesquisas de inten��o de voto para o primeiro turno.
Vejamos os dados de 2018 do Ibope, instituto de longa tradi��o no Brasil que fechou as portas em 2021 e cujos executivos fundaram o atual Ipec.
No levantamento Ibope divulgado em cinco de setembro, Bolsonaro aparecia com 22% das inten��es de voto, seguido por Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT), cada um com 12%. Logo atr�s vinha Geraldo Alckmin (PSDB), com 9%, e Haddad, com 6%. Outros concorrentes somavam 11%. Havia ainda 21% de pessoas com inten��o de votar branco ou nulo, e outros 7% que ainda n�o sabiam em quem votar ou n�o responderam.
Nas semanas seguintes, as inten��es de voto de Bolsonaro e Haddad cresceram continuamente, deixando para tr�s os demais concorrentes. No levantamento Ibope divulgado em 6 de outubro, v�spera do primeiro turno, Bolsonaro aparecia com 36% ante 22% de Haddad.
J� Ciro aparecia quase est�vel, com 11%, Alckmin havia ca�do um pouco mais para 7%, e Marina havia derretido para 3%. A soma dos demais candidatos tamb�m recuou para 8%. O percentual dos que pretendiam votar branco ou nulo tamb�m teve queda expressiva (7%), enquanto os que n�o sabiam em quem votar ficou em 5%.
Ou seja, ao longo da campanha de primeiro turno, Bolsonaro e Haddad conseguiram atrair votos de outros candidatos, assim como eleitores que antes estavam indecisos ou pretendiam anular seu voto.
Considerando apenas os votos v�lidos (sem contabilizar brancos e nulos, dado que � usado pelo TSE para definir os eleitos), Bolsonaro tinha naquela pesquisa 41%, enquanto Haddad tinha 25%.
J� na pesquisa de boca de urna, que � realizada no dia da vota��o, o desempenho dos dois candidatos ficou muito pr�ximo do resultado final. O levantamento do Ibope de sete de outubro mostrou o ent�o candidato do PSL com 45% dos votos v�lidos, e o petista com 28%. J� o resultado do TSE foi 46% para Bolsonaro e 29% para Haddad, ou seja, dentro da margem de erro de dois pontos percentuais da pesquisa de boca de urna.
"A pesquisa n�o tem o papel de antecipar o resultado eleitoral. A pesquisa eleitoral capta atitudes e as inten��es de voto, n�o mede o comportamento do eleitor. Apenas as pesquisas de boca de urna (feitas no dia da vota��o, logo que as urnas fecham) podem ser comparadas com os resultados oficiais, pois estas est�o medindo comportamento", afirma Cavallari.
Embora as pesquisas n�o tenham a fun��o de prever o resultado das urnas, elas costumam captar bem qual a tend�ncia da evolu��o do voto. "Via de regra, observamos que os resultados oficiais s�o um ponto a mais nas curvas de tend�ncia apontadas pelas pesquisas", ressalta a diretora do Ipec.
A evolu��o das inten��es de voto para o primeiro turno de 2018 captada nas pesquisas Ibope foi a mesma de outros institutos, como Datafolha e Ipespe.
Para Lavareda, Haddad cresceu e chegou ao segundo turno devido a uma transfer�ncia dos votos de Lula para o novo candidato do PT.
J� Bolsonaro foi capaz de catalisar o forte sentimento contr�rio aos partidos pol�ticos mais tradicionais, em especial o antipetismo, que marcou a disputa de 2018. Na medida em que ele despontou como o o candidato mais forte para derrotar o PT, partido que havia ganhado as quatro elei��es presidenciais anteriores, Bolsonaro cresceu na prefer�ncia do eleitor que n�o desejava um novo governo petista naquele momento, analisa o cientista pol�tico.
As pesquisas sobre segundo turno
Ao questionar a credibilidade das pesquisas, apoiadores de Bolsonaro costumam dizer que os levantamentos sobre o segundo turno de 2018 mostravam que o atual presidente perderia contra todos os outros principais concorrentes.
Nas redes sociais, o argumento costuma vir acompanhado de uma pesquisa do Datafolha de 28 de setembro de 2018, ou seja, mais de uma semana antes do primeiro turno (7 de outubro).
8 dias antes das elei��es em 2018 o DataFolha dizia que Bolsonaro tinha 28% e perdia para todos no segundo turno. Fizemos 46% nas urnas e no segundo turno ganhamos com mais de 10 milh�es de votos. Se dependesse da Foice de S�o Paulo o PT governava o Brasil at� hoje…
— %uD83D%uDC4A%uD83C%uDDE7%uD83C%uDDF7 Marco Feliciano 2270 (@marcofeliciano) May 27, 2022Essa sondagem mostrava que, naquele momento, as inten��es de voto indicavam a derrota de Bolsonaro para Haddad (45% a 39%), Alckmin (45% a 38%) e Ciro (48% a 38%).
As tr�s pesquisas seguintes do Datafolha, por�m, j� mostravam Bolsonaro numericamente � frente de Haddad em um poss�vel segundo turno, embora empatados dentro da margem de erro. Na �ltima delas, na v�spera do primeiro turno de 2018, o ent�o candidato do PSL aparecia com 45% das inten��es de voto em um eventual segundo turno contra o petista, que, por sua vez, marcava 43%.
Com o resultado da vota��o do primeiro turno confirmando a disputa entre Bolsonaro e Haddad, todas as pesquisas realizadas durante a campanha do segundo turno passaram a captar uma larga vantagem do atual presidente sobre o candidato petista.
"N�s fazemos as simula��es de segundo turno no decorrer do primeiro turno, elas refletem a opini�o do eleitor nesse momento de primeiro turno. O segundo turno � outra elei��o, n�s come�amos do zero, n�o consideramos os resultados dessas simula��es obtidas no primeiro turno", disse � reportagem Luciana Chong, diretora do Datafolha.
O �ltimo Datafolha, divulgado na v�spera do segundo turno, indicava Bolsonaro com 55% dos votos v�lidos e o petista com 45%. O resultado das urnas contabilizado pelo TSE foi: Bolsonaro eleito com 55,13% dos votos v�lidos, Haddad derrotado com e 44,87%.
"Pesquisa n�o � progn�stico, mas a pesquisa deve dar pelo menor uma ideia de ordem de coloca��o (dos candidatos) e de uma certa dist�ncia (entre eles). E as pesquisas de segundo turno (de 2018) apresentaram isso: ordem correta e uma certa dist�ncia parecida com o que deu", nota Lavareda, do Ipespe.
Surpresas nas disputas estaduais
A credibilidade dos institutos de pesquisa tamb�m tem sido questionada devido a grandes diferen�as observadas em 2018 entre o resultado das urnas e as pesquisas de inten��o de voto em algumas disputas estaduais.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o governador que acabou eleito, Wilson Witzel (PSC), aparecia na pesquisa Ibope divulgada na v�spera do primeiro turno empatado em terceiro lugar com �ndio da Costa (PSD), com 12% das inten��es de votos v�lidos, atr�s de Eduardo Paes (DEM), com 32%, e Rom�rio (Podemos), com 20%.
J� a pesquisa de boca de urna do mesmo instituto, feita no dia da vota��o, j� mostrava ele em primeiro lugar, com 39% da prefer�ncia do eleitor (considerando votos v�lidos), seguido de Paes (21%), n�meros muito pr�ximos do resultado das urnas (41,28% para Witzel e 19,56% para Paes).
Witzel acabou derrotando Paes no segundo turno, cen�rio antecipado pelas pesquisas dos principais institutos realizadas ap�s o primeiro turno.
Movimento semelhante aconteceu em Minas Gerais, em que o atual governador, Romeu Zema (Novo), tamb�m saiu de terceiro na pesquisa Ibope da v�spera da elei��o para primeiro lugar no resultado do TSE para o primeiro turno. Na etapa final, ele enfrentou e derrotou Antonio Anastasia (PSDB), resultado antecipado pelas pesquisas do segundo turno.
Tamb�m chamou aten��o a disputa mineira pelo Senado. As pesquisas indicavam que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) seria eleita. Ela terminou em quarto lugar e foram eleitos Rodrigo Pacheco (DEM) e o Jornalista Carlos Viana (PHS).
Algo em comum entre Witzel, Zema, Viana, e outros candidatos eleitos em 2018, � que eles disputavam um cargo pol�tico pela primeira vez e venceram colando suas candidaturas na de Bolsonaro.
Conforme explicou Lavareda, houve uma onda bolsonarista na elei��o de quatro anos atr�s que impulsionou uma s�rie de candidatos desconhecidos. Al�m disso, ele ressalta que � mais comum o resultado das urnas divergir das pesquisas para elei��es estaduais, que medem as inten��es de voto para o governador e Senado, do que das pesquisas para presidente.
Isso ocorre n�o por causa de "erros" das pesquisas, ressalta Lavareda, mas porque nas elei��es estaduais � mais comum que uma parcela maior de eleitores s� defina seu voto muito pr�ximo do pleito ou mesmo no dia da vota��o.
A pesquisa do Ibope para o Senado de Minas Gerais divulgada dia 6 de outubro (v�spera do primeiro turno), aquela que dava vit�ria para Dilma, indicava que 31% dos eleitores n�o sabiam ainda em quem votar, por exemplo.
Para Lavareda, a elei��o de 2022 ter� menos surpresas porque neste ano n�o h� mais aquela onda antipol�tica que marcou o pleito de 2018.
"Teremos muito menos mudan�as abruptas de �ltima hora, mas pode acontecer. Nas elei��es para Senado, por exemplo, em que � baix�ssima a taxa de interesse do eleitor, o que podemos ver pela inten��o de voto espont�nea (quando a pesquisa pergunta a inten��o de voto antes de apresentar os nomes dos candidatos)", nota Lavareda.
"A inten��o de voto espont�nea na pesquisa para elei��o presidencial � elevad�ssima. J� para governador � menos elevado e para senador � baixo. As pessoas v�o formar sua prefer�ncia na �ltima hora", refor�a.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63014969
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